sábado 7 de setembro de 2024

Rio Abaixo em Alto Grande

o fato é que violeiros contadores de causos, como Paulo Freire, são simplesmente maravilhosos na arte de tocar suas violas e encantarem a quem os escuta.

25 de fevereiro de 2023 12:16 por Mácleim Carneiro

 

Paulo Freire. Foto: filipiTV

 

Reza a lenda (e Paulo Freire também), que o diabo descia os rios tocando uma viola com afinação diferenciada e tão envolvente que fazia com que as mulheres fossem seduzidas ou mesmo enfeitiçadas. Elas se emocionavam tanto, que até choravam e seguiam o diabo onde ele fosse até sumir. Os violeiros, ao ouvirem o tocar e os devorteios do diabo, aprenderam a afinar seus instrumentos na mesma escala e também foram enfeitiçados pelo demo. Daí, em muitas regiões, o diabo é considerado o maior violeiro que já existiu. A crença explica a quantidade de histórias de violeiros que teriam feito pacto com ele para tocar bem. Entretanto, as crendices afirmam que o violeiro que faz esse tipo de pacto não vai para o inferno, já que todos no céu querem bons violeiros por lá.

Todos no céu e por aqui também, desde que seja um Paulo Freire, sobretudo, com o álbum ‘Alto Grande’, como se fora uma caixa mágica de encantamentos desse artista extraordinário e peculiar em sua obra e expressão. Com o seu “vai ouvindo, vai ouvindo” … ele vai nos encantando e até parece que também fez a simpatia da cobra-coral, ou rezou na Sexta-feira Santa nos túmulos de violeiros. Seja como for, o fato é que violeiros contadores de causos, como Paulo Freire, são simplesmente maravilhosos na arte de tocar suas violas e encantarem a quem os escuta.

O Causo e a Música

‘Alto Grande’ é um álbum que revela o violeiro Paulo Freire em seu mais perfeito amálgama entre o causo e a música. Como escritor de excelente cepa, ele criou belas histórias e narrativas que se encaixam como uma luva aos propósitos da viola e da canção. O álbum tem 12 faixas, que saltam de galho em galho, como uma patativa ou curió de repetição que não se repete. Assim, nos contempla com temas instrumentais, músicas tradicionais brasileiras e a deliciosa ‘Bom Dia’ (Swamir Júnior e Paulo Freire), já bastante conhecida nas vozes de Zizi Possi e Virgínia Rosa. E como todo disco singular e especial tem participações que agregam imenso valor, Paulo Freire trouxe, para esse trabalho, nomes importantes do nosso cancioneiro popular: Ana Salvagni  (voz), Maurício Pereira (voz), Levi Ramiro (voz e viola), Swamir Júnior (voz e viola de 7), Danilo Moraes (guitarras e vocal), Benjamim Taubkin (piano), Alexandre Ribeiro (clarinete), Tuco Freire (contrabaixo) e Adriano Busko (bateria e percussão).

Para que não confundamos Paulo Freire com o seu homônimo educador, outro orgulho brasileiro, Paulinho, como também é conhecido, é um ícone da viola brasileira! Tem uma vasta e bela obra gravada e escrita, resultado do seu importantíssimo trabalho de pesquisa. Por tudo isso, Paulo Freire é um violeiro contemporâneo, sempre em busca de novos caminhos estéticos e sonoros para sua obra. É um músico de início cosmopolita, que resolveu extrair no Brasil profundo e verdadeiro sua expressividade artística e pessoal. De acordo com ele, depois de ler Guimarães Rosa, foi morar no Vale do Urucuía, em Minas Gerais, onde conheceu seu mestre Manelim, que lhe ensinou os segredos e encantos do ponteado. Foi aí que Paulo Freire abraçou de vez a viola e emendou num causo só: a vida, a viola e a arte.

Músicas Imagéticas

E para mostrar que o diabo come no cocho das mãos e da viola de Paulo Freire, ele abre o álbum com o tema instrumental ‘Quatros do Urucuía’, um tema de domínio público, com adaptação de Paulo Freire. A próxima faixa é ‘Ferveu!’ (Paulo Freire), um belo exemplo de como amalgamar com perfeição canção e causo, tudo à maneira inimitável de Paulo Freire, com uma narrativa coloquial que só aqui e acolá permite um tantinho de melodia, na hora e nos compassos exatos e precisos. Temos ainda a dimensão de informações musicais do compositor de inúmeros recursos, que sabe utilizar levadas que seriam capazes de seduzir até o universo pop, se a elas fossem agregados elementos e sonoridades do gênero.

‘Alto Grande’ (Paulo Freire), que dá título ao álbum, é uma bela toada imagética, pois coloca o fruidor direto no mundo da lida do gado, seus aboios e afins, no toque da boiada estradão afora. Ana Salvagni faz uma participação especialíssima, pelo canto sempre maravilhoso e pelo fortalecimento de uma memória histórica, pois a letra conta a visão da mulher do vaqueiro enquanto espera o marido nas comitivas de gado, exatamente na região do Noroeste de Minas Gerais, chamada Alto Grande, onde as mulheres dos vaqueiros iam esperar seus maridos na volta da lida de tocar a boiada por esse mundão de meu Deus.

Preciosidades

E vamos seguindo em frente, pela estrada que nos aponta Paulo Freire. Esta, nunca será uma estrada reta, posto que sinuosa em cada encanto das curvas inesperadas, onde causos e músicas pavimentam o encantamento pelo discurso oral, poético e melódico, colocando-nos em situações inusitadas e sugeridas pelo compositor, como é o caso ou causo da faixa ‘É Meu’ (Paulo Freire), onde ele narra uma situação tão plausível e verossímil, de uma contrariedade ao lúdico e à leveza da vida, que só a mentalidade capitalista poderia tentar impor e usurpar para si. Daí, vamos para a próxima faixa ‘Bom Dia’ (Swamir Júnior e Paulo Freire), onde é revigorante e bacana de ouvir a interpretação dos compositores, para uma criação muitíssimo bem sucedida da lavra de ambos.

E quando menos se espera, no vai ouvindo, vai ouvindo…, já estamos no fim, na última e emocionante faixa ‘Causos do Angelino’ (Paulo Freire), ‘Enquanto o Trem Passava’ (Benjamim Taubkin) e ‘Tristezas do Jeca’ (Angelino de Oliveira), uma junção de três dos mais belos momentos do álbum, onde a literatura inspirada foi tecida pela sensibilidade e ornada pelo piano maravilhoso de Benjamim Taubkin e a viola ensolarada de Paulo Freire! E num pequeno devorteio, passamos antes pela bela ‘Manoelzão’ (Paulo Freire), um tema instrumental que eu diria ser floral, onde o clarinete de Alexandre Ribeiro se casou com as violas de Swamir Júnior e do compositor e seguiram poligamicamente felizes para sempre, como se eternamente tivessem sido prometidos uns para os outros.

‘Alto Grande’ é repleto de preciosidades! Dentre tantas, estão as fotos de Isabela Santore e João Chimentão, que transformaram o encarte em sensibilidade artística admirável! E é no encarte que encontraremos esse trecho escrito por Paulo Freire: “Procurei estar no lugar do baraio, no oco do oco, no sentimento da onça, na posse do mundo, guelém guelém.” Pois ele esteve sim e chegou em ‘Alto Grande’, que é onde estará para sempre no coração e na memória afetiva e estética de qualquer fruidor que se entregue a esse imprescindível e emocionante trabalho!

SERVIÇO
Alto Grande, Paulo Freire
Disco Físico: Esgotado
Plataformas digitais: Spotify

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!!

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