sábado 23 de novembro de 2024

HISTÓRIAS EMBRIAGADAS

Zé Cachoeira e sua orquestra faziam ensaios fechados e secretos, feito os times pequenos fazem com seus treinos, para valorizar suas derrotas.

20 de agosto de 2021 2:32 por Eliana Sá Angelo

 

 

Particularmente, as histórias que vivi ou presenciei nos carnavais são sempre histórias embriagadas. Embriagadas não apenas de um saudosismo saudável, mas, embriagadas, literalmente, de porres que duravam os três dias do frege. Apenas uma vez tentei fechar as portas do meu parco espírito carnavalesco. Aí, a melancolia foi mais rápida, entrou por uma fresta e instalou-se confortavelmente em mim. Assim, por apenas uma vez e pra nunca mais, o meu carnaval foi melancólico o bastante para que eu não pudesse esquecer de mim.

Embora Recife e Olinda já tenham feito parte do meu roteiro carnavalesco, é dos carnavais em Murici, no ocaso da minha adolescência, que tenho as melhores e mais divertidas lembranças. Naquela época, havia os bailes durante as noites de Momo. Tinha os que aconteciam no clube da cidade, para a “sociedade muriciense”, mas tinha também os que eu nunca deixei de frequentar, no Farinheiro. Lá, havia a figura emblemática do Zé Cachoeira e sua orquestra, titular absoluto dos carnavaisno Farinheiro.

Zé Cachoeira

Pois bem, durante o ano inteiro, Zé Cachoeira e sua orquestra faziam ensaios fechados e secretos, feito os times pequenos fazem com seus treinos, para valorizar suas derrotas. Com exceção dos músicos, a única chance que tínhamos de ver Zé Cachoeira em ação era no carnaval do Farinheiro. Só para contextualizar, o Farinheiro, claro, era um imenso galpão onde se vendia farinha aos domingos, mas durante os dias de folia se transformava, com bandeirinhas e confetes pendurados na estrutura enferrujada do teto, no salão popular, onde o muriciense excluído, que não podia frequentar o Campo Grande Esporte Clube, fazia sua festa.

Eu não perdia uma noite no Farinheiro! E só arredava o pé depois da primeira facada no salão ou quando já não aquentava mais ouvir “Sapo não lava o pé / Não lava o pé porque não quer / Mora na beira da lagoa / Não lava o pé, não lava o pé, porque não quer.” É que, embora ensaiasse o ano inteiro, Zé Cachoeira só sabia essa marchinha. Quando muito, improvisava longas fermatas de surdo e tarol, com os foliões arrastando os pés em círculo pelo salão e, certamente como eu, esperando em vão por Vassourinha.

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