24 de março de 2020 8:11 por Marcos Berillo
Edberto Ticianeli*
A pandemia de 1918, que na verdade se estendeu até 1920, ficou conhecida como Gripe Espanhola, mesmo não tendo origem na Espanha. Mas como este país ibérico não tinha se envolvido no conflito mundial daquele período e as notícias não eram censuradas, as informações sobre a gripe ganharam destaque na imprensa.
Nos outros países em guerra, a doença não era divulgada para não desmobilizar os soldados. Assim, a “Gripe” passou a ser “Espanhola”.
O primeiro caso registrado da gripe, também conhecida como Influenza, foi detectado num soldado no Kansas (EUA), no dia 4 de março de 1918. Era um campo destinado ao treinamento de tropas dos Estados Unidos que seriam deslocadas para as frentes de combates da Primeira Guerra Mundial.
Entretanto, é provável que no final de 1917, nos campos de batalhas europeus, o vírus já estivesse provocando as primeiras baixas, sem ser identificado como tal. Em 1999, uma pesquisa realizada pelo virologista John Oxford situou o foco de origem da pandemia no Hospital de Campanha em Étaples, extremo norte da França, no inverno de 1917.
A doença, que se alastrou a partir da metade da década de 1918, quando a guerra já se encaminhava para o seu fim, foi causada por uma estirpe do vírus Influenza A do subtipo H1N1. Foi esta mesma H1N1 que provocou a gripe suína em 2009.
O Influenzavirus A e a causa mais comum da influenza (gripe) em humanos. O problema são suas mutações, que criam várias estirpes. A Espanhola foi uma das mais letais destas variações.
Entre 1918 e 1920, contaminou mais de 500 milhões de pessoas, a quarta parte da população mundial à época. O número das vítimas fatais varia entre o mínimo de 17 milhões e o máximo de 100 milhões. A metade dos mortos concentrava-se entre indivíduos de 20 a 40 anos.
Foi uma das pandemias mais letais da história, comparada somente à Peste Negra, que no século XIV levou à morte de 75 a 200 milhões de pessoas na Europa e Ásia.
Uma carta de um médico norte-americano, localizada décadas depois da descoberta do vírus e publicada no British Medical Journal, relata os sintomas da doença:
“Desenvolvem rapidamente o tipo mais viscoso de pneumonia jamais visto. Duas horas após darem entrada (no hospital), têm manchas castanho-avermelhadas nas maçãs do rosto e algumas horas mais tarde pode-se começar a ver a cianose estendendo-se por toda a face a partir das orelhas, até que se torna difícil distinguir o homem negro do branco. A morte chega em poucas horas e acontece simplesmente como uma falta de ar, até que morrem sufocados. É horrível. Pode-se ficar olhando um, dois ou 20 homens morrerem, mas ver esses pobres-diabos sendo abatidos como moscas deixa qualquer um exasperado“.
A expansão mundial da Gripe Espanhola no início do século XX, pode ser dividida em três ondas: a primeira atingiu principalmente os Estados Unidos e a Europa e a segunda fez adoecer as populações da Índia, Sudeste Asiático, Japão, China e Américas Central e do Sul.
A terceira leva da gripe, já em 1919, não provocou a mesma mortandade. Alguns estudos indicam que isso pode ser atribuído ao fato de os indivíduos mais suscetíveis já terem sido vitimados pelas ondas anteriores. Outra possibilidade aponta como causa da baixa letalidade a rapidez como foram tomadas medidas preventivas. Nos Estados Unidos, onde foram fechados escolas, igrejas e teatros imediatamente após a identificação da volta do surto, ocorreu uma queda na mortalidade de 50% em relação a localidades que não adotaram as mesmas medidas.
Esse estudo indica a possibilidade do isolamento obrigatório imposto pelas autoridades, somado ao retraimento voluntário da população, terem contribuído para a diminuição da tragédia.
No Brasil
As primeiras referências sobre a Influenza atingindo brasileiros começaram a circular nos periódicos na segunda metade de setembro, quando chegou ao país a informação que membros de uma esquadra brasileira tinham sido contaminados pela doença no norte da África.
