quinta-feira 21 de novembro de 2024

Cadeia Pública de Maceió, o Presídio da Morte da Praça da Independência

9 de abril de 2020 3:45 por Marcos Berillo

Cadeia de Maceió no início do século XX

Por Edberto Ticianeli*

Em meados do século XVIII, com a criminalidade crescente em toda a capitania de Pernambuco, os mecanismos jurídicos e punitivos foram aprimorados, fazendo crescer o número de apenados e, consequentemente, a necessidade de cadeias.

O primeiro registro sobre a estrutura carcerária da então Comarca de Alagoas é de 1713, quando José da Cunha Soares, o seu primeiro ouvidor-geral, pediu aos oficiais da Câmara de Porto Calvo que projetem um edifício que servisse de casa de Câmara e cadeia pública.

Em 1732, foi a vez dos oficiais das câmaras de Alagoas do Sul e Penedo suplicarem ao Conselho Ultramarino por ajuda de custo para construção de casas de cadeias.

Pelas evidências, não foram atendidos, já que em 1764 Penedo continuava a cobrar da Coroa recursos para vários prédios públicos, entre eles uma “cadeia suficiente na qual se possa com segurança recolher criminosos de mortes, e vários crimes que dos Sertões são conduzidas para ela da qual violentamente se restituem a sua liberdade ficando muitas vezes sem o merecido castigo…”.

Cadeia de Maceió

Essa falta de estrutura carcerária era tão expressiva que alguns estudiosos identificam-na como uma das razões que levavam, por exemplo, os oficiais da Câmara e o ouvidor de Alagoas do Sul a preferirem decretar a pena de degredo para Angola.

Detê-los nas cadeias públicas implicaria em gastos com manutenção do prédio, carceragem, vestiário e alimentação do preso. Como os recursos eram poucos, ou não existiam, mandava-se o problema para longe.

A não existência de cadeias ou a situação precária das existentes nos povoados e vilas de Alagoas trouxe problemas sérios na aplicação da Justiça por muitos anos dos séculos seguintes e, pelo visto, perdura nos municípios alagoanos do século XXI.

Nas primeiras décadas do século XIX, Maceió viveu um período de investimentos em prédios públicos, como resultado da mobilização da elite política e econômica local, que pretendia elevar o povoado à categoria de Vila.

As exigências para essa categorização cobravam a existência de Pelourinho, Cadeia e Casa de Câmara.

Assim, o pátio da Capela de São Gonçalo, que passou a ser conhecida como Largo do Pelourinho, depois Praça da Catedral e hoje Praça D. Pedro II, recebeu os principais prédios públicos do povoado, mesmo em instalações improvisadas.

Segundo uma planta deste pátio de 1841, havia então oito casas onde hoje se situa a Assembleia Legislativa e a Cadeia era uma delas, ao lado do Hospital e do Calabouço.

Cadeia Velha de Maceió

Do outro lado do largo ficavam a Casa de Câmara, Armazém do Almoxarifado e Casa da Junta, esses dois últimos ocupando uma área onde hoje está o prédio do Ministério da Fazenda.

A primeira manifestação de um governante sobre a construção de uma cadeia para Maceió surgiu na “Falla” do presidente Agostinho Neves, em maio de 1839, ao questionar com os deputados provinciais o orçamento para as cadeias da capital Alagoas e da Vila de Maceió.

Ele se negava a realizar as obras solicitadas reclamando que eram “projetadas sem método, e com total ignorância das regras de arte”.

A ausência de profissionais da engenharia em Alagoas foi sentida por Agostinho Neves e por seus antecessores e sucessores.

Ainda no mesmo relatório de 1839, o presidente anunciou que tinha chegado à província o Capitão de Engenheiros Jose da Silva Paiva e entregou a decisão de sua contratação para a Assembleia Provincial, recomendando que se diminuíssem as obras decretadas por aquele poder, “único meio de poder concluir-se alguma com solidez, e perfeição”.

Cadeia Pública de Maceió em meados dos anos 60

Agostinho Neto foi o último presidente da Província a usar como sede do governo a cidade de Alagoas, hoje Marechal Deodoro. Os episódios de novembro e dezembro de 1839, envolvendo Tavares Bastos e o Visconde de Sinimbu, resolveram de uma vez por todas as pendengas sobre a mudança da capital para Maceió, criando a expectativa que a nova sede do governo seria agora beneficiada com maiores investimentos.

Mas os investimentos não aconteceram.

Em 1844, no relatório do presidente Francisco Perreti, as lamúrias sobre cadeias públicas continuavam. Ele reconheceu que somente a de Penedo estava em condições de uso e que em Maceió não existia cadeia, com os presos sendo recolhidos à prisão militar.

No ano seguinte foi a vez do presidente e brigadeiro Henrique Marques D’Oliveira Lisboa solicitar à Assembleia recursos para a compra de material para a edificação da Cadeia de Maceió.

