17 de outubro de 2020 9:54 por Geraldo de Majella
A ilha do Ferro é uma comunidade com 450 habitantes, do município de Pão de Açúcar (AL), cidade à beira do rio São Francisco e distante 230 km de Maceió, e a 18 km da sede do município. O principal capital dessa comunidade ribeirinha é o artesanato de madeira aproveitada da caatinga e o bordado Boa Noite, feito utilizando tecido desfiado: a primeira etapa consiste em desconstruir a trama, abrindo caminhos para o tecido receber os pontos do bordado. É único e inigualável no Brasil.
Esses dois tipos distintos de artesanatos nas últimas décadas transformaram a vida de dezenas de artesãos, adquirindo prestígio e fama no Brasil e internacionalmente. Mas nem sempre foi assim como se apresenta atualmente. A desvalorização, o esquecimento e um quase confinamento eram a dura realidade da comunidade. O processo de revitalização e a visibilidade ganha não foram uma obra do acaso, mas devido a terem sido inseridos no mapeamento dos saberes das comunidades brasileiras iniciado no governo Fernando Henrique Cardoso. À frente do programa Comunidade Solidária estava a antropóloga e primeira-dama, Ruth Cardoso.
Ruth Cardoso presidiu o Conselho do Programa Comunidade Solidária de 1995 a 2002, e de maneira clara e objetiva ajudou a definir os rumos do programa com a seguinte concepção: “combater a pobreza não é transformar pessoas e comunidades em beneficiários passivos de programas sociais. Toda pessoa tem habilidades e dons. Toda comunidade tem recursos e ativos. Combater a pobreza é fortalecer capacidades e potencializar recursos”.
É inegável que os resultados auferidos hoje são frutos da mobilização e de parcerias estabelecidas entre organizações não governamentais, universidades, empresas e governos para a construção e a difusão de programas sociais inovadores.
A organização da comunidade teve um fio condutor que foi a Cooperativa Art-ilha; esta uniu as mulheres. São elas que detêm a arte de bordar e os saberes que atravessam gerações no sertão alagoano, cujos instrumentos de trabalho são as tesouras, linhas e agulhas que fazem surgir nos tecidos sofisticadas composições.
O artista símbolo da ilha do Ferro é Fernando Rodrigues, falecido em 2008; suas peças são as mais conhecidas. Seu Fernando, como ficou conhecido e é chamando, foi um mestre que deixou discípulos como Valmir, Nan, Abelardo, Zé Tertulina, Vieira, Cristiano e Petrônio Farias, entre outros.
Os artistas plásticos Maria Amélia Vieira e Dalton Costa aportaram na ilha do Ferro e criaram a casa-galeria, um espaço para facilitar as pesquisas e a troca de informações entre os artistas. Para Maria Amélia, “os moradores do povoado sempre batem à porta para apresentar trabalhos novos e conversar sobre os progressos que têm feito”.
A Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), em parceria com o governo do Estado e a prefeitura de Pão de Açúcar, criou na gestão do reitor Jairo Campos o Espaço de Memória Artesão Fernando Rodrigues, aberto ao público no dia 15 de junho de 2017. “Hoje é um dia de emoção. Para mim é uma satisfação imensa ver o trabalho e tudo que meu pai já fez pela arte desse lugar sendo reconhecido e homenageado”, declarou a artesã Rejânia Rodrigues, filha de Fernando Rodrigues. O Espaço, além de abrigar a produção dos artistas locais, é também um pequeno museu.
A ilha do Ferro é a maior concentração de artistas por metro quadrado de Alagoas.