sexta-feira 27 de dezembro de 2024

Contra a missão tecnocrática do Banco Central, por Luís Nassif

Os bancos centrais já buscam outros objetivos além da estabilidade de preços. A maioria tem um papel na regulamentação financeira.
Reprodução

Por Luís Nassif, do Jornal GGN

A disfuncionalidade dos Bancos Centrais já chegou à União Europeia. É o que se depreende do artigo do Martins Sandbu, do Financial Times.

Sandbu analisa os desafios geopolíticos dos países. E, a partir daí, o papel limitadíssimo do Banco Central, de considerar o combate à inflação sua única função.

Ao longo de milênios, diz ele, controlar o fornecimento da moeda é um poder real, que está no centro da arte da governar e da influência geopolítica.

Hoje em dia, o poder de controlar a moeda é amplamente acumulado por bancos centrais tecnocráticos independentes com mandatos estreitos, muitas vezes legalistas — e mentalidades ainda mais estreitas. Ou seja, o BC brasileiro têm características estreitamente comuns com seus congêneres europeus.

O Banco Central Europeu tem dois mandatos: estabilidade de preços e apoio às políticas econômicas gerais da União Europeia.

Por exemplo, a UE precisa mobilizar investimento privado em tecnologia digital, ambiental e defesa. No passado, o BCE oferecia aos bancos linhas de financiamento abaixo das taxas normais de mercado, visando impulsionar os empréstimos comerciais. O nome era “operação de recompra de longo prazo direcionada”. Baseou-se em política similar do Banco da Inglaterra com seu “financiamento para empréstimos”.

Com base nessa experiência, Sandbu sugere incentivos semelhantes para que bancos expandissem o financiamento para setores considerados estratégicos “pelos líderes democraticamente eleitos da zona do euro”, acabando com o controle tecnocrático do BCE sobre a moeda, sem escolher vencedores individuais.

Seria um sistema de taxa dupla, mantido o compromisso de manter a taxa alvo baixa. Se tais incentivos eventualmente tornassem a demanda excessivamente inflacionária no agregado, a taxa de política principal seria ajustada para cima, reduzindo a atividade em setores não prioritários.

É bom lembrar que um médico, Oswaldo Aranha, no governo Vargas introduziu o sistema de taxas múltiplas de câmbio que permitiu ao país enfrentar o duro período de escassez de divisas. Em lugar de teorias monetárias complexas, simplesmente convocou o diretor da carteira de comércio exterior do Banco do Brasil, Herculano de Freitas, e solicitou-lhe uma saída prática para a falta de divisas.

Os bancos centrais já buscam outros objetivos além da estabilidade de preços. A maioria tem um papel na regulamentação financeira. O BCE tem alguma responsabilidade pelo papel internacional do euro. E, agora, se empenham nas moedas digitais.

Mas tem que se subordinar ao poder democraticamente eleito. Hoje em dia, diz Sandbu, delega-se a política monetária a tecnocratas, “por causa da da futilidade de tentar causar surpresas inflacionárias em agentes econômicos privados”.

Em 2012. sob a liderança de Mario Draghi, então presidente do Banco Central Europeu (BCE), foi elaborado o Relatório Draghi, com medidas estratégias para fortalecer a União Econômica e Monetária (UEM) da União Europeia (UE). Esse relatório foi desenvolvido no contexto da crise da dívida soberana europeia e tinha como objetivo reforçar a resiliência da zona do euro a choques econômicos futuros.

O papel estratégico de um banco central é a realocação do capital em setores prioritários. “Mas eles universalmente fingem adotar uma postura de neutralidade em relação a isso”, diz Sandbu.,

Há muitas maneiras dos bancos centrais atuarem ativamente. Mas, salienta Sandbu, “o maior risco é escolher a impotência e ignorar completamente as capacidades geopolíticas dos bancos centrais”.

Antes que nosso Banco Central perca a legitimidade, seria conveniente que utilizasse os ótimos quadros técnicos de que dispõem para uma discussão séria sobre seu papel, como peça central do desenvolvimento, sem perder sua missão de regulador da moeda.

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