Das plantas apresentadas aos deputados, D’Oliveira Lisboa recomendou que desprezem uma que está orçada em “mais de duzentos contos de reis” e optassem por outra, de Carlos de Mornay, que deveria gastar um pouco acima dos 60 contos de réis.

As lamentações pela demora nas obras e falta de recursos também estão registradas na “Falla” do presidente Campos Mello, em 1846. Novamente se tem a informação que existe “um grande número de criminosos atulhados n’um dos quartos, que serve de prisão, pertencente ao edifício que serve de Quartel Militar”.

Interior da Cadeia Pública de Maceió em meados dos anos 60

Campos Melo informou ainda aos deputados que, para evitar que morressem asfixiados, enviou os sentenciados por crimes mais graves para Pernambuco e os condenado por crimes menores para Penedo. “Agora está novamente cheia essa prisão: causa lástima, Senhores, causa mesmo horror ver o estado em que se acham esses desgraçados”.

Segundo Félix Lima Júnior em Maceió de Outrora, a construção da Cadeia de Maceió teve início no dia 2 de dezembro de 1847, quando o presidente da província era Félix Peixoto de Brito Melo, e custou cerca de 150.000$000, uma quantia considerada por ele como alta para a época.

Em março de 1849, o presidente Antonio Nunes de Aguiar finalmente anunciou que as obras da Cadeia de Maceió, sob a direção do engenheiro Pedro José de Azevedo Scharamback, estão quase prontas, sem antes alfinetar que era uma obra muito superior as necessidades de então e que “na execução de nossas obras tem havido abuso, e fraudes escandalosas”.

Outra informação importante neste relatório é a de que o prédio também serviria para as sessões do Júri e sede da Câmara Municipal.

Pátio interno da Cadeia Pública de Maceió em meados dos anos 60

No governo de José Bento da Cunha e Figueiredo, em 1850, a construção ainda não havia terminado e já se discutia a possibilidade de alterar a sua planta, incluindo “uma casa de trabalhos com as acomodações de casa de correção”.

O mesmo relatório informa ainda que desde dezembro de 1849 que as salas para as sessões do Júri e sede da Câmara Municipal já tinham sido concluídas.

Se em 1849 a Cadeia de Maceió era avaliada como superior as necessidades, em 1854, quando o presidente da província era José Antonio Saraiva, a situação era bem diferente.

Em seu juízo, já era “pequena, muito pequena” para os presos que a ocupavam. Por outro lado, também tinha o problema das fugas de presos no interior.

A solução apresentada pelo presidente era simples: “Em minha opinião é mais conveniente acabar [concluir]esse belíssimo prédio e habilitá-lo para receber os grandes criminosos de toda a Província, do que multiplicar as cadeias nos municípios”.

Em março de 1855, o presidente Antonio Coelho de Sá e Albuquerque informou que a Cadeia de Maceió ainda não tinha sido concluída, mas já era insuficiente para o grande número de detentos. Ele cobrava a conclusão ou ao menos o aumento do edifício.

No dia 21 de abril do mesmo ano, a Assembleia autorizou a ampliação da cadeia com a construção de mais um pavimento (raio). Somente em 1856 foi que Sá e Albuquerque autorizou ao engenheiro major Christiano Pereira de Azeredo Coutinho a desenhar a planta e fazer o orçamento da obra.

Sá e Albuquerque mudou de opinião em março de 1857 e resolveu não mais ampliar a cadeia da capital.

Argumentando que tinha feito estudos sobre as razões da existência do grande número de presos, o presidente informou que decidiu gastar os recursos autorizados pela Assembleia na construção de duas cadeias, uma na Vila Imperatriz (União dos Palmares) e outra na Vila de Pão de Açúcar.

No governo de Agostinho Luiz da Gama, em 1859, a Cadeia de Maceió já recebia manutenção, sendo caiada e uma das suas salas ganhava soalho.

O prédio foi retelhado e foram construídas duas guaritas. Na cacimba do pátio foi colocada uma tampa gradeada e instalada uma bomba de alavanca. “Estes objetos foram incontinente inutilizados pelos vadios ou malignos. Já mandei concertá-los para novamente serem colocados, porém terão igual sorte, senão houver alguém que os zele”, explicou o governante.

Vista lateral da Cadeia de Maceió em 1952

Outra reclamação que apareceu no relatório de Agostinho Luiz da Gama aborda o sustento e vestuário dos presos pobres. Ele informou que mesmo quando os presos são transferidos para o presídio de Fernando de Noronha em Pernambuco, estes custos continuam existindo, havendo já naquela época uma dívida sendo cobrada.

No relatório do presidente Souza Carvalho de 1862, novamente aparece a informação que a Cadeia ainda não tinha sido concluída e voltou a ser discutida a necessidade de ampliação.

Souza Carvalho anunciou que para acomodar melhor os presos, transferiu as sessões da câmara municipal para o “segundo andar onde costuma reunir-se o tribunal do jury”. Informou ainda que as obras de conclusão tinham sido contratadas e estavam em execução.

Em 1863 foi a vez do presidente Souza Gonzaga solicitar à Assembleia que destine “40 contos” para a ampliação da cadeia da capital, instalando oficinas de trabalho para os presos.

