15 de abril de 2025 10:30 por Vanderlei Tenório
Houve um tempo em que “Os Excêntricos Tenenbaums” era, sem hesitação, o meu filme favorito do Wes Anderson. E não só pela estética — embora as paletas de cores cuidadosamente pensadas, os movimentos de câmera rigorosamente coreografados e a trilha sonora melancólica ajudassem a criar um universo irresistivelmente único.
O que me tocava, acima de tudo, era o desalinho humano que habitava aquele mundo simétrico. Havia uma tristeza bonita, difusa e persistente, que se insinuava por trás da excentricidade dos personagens e da perfeição dos enquadramentos. Uma dor reconhecível, embalada num charme visual. E havia Gene Hackman, claro — numa atuação que é, ao mesmo tempo, ferida e ferina, como se ele condensasse, num único gesto, toda a disfuncionalidade da família Tenenbaum.
Com o tempo, “Viagem a Darjeeling” foi tomando esse lugar no meu afeto. Talvez por falar de irmãos que tentam se reconectar, mesmo sem saber exatamente por quê. Um trio de luto — pela mãe, pelo pai, por eles mesmos. O filme é atravessado por uma espiritualidade que beira o clichê, mas que, paradoxalmente, soa sincera. É um filme sobre deslocamento — físico, emocional, simbólico — e sobre a delicada tentativa de se religar ao outro. E a si mesmo.
Entre esses dois marcos, deixei-me afetar por outras paisagens e sentimentos: a ternura delicadamente ilustrada de “Moonrise Kingdom”, com seu primeiro amor desenhado em tons pastéis; a inteligência ácida e sagaz de “O Fantástico Sr. Raposo”, que usa a animação em stop-motion para falar de classe, desejo e inadequação com uma leveza desconcertante; e o monumental — e já clássico do cinema — “O Grande Hotel Budapeste”, que costura farsa e elegia com um senso de fim: o fim de uma Europa, de uma inocência, de uma era. Cada filme, à sua maneira, parecia abrir uma nova janela — ou, no mínimo, levantar uma cortina diferente — para o mesmo palco encantado, onde Wes Anderson encenava seu teatro de melancolia.
Ainda tenho simpatia por “A Crônica Francesa” — uma carta de amor dispersa, sim, mas com lampejos de brilho e um olhar afetuoso sobre o jornalismo e a arte de contar histórias.
Também reservo elogios aos curtas inspirados em Roald Dahl feitos para a Netflix, que, talvez por seguirem outras regras do jogo, escapam do piloto automático e surpreendem pela síntese e invenção. Esses, sim, merecem aplauso.
Mas “Asteroid City”… não. Esse me escapa. Não me atravessa, não me mobiliza, não me deixa rastro. E não é por falta de qualidades: a direção de arte é impecável, a estrutura narrativa engenhosa, e os temas — luto, alienação, simulacro — são relevantes. Mas tudo soa excessivamente autoconsciente, como se o filme estivesse mais preocupado em parecer um “filme do Wes Anderson” do que em pulsar como cinema vivo. Como se tivesse sido concebido já pensando no making of, nos stills para o Instagram, nas camisetas com frases de efeito da Chico Rei.
“Asteroid City” evidencia uma sensação que já vinha crescendo em mim: o estilo, que antes era marca de poesia e profundidade, virou uma defesa. Uma camada de beleza que afasta o desconforto e bloqueia a surpresa. O cinema, que antes era um canal de emoção genuína, tornou-se meramente decorativo. E o que é o cinema sem a coragem de arriscar, de falhar, de se abrir ao novo?
A história, centrada na convenção anual dos Junior Stargazers em 1955, funciona como um alerta. O filme é um espetáculo visual impressionante, mas emocionalmente estéril. A direção de arte de Adam Stockhausen brilha — talvez até demais. O roteiro de Wes Anderson e Roman Coppola parece ter sido escrito às pressas, entre uma prova de figurino e outra. Tudo é tão meticulosamente planejado que sufoca. A estética, que antes encantava, virou uma carapaça: impecável por fora, mas vazia por dentro.
E agora, com o trailer de “O Esquema Fenício”, vem a confirmação: o cinema do Wes entrou oficialmente na sua fase “Pinterest”. Tudo é bonito, tudo é simétrico, tudo é coeso, tudo é… Wes Anderson. Mas e aí? O estilo, que um dia foi assinatura, virou caricatura — um estilema repetido à exaustão, feito para ilustrar editoriais da The Hollywood Reporter ou alimentar Reels de perfis indie no Instagram.
Os personagens? Variações do mesmo molde nostálgico. Os diálogos? Lapidados ao ponto de parecerem slogans de ecobag. Os exageros cenográficos? Já foram charme — agora são muleta. A sensação? A de estar preso num déjà-vu cinematográfico onde tudo é bonito, mas nada é novo. Uma repetição graciosa, porém, exaustiva.
E é justamente por ser fã que esse desencanto dói mais. Não se trata de desprezo gratuito nem de má vontade — muito pelo contrário. É o cansaço de quem acompanhou com entusiasmo cada novo filme, defendeu o estilo quando diziam que era só artifício, e que agora assiste, quase resignado, à repetição automatizada de uma fórmula. O que antes me surpreendia, agora apenas se repete — como se a magia tivesse virado um algoritmo de design em algum prompt genérico.
A verdade é que Wes Anderson parece hoje preso num looping estético, onde o maior risco é desalinharem o centro geométrico do enquadramento. E quando o maior medo de um cineasta é sair do eixo visual, talvez seja hora de parar. Respirar. Errar. Desordenar. Porque, no fim das contas, não basta ser bonito. O cinema, mesmo quando abraça a beleza, exige desconforto. Exige risco. Exige vida.