7 de novembro de 2024 11:46 por Da Redação
Por Geraldo de Majella*
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é a entidade responsável por regulamentar e fiscalizar a advocacia no Brasil, com um papel essencial na defesa do Estado Democrático de Direito. Suas principais funções incluem:
- Defesa da Constituição e do Estado de Direito: a OAB atua para preservar a ordem jurídica e os princípios constitucionais, defendendo direitos humanos e liberdades individuais e intervindo em questões de interesse público, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF).
- Fiscalização da Advocacia: a OAB assegura que somente profissionais qualificados exerçam a advocacia, garantindo o cumprimento dos padrões éticos e técnicos da profissão.
Essas funções fazem da OAB uma instituição indispensável para a justiça e a democracia, reforçando a defesa dos direitos sociais e o fortalecimento do sistema jurídico.
Entretanto, a OAB-AL tem mantido uma postura de indiferença diante da grave crise que afeta mais de 60 mil pessoas em Maceió, vítimas do afundamento de cinco bairros causado pela exploração criminosa do sal-gema pela mineradora Braskem. A tragédia veio à tona em 3 de março de 2018, após um terremoto de magnitude 2,5, que revelou os danos em série provocados pela empresa. Embora a OAB-AL tenha feito algumas intervenções pontuais, faltaram ações efetivas.
A defesa dos direitos dos moradores afetados pela Braskem tem sido tratada pela OAB-AL como uma “parceria” com a Prefeitura de Maceió, dando a impressão de que a tragédia fez com se abrisse “uma janela de oportunidades”. Em 29 de abril de 2021, a assessoria de comunicação da OAB-AL divulgou um release com o título: “Parceria entre Prefeitura de Maceió e OAB/AL leva apoio jurídico a moradores de bairros destruídos pela Braskem. Parceria busca garantir acesso dos moradores de áreas afetadas à Justiça.”
Em 28 de abril, os então presidente e vice-presidente da OAB-AL, Nivaldo Barbosa e Vagner Paes, reuniram-se com Ronnie Mota, coordenador do Gabinete de Gestão Integrada (GGI) para enfrentamento dos impactos do afundamento dos bairros. Durante a reunião, Ronnie Mota afirmou: “A Ordem sempre foi um instrumento combativo a favor da sociedade. Em todos os momentos importantes da história há a participação dela cobrando garantias para os menos favorecidos, e quando o presidente sinalizou a possibilidade de uma participação nesse sentido, nós, como representantes do município, temos que buscar a construção de um instrumento que possibilite acesso à Justiça aos atingidos pelo afundamento”.
O presidente da OAB, Nivaldo Barbosa, seguiu na toada e declarou: “Essa parceria com a Prefeitura de Maceió vai proporcionar muitos benefícios para a população dos bairros atingidos pelo afundamento do solo. Em breve iniciaremos os atendimentos para tirar dúvidas, orientar e encaminhar os problemas para uma solução rápida.”Entre o início de 2020 e o final de novembro de 2023, a Braskem já desembolsou R$ 166,9 milhões em honorários advocatícios para os profissionais que representaram os moradores dos bairros de Maceió afetados pelo afundamento de solo, resultado da exploração de sal-gema no subsolo da cidade. Esse montante reflete o acordo promovido entre os advogados e o representante da Prefeitura de Maceió.
No entanto, mesmo após seis anos do desastre, os direitos fundamentais das vítimas — como moradia digna, apoio à saúde mental e indenizações justas — seguem desamparados pela OAB-AL. Esse abandono é especialmente grave considerando que o crime já resultou na remoção de 60 mil famílias, em 16 suicídios, no fechamento de mais de 4 mil empresas e no impacto direto sobre dezenas de escolas públicas e privadas.
A direção da OAB optou por não se envolver na defesa das vítimas, priorizando a manutenção de uma “parceria” com os responsáveis pelo desastre. Essa postura tem contribuído para invisibilizar as vítimas, mas sem sucesso: elas resistem, enfrentando um cenário de isolamento e pressão constantes.
A história está registrando cada passo desse conflito, revelando o sofrimento das vítimas e a atuação dos responsáveis por essa situação, entre os quais se destaca a OAB. Reuniões vazias e interesses inconfessáveis não mudarão o julgamento histórico: esses agentes não aparecerão bem na fotografia, e a história os condenará.
Em 11 de março de 2024, o atual presidente da OAB-AL, Vagner Paes, reuniu-se com o senador Rodrigo Cunha (Podemos), o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (CREA/AL), o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado (DPE) e outros órgãos para tratar da situação dos bairros.
No entanto, a declaração do presidente Vagner Paes enviada pela assessoria de comunicação da OAB-AL à imprensa foi vaga e descompromissada:
“Estamos aqui reunidos para buscar uma maneira de ser útil diante dessa situação. Falo em nome da advocacia alagoana, para me colocar à disposição, com a intenção de contribuir com a CPI da Braskem e, mais do que isso, pensando em como podemos melhorar a vida das pessoas atingidas. Devemos somar forças, apurar o que deve ser apurado, responsabilizar quem deve ser responsabilizado e, principalmente, pensar no legado que a CPI da Braskem pode deixar para o Brasil”.
O senador Rodrigo Cunha reforçou o tom evasivo: “Vocês estão dando uma grande contribuição a um trabalho que está sendo feito e acompanhado pelo Brasil inteiro. Na expectativa do que vai acontecer com a CPI, confesso que o meu interesse está nas pessoas que já saíram de suas residências, deixaram seus locais de vida e nas que ficaram nas regiões próximas. Isso é o que me move e acredito que é o que move muitas pessoas que estão aqui.”
Janela de oportunidade
O direito ao trabalho é sagrado para advogados e para qualquer profissional. No entanto, a OAB tem responsabilidades programáticas e legais que não vem cumprindo com todos esperam. Não pretendo — e nem desejo — condenar os advogados que prestaram serviços à Braskem; o ponto crucial aqui é a postura da direção da instituição.
Desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, este talvez seja o pior momento da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas. A história da OAB é marcada por episódios de glória e também de vergonha, como em 1964 e nos anos subsequentes, quando a entidade apoiou a ditadura civil-militar. Entre os momentos de orgulho, estão a luta pela redemocratização, a campanha pelas eleições diretas para presidente e o combate à violência, liderados por advogados destemidos. Destaco aqui apenas um desses bravos nomes: o professor Marcelo Lavenère Machado.
*É historiador e jornalista