Soube-se, no dia 24 de setembro, que a Missão Médica e marinheiros brasileiros enviados para ajudar no esforço de guerra francês tinham contraído a gripe no porto de Dakar, Senegal, à época uma colônia francesa.
Alguns deles morreram em Dakar e outros, contaminados, voltaram ao Brasil, desembarcando no Porto de Recife ainda em setembro.
Os brasileiros vitimados pela gripe no palco de guerra foram tratados como heróis pela imprensa. A revista O Malho de 28 de setembro de 1918 dedicou a sua capa aos seis oficiais que perderam a vida para a Influenza. Seus retratos foram expostos com destaque sobre uma ilustração de Loureiro.
O jornal A Província, de Pernambuco, de 24 de setembro de 1918, reproduziu a mesma informação, que lhe foi passada por telegrafo a partir do Rio de Janeiro. Neste mesmo periódico médicos, sabe-se que médicos especulavam sobre a origem da doença e o dr. Carlos Chagas opinou tratar-se “da febre ‘papalaticce’, muito conhecida na Europa mas que não tem tanta gravidade”.
Uma das versões mais divulgadas sobre como o vírus chegou ao Brasil, indica o navio inglês Demerara, proveniente de Lisboa, como disseminador da gripe ao distribuir seus passageiros doentes, no final de setembro, pelos portos de Recife, Salvador e Rio de Janeiro.
Outra fonte de dispersão do vírus foi o vapor Ceará, que saiu de Recife e chegou ao porto do Pará no dia 7 de outubro com alguns passageiros contaminados. O Diário de Pernambuco informou que a doença surgiu após a embarcação deixar o porto de Recife. A transmissora da doença teria sido uma passageira vinda de Natal, que já estava manifestando sinais da doença quando embarcou no Rio Grande do Norte.
Assim, nos primeiros dias de outubro, surgiram casos da gripe em algumas capitais nordestinas e em São Paulo.
Mesmo com as notícias sobre a Gripe Espanhola e as suas mortes na Europa tendo começado a circular na imprensa brasileira no início de agosto de 1918, as autoridades brasileiras não levaram a sério as informações vindas, principalmente de Portugal, onde a alta letalidade da doença já tinha sido confirmada.
E assim, sem barreiras sanitárias, a epidemia se alastrou facilmente por todo o Brasil. Até na Ilha de Fernando de Noronha ocorreram casos.
No seu período considerado pandêmico, entre outubro e dezembro de 1918, 65% da população brasileira adoeceram e mais 35 mil pessoas perderam suas vidas.
O Instituto Butantan chegou aos seguintes números de mortos: “[…] 12.700 no Rio de Janeiro, 6.000 em São Paulo, 1.316 em Porto Alegre, 1.250 em Recife e 386 em Salvador.”. Em Manaus morreram 900 indivíduos dos 9.000 infectados.
A morte mais emblemática provocada pela Gripe Espanhola no Brasil foi a do paulistano Francisco de Paula Rodrigues Alves, que aos 70 anos tinha sido eleito presidente da República pela segunda vez. Havia governado o país entre 15 de novembro de 1902 e 15 de novembro de 1906.
Eleito em março de 1918, deveria ter tomado posse em 15 de novembro daquele ano. Como estava doente, assumiu o seu vice, Delfim Moreira. Rodrigues Alves faleceu na madrugada de 16 de janeiro de 1919.
A campanha contra a doença no Rio de Janeiro foi liderada pelo médico dr. Carlos Chagas, que havia assumido a direção do Instituto Oswaldo Cruz por indicação do então presidente Venceslau Brás. Foi ele quem instalou cinco hospitais emergenciais e 27 postos de atendimento à população em diferentes pontos da cidade.
No resto do país, a confusão era generalizada, principalmente por não se saber corretamente qual a doença que estava matando indiscriminadamente indivíduos de todas as classes sociais.
Prevalecia o tratamento dos sintomas e com base neles surgiam várias recomendações e medicamentos, muitos deles conflitantes.
A Academia Paulista de Medicina, por exemplo, sugeriu alguns medicamentos que levam em suas composições entre 36 e 54 substâncias. A maioria dos fármacos recomendados nesta época tinha eficácia, no mínimo, duvidosa.
