10 de junho de 2020 10:26 por Geraldo de Majella
A morte não é meu tema recorrente. Não penso na morte como se ao sair de casa ela viesse em minha direção para me abordar, apesar de ter passado por ela três vezes e em todas me safei. Mas nos últimos dois meses, pelo menos, a morte tem sido um tema recorrente e cada vez mais próximo de mim.
A pandemia do coronavírus era algo muito distante no mês de março; os noticiários falavam da epidemia na cidade de Wuhan, o centro político, econômico, comercial e de logística da China central. Há dezenas de ferrovias, estradas e vias expressas conectando-a a outras grandes cidades chinesas.
Dessas informações gerais o mundo inteiro passou a saber em profusão. Para mim não faz diferença saber ou não saber das potencialidades de Wuhan, mas o que acompanha essas informações sumárias é o coronavírus. O mundo, e não só eu, passou a saber que em Wuhan o governo decretou que a população seria submetida ao isolamento social. A cidade tem cerca de 12 milhões de habitantes.
O vírus foi levado para a Europa e demais continentes, até chegar a Alagoas. A infelicidade já havia sido disseminada pelo mundo. As consequências são as mais trágicas possíveis; uma sucessão de mortes ocupa os noticiários, os especialistas alertam e indicam os caminhos para resistir à pandemia e não contrair o coronavírus. O país é (des)governado por um xucro que arrelia a nação; é a voz das trevas mais profundas.
Amigos, parentes, vizinhos, artistas queridos, pessoas que não conhecemos morrem diariamente. Solidarizam-nos com esses dramas, mas diante da tragédia, o sentimento de impotência é evidente.
Muitas vezes, quando acordo, sinto paúra em pensar na situação que estou vivendo e nas consequências da pandemia. Nesse caso específico, não é medo ou pavor da morte, mas de saber que a morte ronda o terreiro de casa. Ao saber que pessoas com quem partilhei bons momentos, seja na boemia, seja nas artes ou no trabalho, infelizmente morreram, e que outras conseguiram debelar o vírus do seu organismo.
Tenho ligado mais para as minhas amigas e meus amigos, tenho também sentido falta delas e deles. A internet tem ajudado a reduzir a saudade e a solidão. A música tem sido a minha principal companheira, e os compositores são os meus conselheiros. Por isso não sinto tanta tristeza e a solidão é refreada. Caetano Veloso e Gilberto Gil, em “Desde que o samba é samba”, dizem:
“A tristeza é senhora
Desde que o samba é samba é assim
A lágrima clara sobre a pele escura
A noite e a chuva que cai lá fora
Solidão apavora
Tudo demorando em ser tão ruim
Mas alguma coisa acontece
No quando agora em mim
Cantando eu mando a tristeza embora”.
Quando estiver com mais idade contarei que vi o cometa Halley, em 1986, e passei pela pandemia do coronavírus, em 2020. Isso não é pouca coisa numa vida. Mas também contarei que fiquei em baixo da cama com receio desse vírus miserável. Não vou mentir, pois é deselegante um velho mentir.
Fiquem em casa, se possível, em baixo da cama.
1 Comentário
Da próxima vez que você vier a minha casa, reservarei um cantinho em baixo da cama. ?????