10 de julho de 2020 8:16 por Redação
No texto anterior falei do esforço dos profissionais de diferentes áreas da ciência (biólogos, veterinários, médicos, epidemiologistas, entre outros) que visam identificar áreas com probabilidades de ocorrência de zoonoses, a fim de evitar que elas venham a se espalhar.
Ainda uso como referência o artigo de Robbins (The ecology of disease), que informa estarem esses pesquisadores “coletando sangue, saliva e outras amostras de espécies selvagens de alto risco, criando uma biblioteca de vírus para que, se algum vier a infectar seres humanos, possa ser identificado mais rapidamente”.
E, com base em como as pessoas alteram a paisagem, também há profissionais que estudam formas de gerenciar florestas e animais com o intuito de “impedir que doenças deixem a floresta e se tornem a próxima pandemia”.
Esta é a razão por que conhecer a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas é fundamental para o planejamento e a gestão dos recursos ou para fazer alteração no ambiente. Especialistas em saúde pública entenderam isto e começaram “a incluir a ecologia em seus modelos”, destacou Robbins. Assim, entender a ecologia dos vírus, por exemplo, fornece evidências de como deve ser a relação dos humanos com o meio ambiente, evitando danos que levem a desastres como os que têm ocorrido porque os estudos mostram que as doenças têm emergido em ambientes alterados pelos humanos.
Doenças Emergentes provocadas por ações antrópicas
No mundo todo têm sido relatadas diversas zoonoses. Como exemplo, há a doença de Lyme que é causada pela bactéria Borrelia burgdorferi. A bactéria é transmitida pela picada de carrapatos hematófagos, que têm como vetores ratos, gambás ou esquilos. De acordo com Robbins, embora essa doença ocorra em áreas da América do Norte, Europa e Ásia, há prevalência de vetores nos Estados Unidos, principalmente na costa leste. Aqui vê-se a ação antrópica danosa: “a redução e a fragmentação de grandes florestas contíguas”. Além disso, a perseguição de predadores – lobos, raposas, corujas e falcões -, teve como consequência, “um aumento de cinco vezes dos camundongos de patas brancas, que são ótimos ‘reservatórios’ para a bactéria […]”.
Outro exemplo é o vírus do Nilo Ocidental, que veio da África para os Estados Unidos. Chegando em um novo ambiente, os micro-organismos se adaptaram a novos hospedeiros. Ali, os mosquitos que espalham a doença encontraram um anfitrião. Uma ave comum em gramados e campos agrícolas, o Robin americano (Turdus migratorius), ganhou o título de “super-espalhador”. Por meio dela, o vírus se espalhou pelos EUA.
O caso do Ebola no Gabão
Vidal fez o relato de uma viagem, em 2004, a Mayibout 2. Trata-se de uma aldeia na margem de um rio na floresta de Minkebe, em região de rica biodiversidade no norte do Gabão. Para chegar lá, fez um dia de viagem em canoa e várias horas por estradas. E encontrou “pessoas traumatizadas, ainda com medo de que o vírus mortal, que mata até 90% das pessoas infectadas, retornasse”.
Antes de chegar à aldeia, ele já sabia que as cerca de 150 pessoas que lá viviam estavam “acostumadas a ataques ocasionais de doenças como malária, dengue, febre amarela e doença do sono”. Mas, em 1996, depararam-se com um vírus mortal, o Ebola. Pouco conhecido, o vírus se espalhou para fora da floresta. Assim, “A doença matou 21 dos 37 moradores que foram infectados, incluindo os que haviam carregado, esfolado, picado ou comido um chimpanzé da floresta próxima”.
E os moradores lhe relataram que “crianças haviam entrado na floresta com cães que mataram um chimpanzé. Todos que o cozinharam ou o comeram tiveram uma febre terrível em poucas horas. Alguns morreram imediatamente, enquanto outros foram levados rio abaixo para o hospital”. E, um morador que se recuperou, mas perdeu muitos membros da sua família, afirmou: “Costumávamos amar a floresta, agora a tememos”.
Alertas fundamentais
Para escrever o artigo Destroyed Habitat Creates the Perfect Conditions for Coronavirus to Emerge, John VIDAL ouviu opiniões e conclusões de diversos cientistas. Como resultado, alertou: “À medida que a perda de hábitat e biodiversidade aumenta globalmente, o novo surto de coronavirus pode ser apenas o começo de pandemias em massa”. E afirmou: “Nós estamos criando as condições para doenças como COVID-19 emergirem”.
Seguindo este mesmo raciocínio, o ecólogo Thomas Gillespie (Emory University – Geórgia – EUA) afirmou: “Não estou surpreso com o surto de coronavírus. A maioria dos patógenos ainda não foi descoberta. Estamos na ponta do iceberg”.
Ecologia da doença
Por sua vez, ecologistas de doenças, ouvidos por Vidal, acreditam na probabilidade de a proliferação das doenças também ocorrer em mercados informais com comércio de carne fresca de animais abatidos no local. Mas, há pesquisadores alertando: “não é justo demonizar lugares que não têm geladeiras… e, em vez de apontar o dedo para mercados úmidos”, deve-se considerar também o comércio de animais selvagens.
É importante observar o que falou Kate Jones (University College London). Esta pesquisadora defende mudanças na sociedade em geral porque as causas da degradação ambiental e de perturbações ecológicas são a demanda por madeira, minerais e outros recursos. Como resultado, afirma: “Devemos pensar na biossegurança global, encontrar os pontos fracos e reforçar a prestação de cuidados de saúde nos países em desenvolvimento. Caso contrário, podemos esperar mais do mesmo”, disse Jones.
Considerações Finais
Os especialistas já entenderam que, para a prevenção dos surtos destas doenças, devem ser envidados esforços como One Health Initiative. Este é um programa mundial que envolve centenas de cientistas e outros profissionais. Nele, a ideia principal é: “a saúde humana, animal e ecológica estão inextricavelmente ligadas e precisam ser estudadas e gerenciadas de forma holística”.
Brian Bird, virologista da Universidade da Califórnia, afirmou para Vidal: “Não podemos prever de onde virá a próxima pandemia, por isso precisamos de planos de mitigação para levar em consideração os piores cenários possíveis”… E completou: “A única coisa certa é que a próxima certamente virá.”
Precisamos ouvir os/as cientistas!
Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.
4 Comentários
Exelente artigo!! Concordo com tudo que estar escrito. É gaia está doente e o homem está doente. Nada está separado.
Olá, Noêmia
Muito obrigada pela tua leitura atenta e colaboração com teus comentários.
Com certeza: “tudo está conectado”. Tua observação me lembrou do “efeito borboleta” na teoria do caos, analisado pela primeira vez em 1963 por Edward Lorenz.
Artigo maravilhoso! Parabéns!
E paira uma dúvida: Será possível encontrar solução para essas tragédias num sistema que coloca o lucro acima da vida?
Esta é uma questão importante, principalmente quando há novas pandemias anunciadas. Inclusive, um dos virologistas falou que o Coronavirus é apenas a ponta de um iceberg.
No artigo seguinte- que já comecei a elaborar – falarei exatamente sobre isso.