11 de dezembro de 2020 5:39 por Geraldo de Majella
Toinho Pescador: um poeta de Penedo é uma obra trabalhada a quatro mãos, a partir dos originais manuscritos produzidos por Antônio Gomes dos Santos. Conta com a colaboração da professora Maria de Fátima Pereira de Sá na sistematização e formatação do livro, dando maior clareza ao texto, sem interferir no relato que compõe a história de vida e de lutas do pescador que é poeta, ativista ambiental, político no baixo São Francisco alagoano e autor do livro Pescando Cidadania (3ª edição, Maceió: Ed. Gráfica, 2016).
O encontro entre a acadêmica Maria de Fátima Pereira de Sá e o pescador é fruto da necessidade de aproximação do teórico com o mundo real, que vem estudando e trabalhando na bancada de laboratório na universidade. A professora expressa a sua intenção: “após alguns anos de estudos e análises matemáticas que explicavam a biologia do crescimento de peixes, senti vontade de unir conhecimentos adquiridos para, de alguma forma, pôr a serviço da pesca artesanal”. O contato mais próximo e constante, entre a acadêmica e o pescador, entrelaçou-os.
Antônio Gomes dos Santos é conhecido entre os seus conterrâneos de Penedo e região, assim como entre os ativistas ambientais e os pescadores, mas com este livro Toinho Pescador: um poeta de Penedo, o leitor e os pesquisadores terão uma melhor e mais ampla perspectiva das lutas de que participou, e do tempo e em que condições atuou.
A memória prodigiosa e a percepção do seu papel na história das lutas sociais de seu tempo é um dado significativo, talvez o mais significativo, pois não é fácil um ativista, militante da base, ter a noção do conjunto das lutas, sentir na alma as derrotas e manter-se firme diante do adversário. Talvez Seu Toinho não os trate como inimigos, por ser um cristão como poucos que pratica os ensinamentos bíblicos em meio à conjuntura política geral totalmente adversa. A fé e a consciência de classe o mantiveram de pé.
Muitos dos seus companheiros não aguentaram as agruras e abandonaram a luta coletiva; nem por isso esse pescador os recriminou. Seguiu na luta numa missão de fé, ou, se quisermos, no seu apostolado.
A religião, mais que isso, a fé, é um capítulo em sua vida. Em cada página do livro, a Igreja católica é a linha que cerziu e o formou como cidadão. São as organizações de base da igreja que o converteram numa liderança, e não só a ele, porém a muitos outros de seus companheiros, nem sempre pescadores, mas trabalhadores de outros ofícios, em geral, negros e pobres.
Frei Alfredo Schnuettgen, OFM, é para Seu Toinho uma referência de vida. Em 1968 têm início os trabalhos do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) em Olinda, arquidiocese cujo arcebispo era Dom Helder Câmara. Frei Alfredo é quem coordena os trabalhos nessa área. Só em 1976, oito anos depois, a CNBB reconhece a Pastoral dos Pescadores. Mas, desde o primeiro encontro, em Olinda, entre Seu Toinho e frei Alfredo nasce a amizade e uma profunda identificação entre ambos, tendo a causa dos pescadores como amálgama, além da fé na transformação, determinada pela compreensão do Evangelho.
A luta para organizar e conscientizar os pescadores liderados por Seu Toinho e com a participação de outros companheiros e algumas poucas companheiras é pontilhada de dissabores, incompreensões, perseguições políticas e ameaças de prisões. O trabalho persistente determina o grau de responsabilidade no processo de mobilização e organização da categoria em muitas cidades de Alagoas, quando a conjuntura política dá sinais de mudanças, pequenas e lentas mudanças, e as frestas vão se abrindo e clareando. É um sinal evidente de que a ditadura militar está a se esvair e as forças antiditatoriais no interior das Colônias de Pescadores de Alagoas e na sociedade civil acumulam pequenas vitórias.
Dirigentes que haviam sido impostos aos pescadores pelo regime militar são derrotados, como é o caso do quase eterno dirigente dos pescadores, sem que nunca tenha sido pescador, o ex-vereador José Sebastião Bastos (Bastinho), procurador de Estado e dirigente da Federação Alagoana de Futebol (FAF) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). O jogo começou a virar e a favorecer os pescadores; o grau de organização e participação aumenta e a representação dos pescadores de Alagoas se apresenta nos seminários e encontros. A década de oitenta é a década da virada: os pescadores vão participar do processo constituinte, reunindo-se com parlamentares e apresentando propostas originárias das bases de quem tem remado contra a maré.
A vitória institucional alcançada pelos pescadores em particular e pelos trabalhadores em geral se dá quando os constituintes incluem, depois de muita pressão dos movimentos sociais, no texto constitucional, o Capítulo II [DOS DIREITOS SOCIAIS]. O artigo 8º determina: “É livre a associação profissional ou sindical”. E nos incisos I a VIII, o Parágrafo Único diz: “As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer”. A Constituição Federal que nasceu de um amplo processo de lutas sociais liberta os sindicatos e as colônias de pescadores do intervencionismo estatal.
A trajetória de vida de Seu Toinho não seria tão exitosa se não tivesse a participação constante de Dona Luzinete, sua esposa e companheira de lutas e de toda a vida. O reconhecimento que Seu Toinho vem tendo em Alagoas, no Brasil e na Europa é fruto de saberes adquiridos na luta cotidiana e no convívio coletivo e pastoral, caminhando nas ruas, remando no São Francisco, indo aos presídios e vivenciando a vida nos bairros pobres da cidade.
Toinho Pescador: um poeta de Penedo é uma grande lição de vida e amor ao ser humano e à natureza.