Ainda em São Paulo, centros espíritas também passaram a atuar para debelar a pandemia. Distribuíam água fluidificada como remédio e preventivo.
Nos jornais, os anúncios de remédios que garantiam a eliminação do micróbio da gripe se multiplicavam dia a dia, sem o menor respeito pelos doentes.
Nas páginas dos jornais e revistas, pontificavam o xarope de Grindélia, xarope Contratosse, pílulas contra tosse do Dr. Manuelito Moreira ou Peitoral de Angico Pelotense, todos prometendo a imediata cura da gripe.
Eram oferecidos ainda filtros de água e até o quinino, usado comumente contra a malária. Tentava-se a cura a qualquer custo.
O Diário de Pernambuco recomendava preventivamente “deitar enxofre na água que beber cozinhar” e “a um litro de álcool adicionar: cascas de dois limões, uma colher das de chá de erva doce e uma colher das de sopa de tintura de bryonia”. Este último era utilizado com a dissolução de seis gotas em um cálice d’água e ingerido duas vezes ao dia, “de preferência na volta dos passeios ou do trabalho”.
Acometido da doença, o paciente devia utilizar o seguinte tratamento: “Um purgante de água vienense deve ser tomado imediatamente logo que a pessoa se sentir doente. Duas horas depois fará lavagens intestinais com um litro de água morna ou cozimento de pimenta d’água, adicionando uma colher de sopa de glicerina”.
“No dia seguinte ao do purgante o doente usará o seguinte remédio: um vidro de magnésia fluída, adicionando-lhe 20 gotas de tintura de bryonia, 10 gotas de tintura de ipeca e 10 gotas de tintura de beladona. Para tomar uma colher das de sopa de 2 em 2 horas”.
Nesse período, a maioria dos templos religiosos permaneceu aberta e em atividade normal, “porque é nos templos que cada qual vai rezar e pedir ao Deus de misericórdia que se compadeça dos seus filhos”, justificava o jornal Pacotilha do Maranhão, de 27 de novembro de 1918.
Na maioria das cidades foi proibidas as reuniões sociais e houve impedimento até para acompanhar os enterros. Foram fechadas escolas, estabelecimentos comerciais, cinemas, cabarés e bares.
Festas populares e partidas esportivas foram proibidas para se evitar a aglomeração de pessoas.
Abraçar, beijar e apertar as mãos eram desencorajados. Ninguém queria mais vestir roupas e calçar sapatos usados por outros.
A oferta de gêneros alimentícios também não era suficiente para atender a todos. Quem tinha onde permanecer fora das capitais, fugiu, abandonando as cenas diárias de carros, carroças e bondes carregados com cadáveres, sendo levados para cemitérios improvisados.
Os serviços funerários não davam conta dos mortos. A historiadora Anna Ribeiro, do Grupo de Pesquisa, História e Memória da Faculdade de Saúde Pública da USP, revela que a capital paulista registrou oficialmente 5.331 mortes em decorrência da gripe.
“Desabastecimento, saques e pilhas de cadáveres aguardando enterramentos passaram a compor a paisagem caótica paulistana durante os dias de combate à epidemia”, detalhou ela no artigo “Há Cem Anos, A Gripe Espanhola Assolava São Paulo“.
Alagoas nos tempos da Gripe Espanhola
Alagoas, pela proximidade com Pernambuco, pode ter recebido o vírus das embarcações que partiam do porto de Recife para o sul do país, com escala em Jaraguá.
Recife, já nos primeiros dias de outubro de 1918, se alarmava com a doença desconhecida, que rapidamente se alastrou pela cidade e seus subúrbios, como registrou o jornal A Província de 5 daquele mês.
“Se bem que, à exceção de uns dois ou três casos fatais, essa doença tenha um caráter benigno, não resta dúvida que se trata de epidemia que está grassando entre nós, em uma escala espantosa e inqualificável…”, informou o jornal pernambucano.
Em Maceió, o alarme soou alto nos salões do Palácio dos Martírios, onde o governador Fernandes Lima realizou imediatamente, no dia 11 de outubro, reunião para tratar do assunto.
