quarta-feira 2 de abril de 2025

O Brasil real e o mercado

O enredo de crise iminente, colapso fiscal e descontrole inflacionário não encontra respaldo nos atuais fundamentos da economia brasileira

14 de fevereiro de 2025 3:05 por Da Redação

Reprodução

Por Reynaldo Rubem Ferreira Junior

Em janeiro de 2023, escrevi um artigo neste espaço (Perspectivas de desenvolvimento para o Brasil- Blog 082 Notícias) no qual alertava para os riscos de o governo se submeter à chantagem do mercado financeiro. Concluí o artigo afirmando: “Transitar da política amigável aos interesses do mercado financeiro, adotada até então, para uma que contemple o bem-estar da maioria da sociedade não será fácil. Mas estou convencido de que as perspectivas de desenvolvimento econômico, social e ambiental para o Brasil dependerão do sucesso de tal transição…”.

Hoje, essa convicção se mantém. O Brasil real não se enquadra na narrativa dos operadores do mercado financeiro, amplificada pela mídia corporativa, e alcançou avanços significativos quando comparado às expectativas do início de 2024. Vejamos.

A economia brasileira em 2024 teve um desempenho acima do esperado, evidenciando uma desconexão entre os dados concretos e a narrativa do mercado financeiro. O crescimento do PIB foi revisado de 1,55% em janeiro para 3,5% em dezembro. As projeções para o setor de serviços passaram de 1,7% para 3,8%, enquanto a indústria cresceu 3,1%, superando a previsão inicial de 1,75%. A agropecuária, por outro lado, deve recuar 2,1%, impactada por fatores climáticos e ajustes no mercado de commodities.

O consumo das famílias cresceu 5,0%, bem acima dos 1,9% esperados, impulsionado pela queda do desemprego, pelo aumento da renda real e pelas políticas sociais. Os investimentos avançaram de 1,4% para 6,6%, indicando maior confiança dos agentes econômicos.

No comércio exterior, o Brasil manteve um superávit sólido, apesar do aumento das importações. As exportações cresceram 4,0%, superando a projeção inicial de 2,7%, enquanto as importações subiram 13,7%, bem acima dos 2,0% esperados. Esse movimento reflete o dinamismo da demanda interna, impulsionado pelo consumo e pelos investimentos em bens de capital e insumos produtivos. O saldo comercial aumentou de US$ 70,5 bilhões para US$ 74,3 bilhões. No entanto, o déficit em conta corrente se aprofundou, passando de -US$ 40,3 bilhões para -US$ 51,9 bilhões, reflexo da maior demanda interna e do aumento das remessas de lucros ao exterior.

O mercado de trabalho apresentou resultados positivos, com a taxa de desemprego caindo de 8,2% para 6,0%. A massa salarial real cresceu de R$ 305,1 bilhões no trimestre encerrado em janeiro para R$ 332,6 bilhões no trimestre encerrado em outubro, um aumento de 9,0%. Esse crescimento reforçou o consumo das famílias e impulsionou os setores de serviços e comércio. O aquecimento do mercado de trabalho e o aumento da renda real contrastam com a retórica do mercado financeiro, que persistiu em prever uma desaceleração da economia e riscos inflacionários exagerados.

A inflação permaneceu controlada, embora acima da banda superior da meta de 4,5% ao ano. O IPCA acumulado em 12 meses subiu de 3,9% para 4,9%, e a expectativa inflacionária para os próximos 12 meses também passou de 3,8% para 4,9%. A política monetária, no entanto, seguiu uma trajetória desalinhada com o desempenho da economia real, alimentada por uma narrativa de descontrole fiscal. O Banco Central elevou a taxa Selic de 9,0% para 12,25% em dezembro e para 13,25% em 29 de janeiro de 2025, alegando desancoragem das expectativas inflacionárias e risco fiscal. Esse movimento tende a restringir o crédito, encarecer os investimentos e penalizar setores produtivos, como já demonstrado pelas queixas de empresários de diversos segmentos, enquanto continua beneficiando o setor financeiro, que lucra com os rendimentos da dívida pública.

No âmbito fiscal, os dados de 2024 indicam uma trajetória de ajuste e cumprimento do arcabouço fiscal. A dívida bruta do governo geral recuou de 78,71% para 76,1% do PIB, enquanto a dívida líquida do setor público caiu de 64,45% para 61,2% do PIB. O déficit primário do Governo Central foi de R$ 11,032 bilhões, ou 0,09% do PIB, cumprindo a meta fiscal estabelecida. O déficit acumulado do Governo Central até dezembro ficou em R$ 11 bilhões, significativamente inferior aos R$ 230,5 bilhões registrados em 2023. Apesar dessa melhora, o mercado insiste em enfatizar riscos fiscais, desconsiderando a recuperação das contas públicas e a trajetória sustentável da dívida.

Para agravar o cenário, o mercado projeta que a taxa Selic encerrará 2025 em 15,0% ao ano, atingindo esse patamar já em maio, com dois aumentos de 100 pontos-base e dois de 25 pontos-base. A postura conservadora do Banco Central (hawkish) resultará em uma taxa Selic real de 10% ao ano em 2025, mais que o dobro da taxa de longo prazo necessária para manter a inflação estável, segundo economistas do próprio mercado financeiro.

A análise das médias móveis trimestrais do IBC-Br revela uma tendência de desaceleração persistente da economia brasileira, sugerindo que os efeitos combinados da política monetária restritiva e da ausência de novos estímulos fiscais podem comprometer o crescimento no curto prazo e dificultar a implementação da política industrial, que busca, por meio do fortalecimento do sistema de inovação, retirar o Brasil da armadilha da renda média.

O enredo de crise iminente, colapso fiscal e descontrole inflacionário não encontra respaldo nos atuais fundamentos da economia brasileira. Assim, não concluir a transição mencionada no início do artigo poderá comprometer o desenvolvimento inclusivo e sustentável, impondo à sociedade o alto custo de preservar os interesses do setor financeiro e perpetuar a estagnação econômica e social.

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