5 de fevereiro de 2022 11:52 por Mácleim Carneiro
Os sinais estão no ar, livres e expostos aos atentos, para serem captados, deglutidos e ressignificados. Quando postos em movimento, atraem, sinalizam sua função provocadora, aguçam curiosidades e questionamentos, procuram compreensão instantânea, embora não necessariamente sejam elucidativos ao imediato.
Particularmente, gosto de estar atento aos sinais, pois vejo matéria-prima para o exercício das minhas funções, como propositor da música que faço ou jornalista que lida com as nuances e sutilezas das artes e do fazer artístico.
Sendo assim, tempos atrás, germinava pelas redes sociais alguns sinais da sensualidade e volúpia que permeiam o novo trabalho solo da artista paulista, radicada no aquário, Ana Galganni, que a partir do lançamento desse seu primeiro EP passou a assinar artisticamente Ana Gal.
Sim, pode até ter sido apenas uma percepção abstrata, visto que a minha hermenêutica não é lá essas coisas mesmo, porém, consigo identificar pontos coincidentes entre o que ela postava e o conteúdo das letras que compõem o EP Ana Gal.
Certamente, os nossos14 leitores já fizeram o link entre Ana Galganni (agora Ana Gal) e o Divina Supernova. Sim, é ela mesma, em nova nomenclatura, porém, dona do mesmo talento e musicalidade que a fizeram ser uma das artistas multifacetadas mais importantes da cena aquariana! Como cantora, compositora ou instrumentista, Ana Gal tem talento e carisma suficientes para continuar encantando e arrebatando o público que lhe acompanha no Divina Supernova e nessa salutar experiência em voo solo.
Como tal, Ana Gal assina cada etapa desse trabalho e assume todos os bônus, que vão desde as composições, arranjos, mixagem, masterização e capa, até chegar ao resultado final, com a linguagem e sonoridade escolhidas por ela. Sintetizando, a ficha técnica do EP foi resumida a um só nome: Ana Gal.
Artista Orgânica
E é aí que temos uma questão muitíssimo interessante! Ou seja, a opção da artista por uma linguagem musical e sua respectiva sonoridade, que, mesmo estando cincadas com um segmento concernente à “modernidade”, fatalmente, estarão datadas logo ali adiante.
Digo isso, porque Ana Gal atua com absoluta desenvoltura em segmentos sofisticados do universo musical, como o jazz e a MPB de musculatura, por exemplo. Entretanto, nesse trabalho, ela optou pela linguagem dos loops, programações e edições, seguramente, porque sabe bem a qual público destina esse trabalho e como pretende se comunicar com ele. Ressalte-se, que o fez com absoluta competência profissional, posto que o resultado do EP está aí para tal avaliação.
Aliás, o que me foi até surpreendente, acostumado que fui a aplaudir uma artista mais orgânica, onde, no meu imaginário, a música feita de colagens, não assumiria exatamente o protagonismo dela. Note que esse trabalho não contou com aporte financeiro de nenhuma lei de incentivo, o quê, nos tempos atuais, já justificaria a opção de viabilidade econômica, feita por Ana Gal.
Abstraindo essas questões absolutamente conceituais, a primeira faixa do EP é Me Toca (Ana Gal), como a ratificar o mote dos sinais pretéritos. Tem uma força imagética, que se completa com a pulsação rítmica sinuosamente atraente.
Daí, em pouco mais de dois minutos, torna-se magnética e finda precipitadamente ao dizer: “De repente, uma boca vermelha nos invade / E a felicidade é uma cobra saciada / E pronta pra dar o bote / Me toca.” Logo na faixa seguinte, Na Vera (Ana Gal), a letra reforça a atmosfera de voluptuosidade, de sedução, de luxúria, mas não no sentido do pecado capital e sim em viço e sensualidade, onde a célula rítmica de um contrabaixo sintetizado nos remete às noites quentes e lúbricas das discotecas, onde dançar era apenas um pretexto.
A letra é bem sugestiva e não poupa versos abrasadores: “Diz que sabe do que eu quero / Na vera / E puxa o meu cabelo que eu derreto e viro cera na tua mão / Eu abro a boca e fecho os olhos / Só encontra e aperta esse botão.”
Passeio Onírico
Na sequência, Delírio Possível (Ana Gal) começa com uma levada de batera e um riff de guitarra fazendo a cama para a fala de Ana Gal: “A geografia do teu rosto, as trilhas do teu corpo. Teus vales me valem a pena da saudade. A correnteza da tua língua me puxando pra tua gravidade. Teus vales me valem a pena da saudade. Teus montes montados na minha mente e a boca macia de veludo quente.”
Em termos de arranjo, foi onde Ana Gal colheu o melhor resultado, com inserções de riffs de guitarra bem interessantes, que demonstram um capricho, um cuidado em não ficar apenas e tão somente refém das programações e loops de base.
A boa surpresa ela guardou para a última e quarta faixa do EP. Medytatyva (Ana Gal) é um convite ao minimalismo, a um passeio onírico e lúdico, com um quê de poesia concreta e a proposta de possibilidades melódicas ilimitadas. Uma viagem que tem como base um acorde, um harpejo em repetição ad libtum, com a sonoridade de um carrilon à musique.
Sobre essa base, Ana Gal tece doce melodia, que a qualquer momento pode ir para outro lugar ou se desfazer, como uma nuvem que, lá do alto, brinca com a nossa imaginação criativa e sonial. Ao encerrar o EP, com a natureza dos sonhos em forma de canção, Ana Gal aproveita para deixar uma mensagem de positividade, para os que sabem que a terra não é plana e padecem nesses tempos gris. Porém, ela é absolutamente realista, dentro do paradoxo onírico: “Quando a dor pintar / E você achar que não vai dar / Larga o mundo no chão / Ele vai rolar / Vai continuar.”
SERVIÇO
EP Ana Gal, Ana Gal
Plataformas digitais: Spotify, Apple Music, Deezer, Tidal, Amazon Music e Youtube Music
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!