Além do governador estavam presentes o secretário do Interior, dr. Manoel Moreira, e o dr. Oswaldo Sarmento, inspetor de Higiene, com o objetivo de definirem as “diversas medidas de profilaxia contra a possível invasão da influenza Espanhola neste estado”, informou o Diário de Pernambuco de 13 de outubro.
O Conselho de Higiene não foi convocado pela urgência do caso, mas o dr. Oswaldo Sarmento ficou encarregado de ouvir seus componentes, um a um, pessoalmente.
No dia 15 de outubro de 1918, o Diário de Pernambuco publicou uma nota do seu correspondente em Maceió redigida dois dias antes:
“Infelizmente está grassando entre nós [maceioenses], sob uma forma muito benigna da epidemia de Influenza de que se acham atacadas várias pessoas, não estando nenhuma delas em perigo. A propagação da mesma epidemia também não se tem feito sentir com a celeridade que a caracterizou em outros países, não sendo muito numerosas as pessoas atingidas”.
No dia 16 de outubro, já se constatava vários casos da doença na capital alagoana, mas, segundo o correspondente do Diário de Pernambuco, “não tomou grande incremento”. Não havia sido registrada nenhuma morte nesta data.
O mesmo jornalista voltou a informar, no dia 18, sobre o pouco incremento nos casos de Alagoas. “Salvo um ou outro caso que apresenta um caráter de maior gravidade, todas as pessoas atacadas acham-se em boas condições”.
Dois dias depois, as informações eram contrárias às boas expectativas criadas e verificava-se que a doença se alastrava rapidamente em Alagoas, mas ainda sem nenhum caso de óbito registrado.
“Nos últimos dias tem sido notificados vários casos principalmente nos quarteis, trapiches e outros locais onde se aglomeram muitas pessoas”. As escolas e colégios tinham raros casos da gripe. Os bairros mais atingidos eram os de Jaraguá e Poço.
“Felizmente a gripe espanhola tem se manifestado com um caráter de benignidade, que não teve em outros pontos do país”, insistia o repórter, para em seguida anunciar que o vapor Itagiba tinha aportado em Maceió no dia anterior com 30 passageiros afetados pela moléstia.
No dia 23 de outubro, as informações sobre a gripe em Alagoas já eram alarmantes. “Nos trapiches, nos quarteis, nas fábricas e nos colégios há numerosos casos”.
No interior, a gripe tinha chegado ao Pilar, Alagoas (Marechal Deodoro), Atalaia, São Luiz do Quitunde, Anadia, São Miguel dos Campos, Capela, Viçosa, Murici e Rio Largo. Neste último, quase todos os operários da Fábrica Progresso estavam contaminados.
O inspetor de Higiene, dr. Oswaldo Sarmento, também atingido pelo vírus, designou o dr. Armando Silva para tratar dos operários de Rio Largo.
Com esse quadro instalado, o governador determinou o fechamento de todos os estabelecimentos de diversões, as escolas e os educandários.
O bispo de Maceió, d. Manoel Lopes, proibiu os exercícios religiosos que contavam com a presença de muitos fiéis. Orientou ainda que se proferisse nas missas a oração Pro vitanda mortalitate vel tempore pestilentiae (livrai-nos da morte e de mais pestilência), momento em que os fiéis imploravam pelo fim da epidemia.
No dia 30 de outubro, sabe-se pelo mesmo jornal pernambucano que dias antes tinha sido aberta em Maceió uma subscrição para levantar fundos que financiassem os tratamentos dos doentes.
Dom Manoel Lopes foi o primeiro signatário e contribuiu com expressiva quantia. No dia 27, algumas senhoras saíram as ruas visitando os enfermos mais pobres, deixando com eles algumas “esmolas”.
Naquela data, 30 de outubro, somente dois óbitos haviam sido registrados no Diário Oficial. A imprensa especulava a existência de cinco ou seis casos.
Dias antes, numa reunião realizada no Palácio do Governo, ficou decidido por uma comissão de médicos e autoridades que:
“1º — prestação de socorros aos necessitados pela classe médica;
2º — o estabelecimento de 3 hospitais provisórios, ficando o primeiro na Escola Modelo, o segundo na Escola Pedro Paulino e o terceiro no Grupo Escolar Diégues Júnior;
3º — as farmácias ficarão abertas até às 22 horas, permanecendo de plantão uma farmácia em Jaraguá e outra no centro da cidade;
4º — serão postos automóveis à disposição dos médicos;
5º — as fórmulas para os indigentes serão aviadas gratuitamente mediante certas cautelas tendentes a evitarem explorações”.
