26 de setembro de 2022 11:56 por Mácleim Carneiro
Jamais deixarei de achar interessante e reconfortante, todas as vezes em que percebo como as ideias criativas estão soltas no ar e à procura de quem as sintonize, capture-as e transforme-as em realidade. Recentemente, foi bacana descobrir que o mesmo conceito, cordas, usado para a formatação de um novo trabalho meu, também tenha sido pensado e realizado pelo compositor, cantor e produtor cultural Carlos Zimbher, ou simplesmente Zimbher, como assina no seu mais recente álbum, o inspiradíssimo ‘Cordas, Nós e Voz’. Graças a essas possibilidades, tantos outros artistas permanecem antenados e atentos às boas ideias, mesmo que etéreas, flutuantes e, só depois, palpáveis.
De acordo com o que escreveu, no folheto do álbum Cordas, Nós e Voz, em 2019 Zimbher pensou numa “pegada menos urbana, mais interiorana, suave, que apontava para algo mais lírico. Pensava numa instrumentação acústica, com cordas populares e de concerto.” Assim nasceu, desabrochou e terá longa vida, o belíssimo Cordas, Nós e Voz. O artista foi além e dividiu o álbum em três movimentos: Silente, Ausente e Premente. Porém, diferentemente de um concerto convencional, onde o primeiro movimento é rápido, o segundo, lento, e o terceiro, rápido novamente, Zimbher conceituou os três movimentos, para o Cordas, Nós e Voz, dessa maneira: o primeiro é lento e configurado pela busca por si. O segundo, é moderado e discorre sobre as relações afetivas e a falta delas. Por fim, o terceiro, que pode ser denominado como rápido, tem arranjos e canções mais vibrantes, onde o artista fala o que pensa sobre “a liberdade de se ser o que se é.”
Primeiro Movimento
‘Silencio do Elevador’ (Zimbher) abre o álbum, que tem 12 faixas ao longo dos três movimentos. Portanto, essa primeira faixa contém a fala do silêncio, que desperta curiosidades e tenções relativas a algum desfecho. Para tanto, Zimbher utilizou, como elementos do arranjo e textura sonora, violino, contrabaixo acústico, violoncelo, guitarra e alguns samplers, que formataram a atmosfera um tanto hitchcockiana dessa canção. Nela, ele brinca com a dualidade da palavra elevador, ao subdividi-la em eleva a dor. ‘Semibreve’ (Rodrigo Zanettini e Zimbher) traz a primeira convidada especial, Leona Jhovs, à capela, num efeito tipo megafone, para logo depois o violão, violoncelo e baixo acústico, nessa ordem, darem suporte harmônico ao seu belo canto, até a entrada em cena do Zimbher. ‘Murmúrio’ (Zimbher) é uma canção interrogativa, com uma pegada flamenca, que depois desemboca num toré estilizado, com um aboio ao fundo, tudo em solfejos ou percussões vocais, como descreve a ficha técnica. Ressalte-se a participação do segundo convidado especial, Luiz Gayotto, nos vocais. E, assim, finda o primeiro movimento, Silente, desse belíssimo trabalho!
Segundo Movimento
O segundo movimento, Ausente, começa com ‘Palavra de Amor Vale Tão Pouco’ (Zimbher e Gabriel de Pierro) e ao som de dedos estalados, baixo acústico e metalofone (primo-irmão do xilofone, da celesta e do giockenspiel). Tem a participação especial de Rubi nos vocais, quando se transmuta de uma levada “satírica” para um bolero não menos satírico. ‘Ainda Que As Estrelas Não Notem’ (Zimbher), tem uma hibridez entre samplers percussivos e instrumentos de cordas, que abre um veio diferente nesse trabalho e, a princípio, agride um pouco, pela textura sonora que já havíamos nos acostumando a ter nas faixas anteriores, porém, logo se torna interessante e bem contextualizada. ‘Amor Meu, Perdoa’ (Zeca Baleiro e Zimbher), acontece como que a suavizar a percepção da faixa anterior.
Essa bela canção quebra com a estrutura melódica do cerne das canções de Zimbher e nos brinda com a perfeita escolha da maravilhosa Ná Ozzetti como intérprete, sempre límpida e cristalina, como as águas de um olho d’água puríssimo, fresco e jorrante. ‘Por Sobre a Pele’ (Zimbher) continua o desfile de participações especiais. Dessa vez, Karen Menatti aparece nos vocais. Aliás, os vocalizes dessa canção são mixolídios e se amalgamam com o quê poderia ser um tango estilizado ou outra expressão melódica e rítmica da cultura moura. Zimbher repete aqui o quê demonstra ser uma característica sua, absolutamente criativa, desdobrar as possibilidades das palavras em suas dualidades. Daí, ‘Algo Dão’ (Zimbher) ser também um interessantíssimo exercício fonético, na construção da letra. Essa faixa encerra o segundo movimento, que Zimbher denominou de Ausente.
Terceiro Movimento
Premente é o terceiro e último movimento dessa obra deleitosa, proposta por Zimbher e muitíssimo bem produzida por Rovilson Pascoal. ‘Interior Interior’ (Zimbher) tem um quê de uma toada e nos conduz mansamente à contemplação, elevando-se majestosa à medida que as participações especiais de Flavio Barollo, Karen Menatti, Leona Jhovs e Luiz Gayotto nos seduz em preces iluminadas de vozes e cantos. ‘Urso Bipolar’ (Zimbher) é mais um libelo às letras da musicalidade paulistana, embora Zimbher seja do planalto central, sua alma é vanguardista e estaria perfeitamente contextualizada, também, no tempo do Teatro Lira Paulistana ou na Pauliceia Desvairada de Mario de Andrade.
Aliás, como já escreveu o grande Aquiles, “Zimbher é um conceito!” Daí, ele poder manusear, sem parecer forçado, referências desconcertantes como “Deus e o diabo na terra do Zorro.” ‘Outra Farsa’ (Zimbher) descamba numa festa final que, literalmente, anuncia que estamos próximos ao fim de uma viagem ofertada por Zimbher, para o nosso deleite, e aponta o ponto final na bela ‘Que Os Véus Caiam’ (Zimbher). A princípio, é melancólica, como uma despedida não querida, malcontente, mas que distingue novos mares a serem singrados “pra poder toda forma de amor multiplicar.” Corda, Nós e Voz é um belo trabalho que Zimbher nos lega e, certamente, caberia como metáfora do que Valter Hugo Mãe escreveu em seu mais recente livro As Doenças do Brasil: “Um deus só ocorre para os que necessitam. Deuses são por mérito dos que não desistem.”
Serviço
Cordas, Nós e Voz, Zimbher
Plataformas digitais: Spotify, Deezer, Amazonmusic, YouTube Music
Link para acesso: https://linktr.ee/zimbher
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!