sábado 7 de setembro de 2024

Mácleim: um arquiteto da música

Alagoano trocou o curso de Arquitetura da Ufal pela musica e construiu sólida carreira

1 de julho de 2024 5:27 por Geraldo de Majella

Mácleim | Reprodução

Por Geraldo de Majella

O cantor, compositor e jornalista Mácleim Carneiro (1958) nasceu em Murici, cidade da Zona da Mata alagoana. Estudou Arquitetura na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), mas, no último ano, deixou o curso. Entre a profissão de arquiteto e a música, não vacilou: ficou com a segunda. Em 1983, saiu de Maceió para o Rio de Janeiro, onde descobriu novos horizontes, trabalhou, estudou e se apresentou em muitos palcos no Brasil e em outros países.

Os Festivais de Música Universitária organizados pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufal revelaram cantores e compositores como Mácleim Carneiro num período de pressão exercida pelos órgãos de controle, como a censura da Polícia Federal. Mesmo assim, o DCE não deixou de realizar os festivais.

O palco tem um significado mágico para os artistas e, com Mácleim, não foi diferente. “Foi no palco do Festival do DCE da UFAL, defendendo a minha música, que eu tive a noção exata de que era aquilo que eu queria”

Veja a entrevista de Mácleim Carneiro ao 082 Noticias:

082- Você estudava arquitetura na Ufal e participava dos festivais universitários de música. Em que momento a música ganhou da arquitetura?

Mácleim – Acho que tive a sorte e ao mesmo tempo a adversidade de viver o ambiente universitário em sua plena efervescência cultural, no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, ainda sob os estertores do regime militar, que campeou naqueles tempos ditatoriais. Tive a sorte, porque foi uma época onde os Centros Acadêmicos e os Diretórios tinham vida cultural e política altamente produtiva e atuavam pra valer. A adversidade ficou por conta do meu envolvimento naquela “farra” cultural, etílica e afins, literalmente falando. Ou seja, passei seis anos no curso de arquitetura fazendo música e sem um dia sequer pensar em formatura ou coisa que o valha.

Portanto, o Festival Universitário de Música de 1981 foi o caminho natural para que eu encontrasse a minha vocação e soubesse, definitivamente, que, como diz a canção do Herbert Viana, ‘àquela altura arquitetura era uma loucura’. Bastou-me um quarto lugar no antológico Festival, que originou o polêmico e censurado LP, para eu ter a certeza de que a única maneira de não me tornar um arquiteto medíocre seria focar na música que eu fazia e que havia descoberto como vocação, o que é absolutamente diferente de talento ou aptidão.

Então, foi assim que a música me fez abandonar o curso de Arquitetura e em 1983 pegar um ônibus rumo ao Rio de Janeiro, pela primeira vez, e por lá ficar por oito longos anos de dificuldades e aprendizados. Jamais me arrependi, porque sabia que como arquiteto eu não poderia produzir uma arquitetura popular de qualidade, pelas condições que o poder público oferecia e, tampouco, fazer a arquitetura que me satisfizesse, pois jamais iria me submeter aos caprichos de uma elite endinheirada, fútil e brega por natureza. Então, fui cuidar de somar experiências que tornassem minha música algo muito melhor do que eu. Foi assim!

O Jazz III | Reprodução

082- Onde e como você passou a se interessar por música e quem foi o seu mestre?

Mácleim – Entendo que para ser verdadeiro, na arte que proponho, tenho que buscar minha origem cultural e da minha aldeia, como bases primárias, para só depois pensar em expandi-la por meio do acúmulo de vivências e experiências cosmopolitas ou não. Portanto, foram os repentistas e emboladores de coco, nas feiras livres de Murici, quem primeiro despertaram em mim o interesse pelo o que eu ouvia e entendia como algo simples e ao mesmo tempo complexo. Na verdade, só mais tarde pude entender toda riqueza e complexidade musical do que faziam.

Também, nessa época, Murici tinha um sistema de alto-falantes distribuído pelas esquinas da cidade, onde se ouvia de Luiz Gonzaga a Nat King Cole, passando por Jacinto Silva, Jackson do Pandeiro e uma infinidade de artistas populares, que vinham da ‘era do rádio’, além dos mais jovens, que resvalavam na jovem guarda e no tropicalismo. Em casa, meus pais sempre tiveram bom gosto musical e sou imensamente grato a eles, porque foram me educando esteticamente, para fruir e saber distinguir o que é boa música do que não tem a mínima possibilidade de ser. Então, foram esses os meus primeiros mestres, Primeiros, porque sempre estarei em processo de aprendizado e atento aos mestres de agora e aos que o futuro me reserva.

