2 de janeiro de 2023 12:54 por Marcos Berillo
Pe. Gilvan Gomes das Neves. Mestre e doutor em Ciências da Religião na UNICAP
Quero Ano Novo onde, se Deus quiser, todas as crianças, ao ligarem seus apetrechos eletrônicos, recebam um banho de Mozart, Pixinguinha e Noel Rosa; aprendam a diferença entre impressionistas e expressionistas; vejam espetáculos que reconstituem a Confederação do Equador, Palmares, Cabanos, a Guerra de Canudos, Caldeirão; e durmam após fazer suas orações.
Quero um Ano Novo em que, no campo, todos tenham seu pedaço de terra, onde vicejem laranjas e alfaces, e voejem bem-te-vis entre vacas leiteiras. Na cidade, um teto sob o qual reluz o fogão de panelas cheias, a sala atapetada por remendos coloridos, a foto colorida do casal exposta em moldura oval sobre o sofá.
Espero um Ano Novo em que a igrejas abram portas ao silencio do coração, o órgão sussurre o cantar dos anjos, a Bíblia seja repartida como pão. A fé, de mãos dada com a justiça, faça com que o céu deixe de concentrar o olhar daquele aos quais é negada a felicidade nesta terra.
Um Ano Novo Feliz com casais ociosos na arte de amar, o lar recendendo a perfume, os filhos contemplando o rosto apaixonado dos pais, a família tão entretida no dialogo que nem se dá conta de que a TV e os celulares são aparelhos mudos e cegos num canto da sala.
Desejo um Ano Novo em que os sonhos libertários sejam tão fortes que os jovens, com o coração a pulsar ideais, não recorram à química das drogas, não temas o futuro nem se expressem em dialetos ininteligíveis.
Espero um Ano Novo um que cada um de nós evite alfinetar rancores nas dobras do coração e lave as paredes da memória de iras e mágoas; não aposte corrida com o tempo nem marque a velocidade do tempo pelos batimentos cardíacos.
Um Ano Novo para saborear a brevidade da vida como se ela fosse perene, em companhia de ourives de encantos.
Quero um Ano Novo em que a cada um seja assegurado o direito do emprego, a honra do salário digno, as condições humanas de trabalho, as potencialidades da profissão e a alegria da vocação.
Rogo por um Ano Novo em que a polícia seja conhecida pelas vidas que protege e não pelo assassinato que comete; os presos reeducados para a vida social; e que os pobres logrem repor os olhos da Justiça a tarja da cegueira que lhe imprime isenção.
Um Ano Novo sem políticos mentirosos, autoridades arrogantes, funcionários corruptos, bajuladores de todas as espécies. Livre de arroubos infantis, seja a política a multiplicação dos pães sem milagres, dever de uns e direito de todos.
Espero um Ano Novo em que as cidades voltem a ter praças arborizadas; as praças bancos acolhedores; os bancos, cidadão entregues ao sadio ócio de contemplar a natureza, ouvir no silencio a voz de Deus e festejar com os amigos as minudências da vida – um leque de memórias, um jogo de cartas, o riso aberto por aquele que se destaca como o melhor contador de anedotas.
Desejo um Ano Novo em que o homem jamais humilhe a mulher; a professora de cidadania não atire papel no chão; as crianças cedam o lugar aos mais velhos; e a distância entre o público e o privado seja espelhada pela transparência.
Quero um Ano Novo de livros saboreados como pipoca, o corpo menos entupidos de gorduras, a mente livre de estresse, o espírito matriculado num corpo de baile ao som dos mistérios mais profundos.
Espero um Ano Novo cujo principal evento seja a inauguração do Salão da Pessoa, onde se apresentem alternativas para que nunca mais um ser humano se sinta ameaçado pela miséria ou privado de pão, paz, saúde, educação, cultura e prazer.
Um Ano Novo em que a competitividade ceda lugar à solidariedade; a acumulação à partilha; a ambição à meditação; a agressão ao respeito; a idolatria ao dinheiro ao respeito das Bem-Aventuraças.
Aspiro a um Ano Novo de pássaros orquestrados pela aurora, rios desnudados pelas transparecias das águas, pulmões exultantes de ar puro e mesa farta de alimentos despoluídos.
Um Ano Novo que seja o último da Era da Fome. Desejo um Feliz Ano Novo de muita saúde e paz aos meus pacientes paroquianos – os que concordam e também os que discordam.
Rogo por um Ano Novo que jamais fique velho, assim como os carvalhos que nos dão sombra, a filosofia dos gregos, a luz do Sol, a sabedoria de Jó, o esplendor do nosso mar, das Alagoas, a literatura de Jorge de Lima, Graciliano Ramos.
Desejo um Novo Ano tão novo que traga a impressão de que tudo renasce: o dia, a exuberância do mar, a esperança e a nossa capacidade de amar. Exceto o que no passado nos fez menos belos, generosos e solidários.