Segundo informações repassadas em 27 de outubro ao Correio da Manhã por seu correspondente em Maceió, também houve a “desinfecção das ruas e sarjetas” e o “fechamento das escolas públicas, colégios particulares e casas de diversões”.
No próprio Palácio do Governo foi aberto um posto de atendimento, onde o secretário do Interior, dr. Manoel Moreira e Silva, recebia os doentes.
No dia 1º de novembro, o jornalista do Diário de Pernambuco em Maceió se rendeu à “malignidade” da doença e admitiu que passou a exibir “extrema virulência em suas manifestações, já se contando vários casos fatais motivados por essa epidemia”. Justificava a mudança por coincidir “com um período calamitoso de penúria agravada pela especulação que agora se revela de uma forma revoltante…”.
Espalhada por todos bairros da capital, a situação se agravou rapidamente. “Até nas vias públicas tem ocorrido óbitos ou agonizam desditosos ‘influenziados’”, constatou o repórter.
O batalhão de Polícia e a Guarda Civil também foram atingidos, com vários dos seus agentes doentes. O Jornal do Commercio suspendeu suas atividades por ter todos os seus operários acamados.
Em Maceió, não se comprava uma caixa de querosene por menos que 65$000.
As notícias transmitidas para o Diário de Pernambuco no dia 3 de novembro e publicadas no dia 7, não eram as melhores. “Pesa sobre nossa terra uma atmosfera abafadiça de tristeza e luto com a rápida e terrível propagação que tem encontrado aqui a gripe”.
E continuava o repórter: “Felizmente não só os poderes públicos como também os membros do clero, as associações de beneficência, os médicos, os simples particulares, têm procurado mitigar a sorte dos indigentes, em cujo seio são maiores os ataques do mal”.
Informações de 7 de novembro apontavam que a epidemia parecia ter entrado em declínio na capital, como resultado do mutirão de esforços para combatê-la. O jornalista citava como exemplo a rua do Seeger (atual Av. Aristheu de Andrade), onde “todos os ‘influenziados’ se acham em franca convalescença, não se tendo verificado nenhum óbito”.
Dois dias depois, a informação sobre o declínio da doença em Maceió foi confirmada.
Entretanto, a situação no interior não era das melhores. A gripe se expandia principalmente em Penedo e Viçosa. Além dela, a varíola atingia com intensidade os municípios de Paulo Afonso (Mata Grande), Traipu e Colégio.
No dia 12 de novembro confirmava-se a tendência à redução dos infectados: “Tem diminuído muito o número de ‘influenzados’, a maioria dos quais já se acha em convalescença”.
“As ruas apresentam um aspecto mais animador; reabrem-se os estabelecimentos, e não são mais tantos os que vão à Inspetoria de Higiene solicitar medicamentos”.
“Nos municípios do interior a moléstia vai se alastrando e contribuindo para agravar de um modo espantoso as dolorosas e tristes circunstâncias em que, de quatro anos a esta arte, nos vimos debatendo”.
Por esta mesma nota sabe-se que o governador Fernandes Lima já estava se recuperando da doença.
Um levantamento publicado em 14 de novembro revela a quantidade de mortos enterrados no cemitério de Maceió [N. S. da Piedade] entre o dia 1º e 10 de novembro: 1º, 12 mortes; 2, 10; 3, 10; 4, 20; 5, 15; 6, 20; 7, 20; 8, 17; 9, 29 e 10, 19. Foram 172 mortos em dez dias.
Várias outras vítimas foram enterradas nos cemitérios de Jaraguá e Bebedouro, mas sem serem contadas.
No dia 13 de novembro de 1918, a Intendência desapropriou um terreno entre o Prado Alagoano (atual Parque da Pecuária) e o Hospital de Isolamento Público (atual Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da Polícia Militar) para a construção de cemitério provisório.
Este novo cemitério passou a ser conhecido como “do caju“ e depois, oficialmente, passou a ser de São José para homenagear o governador do Estado, José Fernandes de Barros Lima, que teve a iniciativa de instalá-lo.