082- A música estava presente no dia a dia do seu núcleo familiar?

Mácleim – Sim, todas as noites o meu pai, após o jantar, ouvia música. Ouvia os discos que estava sempre comprando e pondo para tocar numa radiola, que tinha um mecanismo para armazenar até seis LPs, que iam caindo no prato, um por vez. Eram momentos inspiradores e de puro deleite para mim, porque, apesar de ser bem eclética a discoteca dos meus pais, a sensibilidade e o gosto musical dos dois eram bem apurados. Aliás, posso afirmar isso com bastante certeza, pois, já adulto, tive acesso à coleção de LPs deles e pouquíssima coisa tive vontade de descartar. Além disso, minha mãe cantava divinamente, afinada e com nuances melódicas que não se vê mais, nesse mar infernal de melismas, drives, glissandos e vibratos.

082- Passados mais de quarenta anos dos festivais universitários de música, o que eles representaram para a sua formação como músico?

Mácleim – Como eu já disse, a minha participação nos festivais, ou especificamente no Festival Universitário de Música da UFAL, de 1981, representou um ponto de inflexão na minha vida, uma luz que pôs foco no que eu queria ser e fazer da minha trajetória profissional, nessa seara tão difícil. Depois dele, continuei participando de festivais competitivos ou não, porque gostava do ambiente onde raramente havia rivalidades de fato. Geralmente, era uma camaradagem que rolava entre músicos, artistas, compositores e técnicos, onde a música por si falava mais alto e acima de pequenos e mesquinhos interesses. Contudo, comecei a ganhar repetidamente alguns deles, aqui no aquário, o que provocou reações nada louváveis de certos colegas e alguns gestores, em contraponto ao que sempre busquei ao participar dos festivais. Daí, desisti deles e fui cuidar da produção dos meus álbuns e trabalhos em outras cenas.

082- Alagoas, como disse Gilberto Gil, lhe deu régua e compasso?

Mácleim – Se eu for buscar essa resposta por um viés apenas cognitivo e absolutamente racional, eu diria que não. Alagoas nunca me deu régua e compasso! Aliás, não entendo e acho o ufanismo de alguns artistas locais, no mínimo, uma falta de alcance simplória, que beira a conveniência vantajosa e uma falta de visão da Alagoas profunda, que ignora as nossas mazelas políticas e sociais e os coloca num patamar de provincianismo alienante, parelho ao ridículo implícito à “terra dos marechais”. Porém, se o meu olhar for pela força e resiliência da nossa cultura popular e seus artistas e brincantes, ignorados e relegados a uma insignificância burra e elitista, então, recorro sempre a esse rico universo e suas réguas e compassos imprescindíveis traçaram parte do que sou e proponho de belo e orgânico no meu trabalho.

Café Intercom | Reprodução

082- O curso de Arquitetura foi um celeiro de músicos e compositores na virada da década de setenta para os oitenta?

Mácleim – Sim, o curso de arquitetura era o que tínhamos de mais próximo a um academicismo artístico. Não tínhamos faculdade e sequer conservatório de música, à época. Portanto, era natural que pessoas, assim como eu, que já tinham a música como feitio de arte, fossem para arquitetura, porque era o que tínhamos como expressão artística na academia. Ao menos foi assim para mim. E o Festival Universitário de Música da Ufal de 1981 provou isso. As primeiras classificações ficaram com o curso de arquitetura. Fomos o curso mais premiado do festival. Na época, foram protagonistas o Pedrinho Batata, Nelson Braga e eu, todos alunos de arquitetura. Claro, isso provocou certa inveja, por exemplo, aos concorrentes da Engenharia, pois, além de tudo, arquitetura também era um oásis de mulheres bonitas e perfumadas, oriundas da burguesia aquariana.

082- Quem eram os seus parceiros musicais e quais foram os grupos musicais formados entre os estudantes de arquitetura e nos demais cursos da Ufal?

Mácleim – Olha, lembro-me apenas do que fizemos e dos parceiros do curso de arquitetura. Criamos o Beira Banda da Lagoa, que tinha o Nelson Braga, o Jatiúca e eu, do curso de arquitetura, e mais os músicos profissionais Zé Barros, Carlinhos Guaraná e o Marquinhos Teclado, que não eram universitários. Esses foram os meus primeiros parceiros musicais e o Beira Banda foi uma experiência interessante, à época. Certamente, foi a primeira banda híbrida do aquário, com uma trajetória bem singular, mas essa é uma outra e longa história.