Dois anos depois, durante o governo de Gonçalves Campos, parte da ampliação já estava sendo utilizada e abrigava “cento e tantos presos”. Há registro de que foi negado o pedido feito ao governo imperial para a remoção de alguns deles para a Ilha de Fernando de Noronha.

Com a conclusão das obras do primeiro raio, em 1866, o presidente Esperidião Eloy autorizou a continuidade da obra com a construção do segundo raio, que ficou ao encargo do mestre construtor Francisco José da Silva e sob a orientação técnica do engenheiro Pedro José de Azevedo Scharamback.

Houve paralisação das obras com a morte deste engenheiro. Após ser retomada, foi concluída em 1868, no governo de José Bento da Cunha Figueiredo Junior.

Em 1870 a cadeia da capital tinha 36 celas, com sete delas muito espaçosas e uma servindo de enfermaria.

No dia 31 de dezembro daquele ano, estavam presas 183 pessoas, com 170 livres (sic) — entre eles 7 mulheres — e 13 escravos. O presidente José Bento Figueiredo Júnior reclamava que o carcereiro ganhava pouco e o serviço era péssimo. Ele avaliava que um só empregado não podia dar conta das obrigações.

Figueiredo Júnior relatava também que o chefe de Polícia cobrava a aprovação de um regimento para a cadeia, convertendo-a em Casa de Detenção e nomeando administrador e ajudante, como funcionava em Pernambuco. O presidente demonstrava preocupação com a ociosidade dos presos e informou que tinha mandado fazer um levantamento dos que estavam aptos ao trabalho.

Praça da Cadeia na segunda metade da década de 1960

Atendendo ao pedido do chefe de Polícia, a Lei nº 573, de maio de 1870, autorizou a mudança da denominação da Cadeia de Maceió para Casa de Detenção, com a definição de um administrador. Em junho do mesmo ano foi expedido o regulamento da Casa de Detenção, que estava completamente construída.

Seu corpo funcional era composto por um administrador, um ajudante, um capelão, um escrivão, um enfermeiro, uma enfermeira, um barbeiro e cabeleireiro, alguns guardas internos e serventes.

Outro problema que Figueiredo Júnior enfrentava era o de conseguir um imóvel para as sessões da Câmara Municipal, júri e audiências, que continuavam acontecendo na Casa de Detenção.

Nesse período foram desapropriados terrenos vizinhos para a construção de muros que dificultariam a fuga dos presos.

Também foram adotadas outras medidas, como a substituição do soalho por aterro e calçamento no pavimento térreo, além da autorização para a apresentação de orçamento para a canalização do esgoto.

O presidente da Província manifestou ainda a intenção de oferecer aos detentos instrução primária como parte da tentativa de recuperá-los para o retorno à sociedade.

Em 1901, Craveiro Costa avaliava que devido ao crescimento da cidade a Casa de Detenção já se encontrava praticamente no centro de Maceió, sendo necessária a construção de outro prédio mais afastado.

O notável historiador registrou ainda que a partir de 1909 a Casa de Detenção ficou conhecida como “Casa Amarela”, devido a cor da pintura das suas paredes.

A indicação de Craveiro Costa foi adotada muitos anos depois, em 1965, quando os presos começaram a ser transferidos para o Presídio São Leonardo, cujas obras havia sido iniciadas em 1955, durante o governo de Arnon de Mello, e foram retomadas em 1962, com o governador Luiz Cavalcante.

Segundo Félix Lima Júnior em seu livro Maceió de Outrora (pág. 52), “alguns anos antes dos presidiários serem transferidos para o São Leonardo, o que ocorreu em março de 1965, deram ao velho casarão o nome de Presídio da Morte“.

Continuou recebendo provisoriamente alguns presos até 1969, quando definitivamente foi esvaziado para ser demolido.

Sobre o Presídio São Leonardo pairavam dúvidas sobre a qualidade de sua construção, muito frágil para uma casa de detenção.

Tanto a construção quanto a demolição da Cadeia de Maceió foram morosas. Seus últimos entulhos só foram retirados no final de 1970. Parte do material removido foi utilizado na construção das acomodações dos policiais do Batalhão Metropolitano de Policiamento Ostensivo.

Para o Conselho Estadual de Cultura, a demolição do prédio não deveria acontecer.

Um documento desta instância estadual foi encaminhado ao governador Lamenha Filho solicitando a preservação da Penitenciária Velha, mas não houve concordância por parte do governo.

*Originalmente publicado no portal História de Alagoas.

Fontes:
– Arquivo Histórico Ultramarino.
– Fallas e Relatórios dos presidentes da província, organizado por Luiz Nogueira.
– Maceió de Outrora, de Félix Lima Júnior.
– A história da paisagem da Praça D. Pedro II em Maceió-AL, dissertação de mestrado de Tharcila Maria Soares Leão, 2010. Disponível em http://repositorio.ufpe.br:8080/xmlui/handle/123456789/2905.

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