14 de maio de 2022 3:38 por Geraldo de Majella
“Vou ao Comércio” é uma expressão usada pelos mais velhos para dizer que se estava indo ao centro de Maceió. Os moradores quando necessitavam dos serviços públicos ou privados sabiam que o encontravam nas ruas do Centro, como os bancos, lojas, hospitais e cinema.
Os bairros, até a década de setenta, dispunham de alguns serviços – eram poucos bairros, hoje são cinquenta. Havia as mercearias, barbearias e botequins; nem todos os bairros tinham feiras livres.
As ruas eram cuidadas pela municipalidade. As fachadas das casas comerciais e dos edifícios públicos causavam encanto pela beleza e conservação. A cidade cabia na palma da mão, e tudo que se desejava ver, comprar e comer se encontrava.
O patrimônio histórico formado pelos bens materiais construídos e preservados no século 20 continha elementos arquitetônicos e paisagísticos que conferiam uma identidade à cidade. Igrejas do século 19 e praças construídas nas primeiras décadas do século 20 são elementos essenciais para a compreensão de como se desenvolveu e de quais influências a cidade recebeu.
A transformação do Centro de Maceió é uma realidade, mas nem por isso merece aplauso. A reforma urbanística realizada há mais de um século criou logradouros e edificações que se tronaram referências na vida da cidade; alguns ainda existem, embora tenham perdido relevância e encantamento; outros tiveram destino pior e foram demolidos; em seu lugar há hoje estacionamentos para automóveis e edifícios para escritórios.
O cine São Luiz, na Rua do Comércio, era o point da juventude e dos adultos que ocupavam a calçada com rodas de conversas. Na entrada do cinema, um senhor de estatura mediana, cabeça raspada à lâmina, vestindo roupas bem cortadas e calçando sapatos brilhosos, comercializava animais domésticos. Machado era o seu nome. Às tardes, antes da primeira sessão, arriava as gaiolas com pássaros, casinhas com cachorros, gatos, coelhos e hamsters.
A calçada do São Luiz era o seu ponto comercial numa época em que não havia repressão a esse tipo de comércio, nem existiam órgãos governamentais de proteção ambiental.
Padarias e torrefações
As padarias e as torrefações eram os atrativos no centro de Maceió. Sem que fosse organizado, existiu o que se poderia chamar de circuito do pão e do café. O Café Afa, instalado na esquina da Praça Deodoro com a Rua Barão de Alagoas, cujo aroma penetrante exalado no processo de torra inebriava a clientela em volta do balcão.
A história do Café Afa, quase centenária, teve início em julho de 1925, em Pernambuco, com a fundação da Refinaria Leão do Norte (Antunes & Cia), onde por nove anos o líder da família e sócio fundador, o português Antônio Francisco Antunes, residiu. AFA são as letras iniciais do nome e sobrenome do fundador da empresa. O cheiro de café torrado entrava pelas portas do Teatro Deodoro, vizinho do lado, e se espalhava pelos quarteirões no seu entorno, no lugar mais aprazível da cidade.
Mais adiante, na esquina da Rua do Comércio com a Praça Governador Adhemar de Barros, funcionava a Padaria Elétrica e o Café Emecê. A combinação do cheiro do café no processo de torra e o cheiro de pão saindo do forno era uma combinação perfeita de cheiro e sabor.
O café, dizem os especialistas, é uma bebida tão completa que até mesmo seu cheiro pode ser benéfico para a saúde. Encontravam-se então no mesmo espaço físico dois aromas que atraíam e enamoravam os fregueses.
O perfume que pairava no ar com a torrefação do café era motivo de comentários dos que trabalhavam nos arredores ou das pessoas que passavam na calçada. O Centro foi o território do café e do pão. O pão como acompanhamento do café e do caldo de cana, que também eram vendidos nas esquinas.
O sociólogo Manoel Diegues Júnior registra no ensaio Evolução Urbana e Social de Maceió no Período Republicano (Catavento-1939) que a antiga Rua do Açougue, atual Av. Moreira Lima, se caracterizava pelo cheiro.
Os cheiros de comidas alagoanas vendidas nas esquinas como: sururu, tapioca, caldo de cana, peixe frito, arroz-doce, a manter a tradição desde o Império. Nessa época, década de 1930, aportaram em Maceió emigrantes sírios, mas que, segundo Diegues, nem sempre eram sírios puros; eram turcos, árabes, russos e judeus, agrupados numa mesma denominação.
A Avenida Moreira Lima, que já foi Rua do Açougue, Nilo Peçanha e 1º de Março, tinha até pouco tempo (década de 1990) quatro padarias que alegravam o paladar e o olfato daquela área da cidade. A cada quarteirão estava localizada uma padaria. A esquina da Av. Moreira Lima com a Rua da Alegria era o ponto da Padaria Francesa; na esquina seguinte, Av. Moreira Lima com a Rua Cincinato Pinto, havia a Padaria Leão Branco. As duas mantinham a concorrência e disputavam a primazia de suas confeitarias, além dos pães, bolachas e biscoitos.
Mais abaixo, na Av. Moreira Lima com a Rua Barão de Alagoas, localizava-se a Padaria Capricho; e no último quarteirão da Moreira Lima com a Feira do Passarinho ‒ a feira não existe mais ‒, restou a Padaria Nossa Senhora da Glória. As demais encerraram as suas atividades na década de 1990.
A memória olfativa remete à lembrança de momentos vividos por cada pessoa; é indiscutível a capacidade que de cada um tem de associar cheiros que provocam emoções. Os cheiros e os sabores têm o poder de interferir no comportamento das pessoas em qualquer idade.
Não é possível pensar uma cidade sem levar em conta o espírito de confraternização, as diferenças étnicas, geográficas, a valorização dos comércios, a preservação do modus vivendi de cada comunidade com suas especificidades, a manutenção do seu patrimônio histórico-cultural e socioambiental. Esse conjunto de bens é a argamassa que ergue a cidade, dando-lhe vida pulsante e identidade, e construindo uma civilização.
1 Comentário
Que delícia de texto a evocar memórias marcantes… Ah querida Maceió, que saudade! Como era bom ir ver as vitrines à noite… Passeio raro. As igrejas tão lindas. Bem, confesso que ainda hoje gosto de andar pelas ruas do Centro… Hummm mesmo a despeito da degradação e de muitas delas exibirem esgotos fétidos escorrendo pelos cantos, como na Cincinato…