Ainda em novembro, o deputado federal por Alagoas, Mendonça Martins, informou que havia feito contato com o dr. Carlos Chagas, que lhe passou toda a orientação para o tratamento da influenza.
No início da moléstia: purgativos diaforéticos, quinino, aspirina ou fenacetina, auto-hemoterapia Bacelli até 5 miligramas, injeções de formiato de quinina e injeções intramusculares de electrargol.
Nos casos com localização pulmonar: aplicação de envolvimentos úmidos, ventosas, injeções de electrargol ou lantol, cânfora (4 a 6 por dia), estricnina, esparteina, solução de digitalina (10 gotas por dia).
Temperaturas baixas: injeções de adrenalina, estricnina, poção excitante com tintura de digitalis.
Com hemorragias: injeções de adrenalina.
Com diarreia: injeções de emetina.
No dia 19 de novembro, o correspondente do Diário de Pernambuco abriu sua coluna com informações de Alagoas constatando que: “Pode-se dizer extinta a epidemia de influenza espanhola, que, de princípios de outubro a meados do corrente mês, assolou esta capital”. Informou ainda que a moléstia diminuía no interior do Estado.
O que ele considerava como poucos casos e obituário satisfatório era uma “média de três mortes por dia”, considerando que esse número “chegou a cifras muito avultosas e terrificantes”.
Mesmo ainda com a população sofrendo os males da doença, aos poucos Maceió voltava a ter suas atividades normalizadas, com os cinemas e os estabelecimentos industriais reabertos.
Em 5 de dezembro calculava-se que o número de mortos em Maceió tinha chegado a 1.000 indivíduos.
No dia 12 teve início a desinfecção da Escola Modelo, na Praça Deodoro, que funcionou como enfermaria durante o momento mais crítico da gripe.
No interior, a epidemia continuava. Em Penedo, a doença atingia a quase totalidade da população, calculada em 25.000 indivíduos, e continuava a fazer vítimas. Entre os dias 11 e 17 de novembro mais de 80 vidas foram ceifadas pela gripe espanhola naquela cidade ribeirinha.
Em 5 de janeiro de 1919, as informações eram que a gripe espanhola continuava a fazer vítimas, principalmente em Paulo Afonso (Mata Grande) e Água Branca, com vários óbitos.
Nos últimos dias de janeiro, em Paulo Afonso (Mata Grande), que tinha uma população próxima a 2.000 indivíduos, a mortalidade média por dia alcançava 12 óbitos.
Em meados de fevereiro, a volta da gripe já era detectada, principalmente no Rio de Janeiro, mesmo com desmentidos das autoridades. Como já se tinha conhecimento suficiente para enfrentar a epidemia, medidas foram adotadas rapidamente para prevenir uma nova onda de mortes.
Em Maceió, onde rareavam os casos da contaminação pelo vírus, alguns jornais já especulavam sobre o carnaval, acreditando que seria “muitíssimo animado”.
Alguns bailes aconteceram “em nossos arrabaldes nas sedes de vários clubes carnavalescos. Os Caraduras, Vassourinhas, Morcegos, Bacuraus e diversos outros fizeram demorados ensaios”. O Vassourinha chegou a percorrer algumas ruas do centro de Maceió, visitando as redações dos jornais.
Segundo avaliação de um jornalista, o carnaval que ocorreu em Maceió em 1919 foi avaliado como sendo “mais festivo do que era de se esperar, e menos animado do que em anos anteriores, quando a vida era mais fácil e menos onerosa”.
A menor festividade ocorreu, segundo ele, pelo fato do carnaval ter sido realizado nas praças da Catedral e de São Benedito, onde funcionou Secretaria de Educação, e não tradicionalmente na praça Floriano Peixoto (dos Martírios).
Em 15 de abril de 1919, o vice-governador José Paulino de Albuquerque Sarmento, ao relatar o seu curto mandato de governador interino, constou que “a população menos abastada foi a que mais sofreu [durante a pandemia], mas, o governo, consciente dos seus deveres socorreu-a com medicamentos e auxílio pecuniários, instalando também hospitais provisórios. Quase todos os municípios do interior solicitaram socorros, sendo atendidos na relação dos nossos recursos. Atualmente são boas as nossas condições sanitárias”.
