terça-feira 3 de dezembro de 2024

O Urbanismo “The Beverly Hills” de Maceió!

Ao optar pela plantação de grama em uma área de restinga, sem os devidos estudos paisagísticos (onde estão?), a prefeitura ignora as fragilidades desse ecossistema e suas características únicas
Foto: Assessoria

Por Dilson Ferreira*

O belo artigo da bióloga Neirevane Nunes, publicado neste veículo, me fez refletir novamente sobre a área de restinga do Pontal da Barra, em Maceió. Como um conhecido “Defensor da Restinga”, não poderia deixar esse debate passar em branco.

O cenário descrito no artigo de Neirevane sobre as gramas plantadas sobre a areia evidencia uma série de falhas tanto no planejamento da prefeitura de Maceió quanto na execução da obra na orla do Pontal.

Ao optar pela plantação de grama em uma área de restinga, sem os devidos estudos paisagísticos (onde estão?), a prefeitura ignora as fragilidades desse ecossistema e suas características únicas. É o que chamo de urbanismo “The Beverly Hills”, onde a regra é criar paisagens artificiais com vegetação exótica.

Impactos Técnicos e Agronômicos

Como Neire bem descreve, a vegetação nativa da restinga é composta por plantas adaptadas às condições adversas de salinidade, ventos fortes e solos arenosos. Essa vegetação retém sedimentos marinhos, fixa a areia e forma dunas, atuando como uma barreira natural contra a erosão e contribuindo para o equilíbrio ecológico de todo o bioma. A região do Pontal possui restinga viva, que recebe influência tanto da Lagoa Mundaú quanto do mar.

A grama-esmeralda (Zoysia japonica) até pode ser utilizada em áreas costeiras, mas não substituindo a restinga e a vegetação nativa. Geralmente, ela é usada em casas de praia, praças com sistema de irrigação e em situações específicas. Plantá-la em áreas com influência direta do mar é decretar sua data de validade. Sua sobrevivência e crescimento são mínimos sem irrigação constante e cuidados adequados.

Necessidades Hídricas e Custos

Para que essa grama se estabeleça, é necessário um regime de irrigação constante, especialmente com a proximidade do período de estiagem. A irrigação por aspersão ou microaspersão seria a técnica mais indicada, mas ambas exigem grande quantidade de água.

Estima-se que, para a manutenção da grama, seja necessário de 6 a 8 litros de água por metro quadrado por dia. Considerando a área total da intervenção no Pontal, isso representa milhares de litros diários, o que aumenta significativamente os custos operacionais. Como será feita essa manutenção?

Além disso, como o projeto foi iniciado no começo do período de seca, a necessidade de irrigação se torna ainda maior. Isso envolve não só o uso de recursos hídricos, mas também custos logísticos com o transporte de água para a área, especialmente porque não há um sistema de irrigação automatizado no local. Ou haverá? De onde virá a água para evitar que a grama seque?

Custos de Manutenção

O custo de manutenção de gramados em áreas urbanas, considerando irrigação, adubação e corte, varia entre R$ 5,00 e R$ 8,00 por metro quadrado por mês, dependendo do caso. Em áreas com condições ambientais desfavoráveis, esses custos podem aumentar em até 50%, devido à necessidade constante de reposição das placas de grama mortas e de tratamentos para garantir a sobrevivência em solos de baixa fertilidade e alta salinidade, como é o caso do Pontal da Barra.

Desafios

A ação dos ventos, da salinidade e das altas temperaturas sobre a camada de terra vegetal e a taxa de sobrevivência da grama serão determinantes para o fracasso ou sucesso desse projeto. O plantio de grama nessa área de restinga não só demonstra desconhecimento ambiental dos idealizadores, mas também um desprezo pela nossa riqueza natural.

Mesmo que, hipoteticamente, o projeto funcione (o que acho improvável), seria um desperdício de dinheiro público, com altos custos de manutenção e pouca viabilidade técnica.

A boa notícia é que, em breve, as sementes e plântulas de restinga devem emergir, usando a areia preta, a pouca água de irrigação e a grama plantada como substrato para ressurgirem no Pontal.

Em breve, podemos ter um parque de restinga eliminando esse “Urbanismo Beverly Hills”.

Cadê a Maceió Cidade Restinga de Ivan Fernandes Lima?

*É arquiteto, urbanista e professor da Ufal, mestre e doutor em meio ambiente.

Leia mais: Grama em área de Restinga é retrocesso e desperdício de dinheiro público

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2 Comentários

  • área de restinga é considerada APP “ Área de Preservação Permanente “ como a Prefeitura está fazendo esta lambança?

  • A área de restinga é considerada APP “ Área de Preservação Permanente “ como a Prefeitura está fazendo esta lambança? Ninguém para embargar ?

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