sábado 23 de novembro de 2024

Vencidos por outras catástrofes, famílias do Pinheiro e Mutange deixam suas casas. Em vídeo, moradores protestam

30 de março de 2020 9:05 por Thania Valença

O movimento de caminhões de mudança segue intenso, no bairro do Pinheiro. Há vários dias, o que mais se vê por lá são famílias deixando suas casas. Vídeos divulgados em grupos de whatsaap mostram a revolta dos moradores, que reclamam do abandono a que foram relegados. As famílias se sentem ignoradas pelo poder público estadual e municipal.

Apesar de ser sempre superada por outras catástrofes, como foi com Brumadinho (MG) e agora com o coronavírus, a tragédia no bairro do Pinheiro não chegou ao capítulo final. No mais novo episódio desse drama social, a Comissão Municipal de Defesa Civil (Comdec) recomendou a interdição da Avenida Major Cícero de Góes Monteiro, uma das principais vias de acesso à parte alta da capital.

Sem opção, moradores tiram portas, janelas, telhas e tudo o que podem, das casas que estão abandonando,
Fotos: Flaviane Oliveira/Cortesia

O argumento é que a Comdec detectou avanço na instabilidade do solo, sendo necessário impedir uma eventual, ou talvez, provável, catástrofe. Equipes da Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT) modificaram o trânsito, o que obriga os motoristas a seguirem novas rotas. Desde o último sábado, 28, o órgão municipal de trânsito fiscaliza o trecho interditado.

A instabilidade no solo daquela avenida e as rachaduras dos imóveis nos bairros do Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto, têm como causa as atividades da Braskem, multinacional do segmento de petroquímica,  para extração, na região, do sal-gema, um tipo de cloreto de sódio utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC.

A cada dia, mais e mais famílias são obrigadas a abandonar seu patrimônio, sem saber se serão indenizadas. A multinacional Brasken, apontada como responsável pelo fenômeno geológico que destruiu milhares de imóveis em quatro bairros de Maceió, estabeleceu prazo para aqueles que concordaram em deixar suas casas, principalmente nas áreas do Bom Parto, Mutange e no Jardim Acácia.

Portas e janelas são retiradas pelos próprios moradores.

Quem assinou o acordo, fechado na Central de Moradores instalada no ginásio do Sesi, no bairro do Trapiche, tem prazo até esta terça-feira, 1º, para desocupar o imóvel. O valor de R$ 81 mil, apresentado como indenização para os imóveis mais simples, ainda não foi pago. O que receberam foi uma ajuda de R$ 5 mil para providenciarem a mudança, e a promessa de que receberão outros R$ 6 mil, divididos em seis parcelas, para arcarem com o aluguel de uma nova moradia.

Começo da tragédia

O drama dos moradores do Pinheiro começou em fevereiro de 2018, quando surgiram rachaduras e o solo afundou em cerca de três quarteirões do bairro, na área do conjunto habitacional Jardim Acácia, intrigando os órgãos de Defesa Civil municipal e estadual e trazendo para Maceió técnicos do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). O fenômeno se expandiu. Do solo, passou para as casas e apartamentos, que começaram a rachar ali e em mais dois bairros – Mutange e Bebedouro. De lá até hoje, o drama de mais de 10 mil famílias só aumentou.

Em junho do ano passado, por conta do agravamento da situação, a Defesa Civil recomendou a realocação de famílias de parte do Pinheiro e do Mutange para outros bairros. Até essa data, as fissuras haviam afetado a estrutura dos imóveis somente no bairro do Pinheiro, cujas famílias estavam sendo orientadas a deixar suas moradias por risco de desabamento.

O problema se agravou, virando manchete nacional, e levando a CPRM a recomendar a elaboração de um plano de emergência, para a necessidade de esvaziamento emergencial do bairro e a criação de rotas de fuga. Em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) determinou que o Governo Federal adotasse ações necessárias para agilizar a identificação da causa das rachaduras.

Funcionários das empresas de mudanças fazem na remoção dos móveis

O drama das milhares de famílias foi discutido por autoridades como o presidente da República e os ministros do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto; de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque; da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva; do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, e então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

Famílias esquecidas

Apesar disso, a realidade dos moradores atingidos pelo fenômeno geológico não mudou. Ao contrário, as famílias continuam sendo obrigadas a deixar suas casas. “O governador Renan Filho e o prefeito Rui Palmeira nunca visitaram o bairro. As medidas são anunciadas pela mídia, e pelos técnicos. São milhares de famílias esquecidas pelo poder público, que estão a mercê da Braskem, a empresa que causou essa tragédia” – reclama um ex-morador, que prefere não se identificar.

Embora tenha se mudado para o bairro da Jatiúca, ele conta que sua mãe e o padrasto, com 80 e 84 anos de idade, respectivamente, continuam morando na Rua Miguel Palmeira, uma das mais antigas e conhecidas do Pinheiro. “Eles sofrem com o problema das rachaduras, e a orientação para venderem o imóvel, e agora vivem o drama de estarem sendo obrigados a ficar em casa, por conta do isolamento social do coronavírus” – reclama o antigo morador.

Em sua avaliação, a interdição da Avenida Major Cícero de Góes Monteiro é a prova do abandono e do risco a que estão submetidas as famílias que ainda permanecem naquela área. Todas tinham a esperança de receberem o apoio do governo e da Prefeitura, de modo que pudessem, ao menos, receber uma indenização justa pela destruição.

Na parede da casa, um recado aos políticos alagoanos.

Veja vídeos com o relato/queixa dos moradores:

 

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