No dia 12 de junho, com a epidemia debelada em Alagoas, o governo avaliava os estragos econômicos provocados pelas paralisações da indústria, comércio e serviços, diminuindo as “rendas públicas”, além o aumento considerável das “despesas públicas”.
O quadro foi agravado com as inundações provocada pelo Rio São Francisco nos municípios de Pedra (Delmiro Gouveia), Piranhas, Pão de Açúcar, Belo Monte, Traipu, São Braz, Colégio, Triumpho (Igreja Nova), Penedo e Piaçabuçu.
Em seguida veio a seca para castigar o já sofrido Nordeste.
Outro fator agravante, “em desfavor de Alagoas” foi exposto pelo Diário de Pernambuco de 15 de junho de 1919. O Estado não foi contemplado com o “patrocínio do governo federal, por se presumir que aqui apenas as secas têm diminuta repercussão”.
Em outubro de 1919, alguns surtos ainda ocorriam no interior do Nordeste.
Em Alagoas, uma publicação com informações de 7 de outubro no Diário de Pernambuco relatava que “tem melhorado muito o estado sanitário da região sanfranciscana, principalmente de Penedo onde o obituário vai decrescendo consideravelmente, embora na mesma região esteja grassando a ‘influenza’, que se apresenta com caráter benigno”. Quatro dias depois, o mesmo jornal corrigia a informação: a gripe não era benigna, era a “espanhola”.
No dia 13 de novembro, ainda de 1919, uma notícia voltou a preocupar os maceioenses: “Tomando de preferência a forma intestinal, está de novo grassando nesta cidade a influenza espanhola, de que se acham atacadas várias pessoas”.
No mês seguinte, no dia 20, a notícia sobre doentes em Maceió, não mais citava a Influenza: tinha irrompido uma epidemia de varíola, tendo naquela data 659 pacientes internados no Hospital de Isolamento no Trapiche da Barra. Destes, quatro faleceram.
Em meados de fevereiro de 1920, a gripe ainda ameaçava voltar em Maceió, o que levou o governador Fernandes Lima a estabelecer com o Inspetor de Higiene, dr. Oswaldo Sarmento, várias medidas preventivas para o caso da Influenza voltar a ameaçar. Seria “combatida com mais eficácia do que em sua primeira incursão no Estado”. Entre as medidas estava a criação de um posto de isolamento para qualquer suspeito.
E o carnaval, em 1920, voltou a ser realizado entusiasmadamente, com “extraordinária animação”, constatou o jornalista do Diário de Pernambuco. “Durante a noite de ontem [14 de fevereiro] e madrugada de hoje, vários clubes se entregaram a atordoantes folias, e durante a manhã de hoje mais de um ‘Zé-pereira’ encheu as ruas de alaridos festivos”.
Assim foi o carnaval em todo o Brasil, comemorando o fim da Gripe Espanhola. Uma verdadeira euforia reprimida aflorou levando os foliões a extremar a liberação dos usos e costumes, sem maiores preocupações com pudores, constataram alguns estudiosos.
A alegria por estar vivo era tanta que em 1938, Carmem Miranda lembrava esse período gravando “E o Mundo Não se Acabou“, música de Assis Valente que expressava a atmosfera apocalíptica dos anos 1918 e 1919.
Dizia a música:
Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite lá no morro não se fez batucada
Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite lá no morro não se fez batucada
Acreditei nessa conversa mole
Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
E sem demora fui tratando de aproveitar
Beijei na boca de quem não devia
Peguei na mão de quem não conhecia
Dancei um samba em traje de maiô
E o tal do mundo não se acabou
Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite lá no morro não se fez batucada
Chamei um gajo com quem não me dava
E perdoei a sua ingratidão
E festejando o acontecimento
Gastei com ele mais de quinhentão
Agora eu soube que o gajo anda
Dizendo coisa que não se passou
Ih, vai ter barulho e vai ter confusão
Porque o mundo não se acabou
Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite lá no morro nem se fez batucada
*****
*Jornalista (texto publicado, originalmente, no portal “História de Alagoas”)