sexta-feira 22 de novembro de 2024

Guerrilha Cultural

O sururu é um molusco emblemático. Busca na lama a sua subsistência e com ela se une para dela retirá-lo.

17 de dezembro de 2021 6:32 por Mácleim Carneiro

 

Divulgação

Em 2004 havia um tema que, no meio artístico-cultural, sua real existência avolumava-se, gerando encontros, discussões (contra e a favor), futuros projetos e diversos artigos na mídia impressa. Pois é um desses artigos, mais precisamente uma visão poética e tão lúdica quanto o próprio manifesto, que peço permissão para transcrevê-lo na íntegra. Trata-se de uma análise bastante particular e reveladora do compositor Sóstenes Lima, para melhor entendimento sobre a essência do Manifesto Sururu.

“O manifesto sururu é uma leitura, dentre muitas possíveis, a depender do foco e de quem observe, do momento atual vivenciado nas artes alagoanas, especialmente na música. Percebe-se nele a busca de uma universalidade permeada com elementos marcantes próprios, que gerem e proporcionem a identidade do que aqui se produz. Uma cara própria. Alagoana. Busca-se o novo, ainda correndo o risco dessa busca esbarrar no provincianismo ou no bairrismo. São demais os perigos desta vida, já diziam. Percebe-se, entretanto, o desejo de algo ainda maior e mais profundo. Talvez esse desejo possa encontrar no sururu a sua representação. O sururu é um molusco emblemático. Busca na lama a sua subsistência e com ela se une para dela retirá-lo. Extrai do mangue o seu alimento. Na lama se reproduz. Bebe uma mistura rica proporcionada por condições e elementos ímpares, cuja fusão resulta num algo desconhecido, intrinsecamente belo, ainda que fora dos padrões aceitáveis ou impostos. Sintetiza beleza na busca do seu sustento concomitante com a capacidade de também sustentar. Mistério próprio do ambiente lacustre nas proximidades do mar.

Como as cidades que possuam a peculiaridade encontrada em Maceió. Reveste-se do ar prenhe de maresia das restingas. É movimento silencioso uma vez que a sua síntese se dá no subterrâneo da lagoa-mãe. Nasce das suas entranhas, das suas vísceras silenciosas e escuras. E subverte-se em cores, sons e estado de alma. Contradiz-se. De um lado a periférica ferida e a chaga da miséria explícita, do caos social e da desigualdade. De outro, o colorido e festivo universo dos delírios litorâneos, com suas cores, estética, comportamento, padrões e fantasias ditados e absorvidos por uma elite que insinua e traveste beleza adoçada ao sabor da cana e embotada pela embriaguez da água ardente, qualquer que seja a sua composição. Que desbota. Que desdenta. Que não dessedenta. Que engana. Em meio a tudo isso, como elemento simbólico, a cidade é cortada ao meio pelo Salgadinho. Berço de sua origem e marco de sua desigualdade. Massapé-maçai-ok-Maceió. Alagoas do norte e do sul. Monumento megalítico imponente. Sambaqui testemunha de um passado antropofágico. É o manifesto atitude. É testemunho. Ser sururu, alagoano de cara a cara com o seu tempo, lançando ao mundo o desafio próprio de quem conhece os caminhos tortuosos do Mundaú. É também impreciso, embora seja preciso nesse momento. Momento de fome. De comer os símbolos, os ensinamentos dos mestres da cultura popular, de devorar as cores dos folguedos, todos os azuis e encarnados. E o branco, da necessária paz. É tempo também de resgate. Resgate da dívida imensa e terrível da devastação da nação Caeté, sob o pretexto da deglutição do Bispo, dívida agravada pelo sangue negro jorrado nos troncos dos engenhos e que necessita ser purgada. Dívidas alimentadas na devassidão do senhorio. Na obscenidade da velha e da nova senzala – a favela. Mas não se busca tal pagamento em atitude rancorosa. Busca-se a beleza afro-caeté. Mestiça. Mulata. Cafuza. Confusa, por assim dizer. Como Jaraguá e sua anterior opulência. Com a sua decadência. Com o simbolismo da placa de homenagem à rapariga desconhecida de uma de suas ruas. Chocante memorial que expõe nossos preconceitos e desafia o manto do nosso tradicional conservadorismo religioso. A convivência outrora harmônica dos prostíbulos ao lado dos trapiches e armazéns.

Ser sururu é, sobretudo, saber-se forte e com uma história para contar. Sururu de capote. Que não foge à luta. Saber-se brava gente sururu que resiste. Saber da possibilidade de se travar uma guerrilha cultural. Contra ninguém. A favor da alma. Isso tudo é o manifesto. Assim o entendo. O corpo e o gesto. A sombra e o suor. Os prazeres. Os estertores. Os mártires. De Calabar a Zumbi. A dignidade da infância morta nas calçadas da prostituição e nos inferninhos do mercado. E ditas tantas coisas, a possibilidade do erro e do equívoco, mas sempre a grandeza de ter tentado. E a oportunidade é aqui e agora. Viva a viva cultura alagoana!”

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

 

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1 Comentário

  • Caro Macleim, embora polêmico, contestado por uns e amado por outros, não há como não reconhecer o quanto de fôlego e vida há na diversidade cultural da nossa aldeia. Obrigado por sua generosidade em transcrevê-lo e por me fazer lembrar. Bons tempos. Como o são todos os outros, inclusive o aqui e agora.

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