10 de abril de 2020 3:56 por Marcos Berillo
Foi registrado no cartório como José Inácio Acioli, mas toda a cidade e até as pedras das ruas, os paralelepípedos, o conheciam pelo segundo nome: Zé da Quininha. Aprendeu dois ofícios, o de ourives e o de relojoeiro. Trabalhou durante muitos anos. Não posso Xafirmar que tenha se dedicado integralmente, mas por bons anos foi das duas profissões que se manteve.
Quininha era, em geral, bem-humorado. O bom humor e a alegria contagiavam o ambiente onde estava. O pendor pela boemia era maior do que qualquer outra atividade, inclusive as de ourives e relojoeiro.
O silêncio que o trabalho de relojoeiro requer, a precisão na montagem e remontagem de engrenagens de relógios era, pois, incompatível com o seu temperamento. A solidão do trabalho causava-lhe certo desconforto.
Os dois ofícios, aprendeu quando jovem na condição de ajudante de outros profissionais na cidade de Anadia. Era num tempo em que não havia cursos profissionalizantes e a escola pública era restrita.
Autodidata em tudo na vida, também aprendeu a tocar violão e a cantar. Os seus mestres foram os boêmios que conheceu, e de muitos deles tornou-se amigo e, excepcionalmente, rival de alguns poucos. O motivo não foi a música, mas as mulheres. Não frequentou escolas, seguiu intuitivamente os ensinamentos dos sambistas Noel Rosa e Vadico, que dizem: “batuque é um privilegio/ninguém aprende samba no colégio […]”
Exerceu cargos públicos. Foi eleito vereador algumas vezes, duas pelo menos. A atividade parlamentar não o atraía nem era encarada como uma labuta que lhe causasse constrangimento em faltar a uma sessão da egrégia Câmara Municipal de vereadores, quando o motivo da ausência fosse plenamente justificável: está se iniciando uma farra ou nela está há tempos embalado com o seu inseparável violão.
Esse tipo de sacrifício os seus eleitores não lhe pedissem tamanha renúncia. O mesmo acontecia se clientes fossem procurá-lo para trabalhar em meio à sagrada boemia. A resposta estava pronta: “Deixe na relojoaria e depois vá buscar”.
No entanto, chegou um tempo em que os ofícios de ourives e relojoeiro foram totalmente abandonados, pois recebera uma oferta irrecusável: um emprego como funcionário público. Agora, sim, teria todo o tempo possível e não haveria incompatibilidade de tempo entre a boemia e o trabalho. Passou a ter um salário pequeno, mas certo ao final do mês. Desta forma gastou os últimos anos de sua longa vida.
O repertório por ele definido era quase imutável. Não adiantava solicitar músicas novas, que estivessem, por exemplo, sendo tocadas nas rádios. Esse tipo de coisa deixava-o injuriado. Fazia que não ouvia. Caso o pedido se repetisse, dizia simplesmente que não sabia.
A marchinha “Lancha Nova” de João de Barros, o Braguinha, e Antonio Almeida foi lançada na década de trinta, ganhou os salões durante os carnavais. Mas, desde muito jovem, Zé da Quininha incorporou-a ao seu repertorio até o final da sua vida.
Os amigos de copo e de cruz, os boêmios de Anadia, subiram as duas ladeiras íngremes levando-o para o cemitério, entoando “Lancha Nova” e outras canções de que tanto gostava e cantava nas mesas, salas e no cabaré. Aliás, era no Pernambuco Novo onde melhor cantava, com mais desenvoltura.
“Ô, ô, ô, ô,
Lancha nova no cais apitou
E a danada da saudade
No meu peito já chegou
Adeus, oh! linda morena
Não chores mais, por favor
Partindo, eu morro de pena
Ficando, eu morro de amor.”
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