Com Hermeto Pascoal e Nelson da Rabeca| Reprodução

082 – Quando e em que ano você decidiu morar no Rio de Janeiro?

Mácleim – Em 1983 eu decidi abandonar o curso de arquitetura, o Beira Banda da Lagoa e ir morar no Rio de Janeiro. Na época, a grande vitrine para quem tinha alguma pretensão de carreira artística e musical. Pelo ponto de vista de resultados de visibilidade nacional (que alguns chamam de sucesso), eu escolhi o pior momento para fazer essa mudança de latitude. Era o começo da ascensão do rock brasuca, das bandas que até hoje estão aí, e eu estava na contramão disso tudo, com uma música personalista e pouco ou nada rock and rol. Meus êxitos foram outros e bem mais plurais. Chegou um momento em que abri mão de tentar mostrar a minha música e fui atuar e, sobretudo, aprender e criar musculatura em outros campos, como o teatro, estúdios de gravação e ensaios, produção de jingles e etc., porém, sempre tendo à música como matéria-prima, como é hoje o meu trabalho na rádio Educativa FM e na coluna Depois do Play.

082- A sua obra musical é essencialmente composta por temas alagoanos. Onde entra a sua Murici?

Mácleim – Algumas das minhas canções mais conhecidas têm sim recortes da nossa cultura popular, da qual me aproprio com o mais absoluto respeito e admiração. Porém, a minha obra musical não é essencialmente composta por temas alagoanos, muito pelo contrário, é muito mais plural e cosmopolita, traduz uma visão de mundo que hoje tenho e que, paradoxalmente, me foi ofertada exatamente pela música que faço e me levou a sair da ‘bolha aquariana’ e conhecer os mais variados públicos de alhures. Murici entra na base de tudo isso. Embora desconheça a minha música e a minha obra, pois não cabe mais no que um já foi para o outro. Portanto, é natural que não saiba valorizá-la. Aliás, todas as vezes em que tentei mostrar o meu trabalho por lá, nunca fui bem-sucedido.

Mácleim e Nelsinho Braga | Reprodução

082- Você fez muitos shows em países do continente europeu. O que ficou como aprendizado?

Mácleim – Sim, por alguns anos seguidos a música me levou para alguns dos melhores palcos e festivais internacionais, sobretudo, na Europa, onde tenho dois álbuns lançados por selos europeus. Musicalmente falando, será sempre um grande aprendizado o encontro e comunhão entre músicos de diversas culturas, por meio dessa linguagem universal que a música nos proporciona. Da mesma forma, você ter o retorno de públicos que não lhe são familiares, que estão ali por causa só e somente só da música que você faz, sem a necessidade dos tapinhas nas costas, depois do show, mesmo que não tenham gostado. Será sempre um aprendizado e um norte para avaliação imparcial do que você propõe musicalmente, pois não cabe a ilusão do compadrio. Além disso, o contato com outras culturas é uma experiência de vida e aprendizado, que fortalecem e ressignificam a importância da música, enquanto arte que conecta quando verdadeira e não apenas pelo propósito.

082- Quem são os seus parceiros alagoanos e de outros lugares?

Mácleim – Não sou um cara de muitas parcerias no exercício de criar canções. Gosto do fazer solitário, talvez, porque sempre trago para mim a responsabilidade do que faço. Porém, as que tenho são poucas e boas! Na verdade, o meu entendimento do que seja ter parceiros e parceiras é bem amplo. Por exemplo, todos e todas que estão envolvidos na realização do meu próximo show, na abertura do Festival de Inverno do Café do Sobrado, são parceiros e parceiras atuais e imprescindíveis. Aliás, a música é uma das poucas artes abertas ao coletivo. Ela possibilita que vários outros protagonistas agreguem imenso valor ao que propomos. Quando essa ficha caiu, descobri que tenho um infinito mar de parcerias e possibilidades. Porém, sendo mais objetivo à sua pergunta, ao produzir o álbum ‘Esses Poetas’, tornei-me parceiro do Jorge de Lima, Lêdo Ivo, Jorge Cooper, Gonzaga Leão, Edvaldo Damião… então, posso dizer que estou muitíssimo bem de parceiros.

Em estúdio | Reprodução
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