sábado 23 de novembro de 2024

As calçadas da minha rua

Era um casal de trabalhadores rurais e seus dois filhos menores: a menina tinha apenas quatro anos de idade e o menino, seis.

6 de janeiro de 2023 12:05 por Mácleim Carneiro

Certa vez, por mais de uma semana, não me saia do pensamento a imagem e o diálogo que tive com uma família que, literalmente, estava morando nas calçadas da minha rua. Era um casal de trabalhadores rurais e seus dois filhos menores: a menina tinha apenas quatro anos de idade e o menino, seis. A situação em que estavam vivendo os transformava numa espécie de outdoor vivo. Ou melhor, eles eram o marketing ultra real do compromisso social das elites, seus políticos engravatados e gestores perfumados, quase sempre mal-intencionados, nas mais altas instâncias do poder, excetuando-se as raríssimas exceções.

A história daqueles alagoanos – nas calçadas da minha rua –, na realidade é comum e banal. Não apenas pelos tristes fatos, que os levaram àquela condição, mas, sobretudo, pela frequência com que ainda se repetem, para milhares de famílias usurpadas nos seus direitos básicos de cidadania. Tão cruel quanto a essência dos fatos é a frieza e o descaso com que esses seres humanos são ignorados pelos demagogos instalados nababescamente em gabinetes refrigerados e, do conforto seguro dos seus luxuosos imóveis, longe das intempéries, livres da indiferença e acolhidos pela hipocrisia, dão as costas para o efeito colateral resultante da perversa avareza. Essa gente tem responsabilidade atávica na manutenção da desgraça daquela outra gente, que habitava as calçadas da minha rua. É essa mesma gente – dos gabinetes e carros de luxo –, que consegue dormir e sonhar tranquilamente, nos finos lençóis e travesseiros recheados de insensibilidade, acumulando riquezas na proporção exata em que aquela gente – das calçadas da minha rua – acumulava sofrimento e humilhação.

Poderosíssimo Cartel

Para mim, tudo ficou bem mais claro, quando percebi o significado da política profissional e o real objetivo dos seres que a exercem. Não tenho mais nenhuma dúvida poliânica, apesar da aparente radicalidade da minha percepção. Ou seja, a política partidária é um poderosíssimo cartel institucionalizado, que, nas democracias, consegue até o aval da sociedade, por meio do voto, oferecendo a falsa ilusão de que quem detém o controle é o povo. Porém, só até a página 2.

Aparentemente, a parte transparente desse poderoso cartel está dividida em partidos e, entre eles, se estabeleceu uma espécie de acordo tácito, para a alternância do poder. A Máfia, o Cartel de Medelín, a Al Qaeda e tantas outras organizações, explicitamente criminosas, são pinto diante do poderoso cartel engravatado. Até porque, trafegam, financiam e invariavelmente encontram abrigo no poderoso cartel institucionalizado. Infelizmente, para o povo, não há como escapar à influência perniciosa dessa periculosa organização. No entanto, ainda nos resta a possibilidade de, individualmente, dizermos não à estrutura atavicamente sedimentada.

Não! Não desejo vender a alma para entrar nesse “negócio”! Não! Não quero abrir mão de preceitos éticos e morais, para pertencer e usufruir das benesses do poderoso cartel! Não! Não vou fazer parte disso, para ter que viver em omissão! Não! Não aceito helotismo em minha vida! Por tanto, recuso-me a estar do lado podre da laranja, enquanto tal estrutura política permanecer um cartel. Claro, agindo assim, por mais paradoxal que seja, estarei politicamente e socialmente à margem. Portanto, existirá sempre a possibilidade sombria de, um dia, vir a ser mais um daqueles habitantes das calçadas da minha rua. Porém, prefiro esse risco a não me permitir ser quem eu sou.

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

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