Em agosto de 2024, o atleta Diogo Silva perdeu na semifinal do taekwondo dos Jogos Olímpicos da Grécia, mas aproveitou o momento, até então nunca antes alcançado na modalidade pelo Brasil, para mandar um recado.
Ele vestiu uma luva preta e ergueu o punho, repetindo o histórico gesto dos Panteras Negras, o grupo ativista do movimento negro dos Estados Unidos. O mesmo gestou havia sido realizado anteriormente pela dupla de atletas estadunidenses John Carlos e Tommie Smith nos Jogos da Cidade do México, em 1968.
Na época, a pauta do protesto do lutador brasileiro foi a falta de estrutura para o taekwondo na Grécia. Desde então, a modalidade cresceu e, paralelamente, também cresceu o incentivo ao esporte.
Também há 20 anos, o primeiro governo Lula criou o programa que, por meio do Ministério do Esporte, se tornaria um dos mais importantes do mundo em termos de apoio individual aos esportistas, o Bolsa Atleta.
Se o protesto do atleta e a criação do programa são causa e consequência não se sabe, mas ficou a ligação no tempo e na história, que também marca a trajetória de Diogo.
“Eu fui um dos beneficiados, entrei no programa em 2005. Ver o crescimento desse programa e sua manutenção é um motivo de muito orgulho”, pontua ele.
Crucial para a carreira de Diogo e para a de muitos outros atletas brasileiros, o governo federal anunciou, em julho, o primeiro reajuste do programa em 14 anos, e deu um aumento de cerca de 10,8% dos valores da Bolsa Atleta. Para o ícone do esporte brasileiro, a iniciativa fez sucesso lá atrás e faz história hoje.
“O Programa Bolsa Atleta é o maior programa de transição de renda. É a Bolsa Família do Esporte. Sem essa renda, muitos atletas já teriam encerrado suas carreiras. A gente não ia ver 50% do que está vendo nos Jogos Olímpicos de Paris, porque esses atletas não iam conseguir treinar, competir e nem sequer manter a sua vida, sustentabilidade e cidadania. Porque, tirando o bolsa atleta, poucas instituições remuneram os atletas”, defende.
A delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Paris tem 277 atletas em 39 modalidades. OTime Brasil tem maioria feminina pela primeira vez na história: são 153 são mulheres, o que representa 55% do total. É a terceira maior delegação olímpica brasileira, atrás apenas da Rio 2016 e Tóquio 2020 e empatada com Pequim 2008.
Medalhista pan-americano e representante brasileiro em duas edições dos Jogos Olímpicos, Diogo Silva é o atual coordenador-geral de Esporte de Base e de Alto Desempenho no Ministério do Esporte. Ele conversou com o Bem Viver, programa do Brasil de Fato, sobre o cenário esportivo atual, especialmente com as Olimpíadas de Paris de 2024.
Dentre os destaques, a campanha histórica das atletas negras brasileiras na conquista de medalhas. Sobretudo da Rayssa Leal no skate, Rebeca Andrade na ginástica, Rafaela Silva e Beatriz Souza no judô. As quatro são beneficiadas pelo programa Bolsa Atleta.
“Ver essas quatro mulheres vencendo com medalha no peito, do topo da cadeia do esporte, e automaticamente, assim que voltarem para o Brasil, elas estarão representando o que a gente tem de melhor. Isso é um fenômeno que só o esporte consegue provocar”, pontua ele, que também fala sobre o combate ao racismo no esporte.
“O esporte é o rompimento [do racismo], porque a partir do momento que aquela pessoa vence, ela ganha, se torna exemplo, fica difícil não indicá-la, não entrevistá-la, não dar a maior premiação a ela. Ela deixou de ser invisível. E se ela tem um posicionamento crítico, se tem um olhar social, quando essa pessoa falar vai provocar uma reação em cadeia a todos aqueles que não têm voz. É assim que a gente vai subindo. A minha geração conseguiu alcançar um determinado patamar, que a gente pretende que essa próxima geração alcance mais”.
Em Paris, os passos, ou melhor, os punhos erguidos do atleta brasileiro e dos estadunidenses seguem gerando frutos na luta por justiça social e contra violência seja racial, de gênero ou mortal.
O que Diogo chama de “manifestos silenciosos” têm marcado a edição dos Jogos Olímpicos na França. Como a camisa do atleta e porta-bandeira da Palestina, que representou em um bordado a guerra contra os palestinos, e o gesto da atleta do boxe do Congo, que também denunciou um genocídio que está acontecendo no seu país.
“Quando eu fiz aquele manifesto nos Jogos de Atenas, em 2004, era uma continuação de John Carls e Tom Smith, em 1968, e hoje já estou vendo essa continuação em Paris em 2024. Essas manifestações nunca vão acabar, porque enquanto no mundo houver diferenças, as pessoas vão estar gritando”, afirma ele.