6 de fevereiro de 2020 4:36 por Marcos Berillo
Luciana Santana, cientista política e professora da Ufal, analisa contexto nacional
Maceió, AL – Não é a primeira vez que um integrante do alto escalão do governo de Jair Bolsonaro evoca sistemas totalitários seja como forma de ameaça ou de defesa a regimes que torturaram, mataram e levaram nações à barbárie. O mais recente, que levou à destituição do cargo o secretário de Cultura, Roberto Alvim, foi um dos episódios mais polêmicos.
Em vídeo, Alvim parafraseou uma citação do ministro de propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels. O cenário e até a música do vídeo faziam apologia ao nazismo. Após polêmica, o presidente Bolsonaro afastou o secretário e disse tratar-se de um pronunciamento “infeliz”. Não é o que considera a cientista política e professora da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Luciana Santana, para quem a fala é criminosa.
“O discurso do ex-secretário de Cultura não foi infeliz, foi inaceitável, imperdoável, um crime. Se isso tivesse acontecido na Alemanha, por exemplo, ele já estaria preso. Reproduzir qualquer menção nazista deve ser inaceitável em uma democracia”, afirma a especialista.
O vídeo e as referências ao nazismo incomodaram até mesmo o mentor de Roberto Alvim, o ideólogo Olavo de Carvalho, para quem Alvim “talvez não esteja muito bem da cabeça”. “Esse foi, talvez, o único episódio no atual governo que unificou críticas de todos os campos ideológicos. Não acompanho muito esse “mentor” do governo Bolsonaro, mas essa fala dele é muito infeliz e branda para caracterizar um episódio tão grave”, declara Luciana Santana.
Ela entende que este não se tratou de um ato isolado do governo, mesmo quando Bolsonaro tentou aplainar dizendo repudiar “ideologias totalitárias e genocidas” e “qualquer tipo de ilação às mesmas”.
“Não é o que transparece, não é mesmo? Não foi um ato isolado no atual governo, várias outros absurdos e posições antidemocráticas têm sido externalizados por membros que ocupam diferentes posições políticas e técnicas no governo. Essa fala foi apenas uma resposta formal à grande repercussão negativa do discurso plagiado que ganhou proporções internacionais”, destaca a cientista política.
Democracia pressupõe pluralidade, igualdade e imprensa livre, afirma especialista
Apologia a regimes totalitários tem se repetido no atual governo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que as pessoas não deveriam se assustar se ‘alguém pedir o AI-5’. O da Educação, Abraham Weintraub, chegou a sugerir que a ditadura militar não existiu no Brasil.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, já declarou que caso a esquerda radicalize, uma resposta pode ser um novo AI-5, e, no episódio de Alvim, tratou de amenizar o escândalo comparando o nazismo ao comunismo e ao socialismo.
Mas o que essas falas recorrentes podem significar na prática? Seriam apenas falas aleatórias ou uma ameaça real à democracia? A cientista política Luciana Santana responde: “São falas autoritárias com conteúdo que não dialogam com os princípios básicos da democracia”, ela declara.
Quanto as implicações para os mais jovens, que não vivenciaram uma das páginas mais cruéis da história do Brasil, a ditadura militar, Luciana considera que a saída é a informação. “É difícil mensurar o impacto desse tipo de fala, pois ainda estamos no meio dessa conjuntura política conturbada. Nessas horas, uma boa formação, contato com boas fontes de informação fazem a diferença. É importante, contudo, nos mantermos atentos e resistentes”, diz.
Ela aponta para os indicadores da democracia no mundo para afirmar que o Brasil retrocede. “Saiu hoje (terça, 22) o índice de democracia no The Economist. E mostra claramente como o Brasil saiu de uma posição confortável, ou seja, de uma democracia plena para uma democracia imperfeita. Não estamos bem. Democracia pressupõe pluralidade, respeito, igualdade, imprensa livre, dentre outros”, alerta Luciana Santana.
Redes sociais como espaço de mobilização é caminho sem volta, alerta Luciana Santana
As redes sociais viraram campo minado da batalha entre esquerda e direita no Brasil. Como sair desse cenário e retomar as mobilizações de rua? Isso ainda é possível? A partir de que momento, de que forma? Para a cientista política não há como deixar de lado as redes.
“Esqueça qualquer possibilidade de descartar as redes sociais como espaços de mobilização e de militância. É um caminho sem volta. A esquerda precisa usar as redes sociais e as ruas tal como movimentos de direita fizeram desde 2013”, afirma Luciana Santana.
A mobilização, ela ressalta, “passa pela existência de um projeto comum e isso tem sido bem deficitário na esquerda. Falta um projeto amplo que agregue, que faça as lideranças, os partidos e as bases dialogarem”.
No mundo
O avanço da extrema-direita é movimento mundial. Essa tendência deve permanecer? Como a ciência social analisa esse fenômeno? “Atualmente, esses movimentos de extrema=direita têm crescido. Há uma onda conservadora e reacionária muito forte”, diz Luciana Santana.
Esse processo, de acordo com ela, “tem relação com as transformações econômicas em todo o mundo, mudanças no perfil social e demográfico da população com poder de decisão, perdas de laços identitários entre membros de comunidades diversas e o papel desempenhado pelas redes sociais. Como faz parte de um ciclo e é difícil projetar sua redução”, ressalta.
“Papel da esquerda é se reencontrar, se fortalecer, se modernizar”
Em outubro, o brasileiro irá às urnas nas eleições municipais que definirão os novos prefeitos, seus vices e vereadores em todo Brasil. Em Alagoas, os grupos políticos trabalham no bastidor nas composições para definir os candidatos, enquanto detentores de mandato discutem estratégias para a reeleição ou eleição de seus aliados, no caso de prefeitos que estão no segundo mandato.
A cientista política Luciana Santana analisa o processo diante da atual conjuntura e diz que é difícil fazer qualquer prognóstico quando a pergunta é se a extrema-direita seguirá avançando ou se o eleitor tende a buscar novos nomes, mais ao centro e à esquerda.
“É uma pergunta difícil de responder porque a política local é muito diversa e não segue a lógica nacional”, ela pondera.
Além disso, segue Luciana Santana, “teremos também novas regras em vigor. O fim das coligações para eleição proporcional pode contribuir para que cresçam menos do que cresceram no Congresso Nacional em 2018. Isso dará mais força para nomes bastante expressivos nos municípios, em detrimento daqueles que dependiam de partidos maiores na coligação para se elegerem”, afirma.
Outro ponto, ressalta, “é que não temos certeza de que o partido do presidente conseguirá ser registrado a tempo de disputar a eleição municipal. Se for registrado as chances disso acontecer aumentam. Vamos aguardar mais um pouco para poder dizer algo com mais precisão”, pondera.
Quanto ao papel da esquerda neste momento, Luciana Santana não tem dúvida: “Se reencontrar, se fortalecer, se modernizar, ter um projeto de país que unifique pessoas, partidos, liderança. Buscar as bases, mobilizar e dialogar com a população”, ela conclui.