
Por Neirevane Nunes*
A crescente urbanização da zona costeira no Brasil tem sido vista com preocupação por especialistas em relação aos impactos ambientais, especialmente em cidades onde a especulação imobiliária avança de forma acelerada, sem planejamento, ordenamento e controle social, necessários como é o caso de Maceió.
A construção de edifícios altos, como os planejados para a Lagoa da Anta, exemplifica os impactos do sombreamento urbano sobre os ecossistemas locais. Neste sentido, é preciso refletir sobre os efeitos da verticalização urbana e os limites necessários para garantir a proteção das zonas costeiras e sua biodiversidade.
O sombreamento ocorre quando edificações como prédios altos, bloqueiam a incidência direta de a luz solar em determinada área. Esse fenômeno acontece devido a um princípio básico da Física chamado de propagação retilínea da luz, isso porque a luz viaja em linha reta até encontrar um obstáculo.
A construção de cinco prédios de 15 andares na Lagoa da Anta, na Jatiúca, pode ter impactos importantes relacionados à formação de sombras, afetando tanto o ambiente natural quanto a dinâmica urbana, então isso pode alterar a temperatura, a umidade e o equilíbrio dos ecossistemas locais.
Considerando que cada prédio desses com 15 andares, tenha aproximadamente entre 45 a 48 metros de altura, a formação de sombras seria significativa ao longo do dia.
Impacto sobre a fauna marinha
Apesar dessa área próxima à Lagoa da Anta não possuir barreira de corais, o sombreamento pode afetar diretamente a fauna de praia, macro e meiofauna, plâncton e algas. Assim poderíamos esperar os seguintes impactos:
- Redução da fotossíntese: a luz solar é essencial para a fotossíntese das algas e fitoplânctons, base da cadeia alimentar aquática. Também poderá atingir diretamente a vegetação de restinga em processo de recuperação no local adjacente a área ocupada atualmente pelo Hotel Jatiúca.
- Alteração da temperatura da água: a sombra pode reduzir a incidência de calor em algumas áreas e modificar a temperatura da água, afetando o metabolismo e a distribuição de organismos aquáticos.
- Mudança no comportamento de espécies: muitos organismos aquáticos dependem da luz para orientação e reprodução. A sombra pode afetar a mobilidade, alimentação e a biodiversidade local.
- Em contraponto ao sombreamento, a iluminação noturna proveniente das torres e áreas abertas (entorno das edificações, estacionamentos e pátios), terá potencial para interferir no comportamento reprodutivo das tartarugas marinhas que desovam na região durante a noite, além de causar desorientação dos filhotes no momento crucial de seu nascimento quando devem tomar direção ao mar.
Sabe-se que a iluminação artificial os atrai propiciando exposição a predadores urbanos e mortes por atropelamentos e interações com animais domésticos.

Outros impactos ambientais
- Erosão costeira: construções próximas ao mar podem alterar a dinâmica dos ventos e das correntes, acelerando a erosão e modificando o perfil da linha de costa.
- Perda de biodiversidade: o desaparecimento de habitats naturais leva à redução ou migração de espécies.
- Aumento de fenômenos extremos: mudanças no microclima, como a intensificação de ilhas de calor numa região que já é carente de arborização e já sente os efeitos desse fenômeno e alteração do regime de chuvas.
- Desenvolvimento de organismos oportunistas: com o desequilíbrio ecológico, algumas espécies podem se tornar predominantes, afetando o equilíbrio do ecossistema, como fungos.
Consequências da verticalização na zona costeira de outras cidades
- Balneário Camboriú (SC): o excesso de prédios altos próximos à orla criou uma sombra permanente sobre a faixa de areia, afetando a dinâmica natural da praia.
- Orla do Rio de Janeiro (RJ): algumas áreas da cidade enfrentam problemas de sombreamento, impactando a ventilação e contribuindo para o aquecimento urbano.
- Recife (PE): o exemplo da Praia de Boa Viagem e outras áreas da zona costeira onde a construção desordenada afetou os manguezais e contribuiu para o processo de erosão.
- Salvador (BA): o crescimento vertical da cidade de Salvador levou à construção de prédios altos próximos à praia, especialmente em bairros como Barra, Ondina, Pituba, e Jardim de Alah. Inclusive, Arquitetos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) realizaram um estudo sobre o impacto de um empreendimento de 15 a 16 andares, planejado para a Praia do Buracão. A pesquisa revelou que tal construção causaria sombreamento na praia em todas as estações do ano, com maior incidência entre 9h e 15h durante o inverno.

É importante ressaltar que são necessários estudos de campo para se ter uma maior compreensão sobre as dimensões dos impactos, como estudos de simulação da sombra ao longo do ano. Além disso, precisamos avaliar a situação da orla de Maceió como um todo, pois o problema do sombreamento já está presente em várias regiões da orla.
Reafirmamos que a prioridade no momento é debater e aprovar o novo Plano Diretor, cuja proposta está pronta desde o ano passado e garantir o cumprimento do ordenamento orientado tanto pelo Plano Diretor e o PGI. E especificamente sobre a Lagoa da Anta também deve se fazer cumprir o que foi estabelecido tanto pelo PGI como pelo Plano Diretor que foi a devolução dessa área ao município.
*Bióloga e doutoranda do Sotepp/Unima