30 de julho de 2021 12:19 por Marcos Berillo
Pe. Gilvan Gomes das Neves é Mestre e Doutor em Ciências da Religião pela UNICAP. E-mail: Gilvan.neves@uol.com.br.
No artigo passado ao tratarmos sobre nossas rezadeiras e benzedeiros discorremos sobre o conceito de Imaginário humano e o seu sistema simbólico: ferramenta necessária para se entender ao seu modo, o mundo natural e simbólico onde vive.
Outro conceito que nos ajudará a pensar as nossas rezadeiras(os) e benzedeiras (os) e sua prática é a teoria das Representações sociais que está intimamente ligada a questão do imaginário, enquanto formulação mental de realidades concretas. Para Wagner (1998, p. 3) uma representação é um “conteúdo mental estruturado (cognitivo, avaliativo, afetivo e simbólico) sobre um fenômeno social relevante, que toma foma de imagens ou metáforas, e que é conscientemente compartilhado com outros membros do grupo social”.
A representação nesse caso pode ou não ser social, de modo que suas variantes seriam as representações afetivas, líricas, educativas dentre outras. Pode-se portanto, entender representação como “uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, tendo um objetivo prático e concorrendo à construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 2001, p. 36). Tal perspectiva pode aliar-se a de que à representação seria o “conteúdo concreto apreendido pelos sentidos, pela imaginação, pela memória ou pelo pensamento”; é, em síntese, a “reprodução daquilo que se pensa” (FERREIRA, 1975).
Podemos afirmar, portanto, que uma representação não é apenas uma maneira particular de ver uma situação, a cultura, a pessoa ou objeto, mas é uma criação imaginativa, uma nova realidade para a mente que observa o elemento em questão. Para Abric (2001, p. 188) é “produto e processo de uma atividade mental pela qual um indivíduo ou um grupo reconstitui o real ao qual ele é confrontado e lhe atribui uma significação específica”.
E, ainda mais, mesmo que uma representação não seja social em sua expressão, ela o é em sua construção, dado que é parte de uma vivência essencialmente social. Segundo Spink (1993, s.p):
As representações sociais, sendo deferidas como formas de conhecimento prático, inserem-se mais especificamente entre as correntes que estudam o conhecimento do senso comum. Tal privilégio já pressupõe uma ruptura com as vertentes clássicas das teorias do conhecimento, uma vez que estas abordam o conhecimento como saber formalizado, isso é, focalizam o saber que já transpôs o limiar epistemológico, sendo constituídas por conjuntos de enunciados que definem normas de verificação e coerência. Em nítido contraste, as correntes que se debruçam sobre os saberes enquanto saberes, quer formalizados ou não, procuram superar a clivagem entre ciência e senso comum, tratando ambas as manifestações como construções sociais sujeitas às determinações sócio-históricas de épocas específicas.
Por conseguinte, pode-se entender que uma representação é necessariamente um saber, uma certeza, uma verdade sobre algo que se percebe. Assim, a representação encontra-se arraigada na vida comum do indivíduo, do coletivo do saber prático, da forma como os indivíduos sentem, assimilam, apreendem e interpretam o mundo dentro do seu cotidiano.
Portanto, as representações do imaginário social conforme foi expresso, são inúmeras e variáveis. A noção de cura, saúde, doença, mal, sofrimento, dor são algumas das representações que ocupam o imaginário dos agentes da benzeção: “o imaginário, aqui, é entendido como parte da representação, como tradução mental de uma realidade exterior percebida, que ultrapassa o processo mental e vai além da representação intelectual ou cognitiva” (LAPLANTINE; TRINDADE, 1997, p.25).
Nesse sentido, aquele que se submete a um tratamento ou submete a outrem, o faz por crer que o problema será resolvido no menor tempo possível, evitando transtornos e sofrimento. Assim, ritos, mitos e símbolos podem ser a mediação entre a alteridade de um mundo frequentemente misterioso e o mundo da intersubjetividade humana.
O benzedor e a benzeção, estão inseridos no contexto de representações e do imaginário como uma maneira de modificar (benzer) a realidade ce modo a transformá-la rapidamente em algo melhor. Para Queiroz e Puntel (1997, p. 81):
O benzimento apresenta um elemento ambíguo, principalmente quando ele se refere a problemas de adultos e é tratado por agentes ligados a centros espíritas ou da umbanda. Se há um crédito na eficácia do produto, ao mesmo tempo ele é considerado uma força fora de controle dos padrões morais da sociedade, uma vez que se pode dirigir tanto para o bem como para o mal.
A benzeção, como qualquer outra representação que altera a realidade, também tem o poder de criar uma nova realidade, um novo imaginário diante de uma situação.
Quando o paciente é uma criança, no entanto, o recurso ao benzimento é considerado perfeitamente legítimo e socialmente aceitável. Mesmo os que não acreditam muito na sua eficácia levam seus filhos para benzer, por via das dúvidas e pela pressão social favorável” (QUEIROZ; PUNTEL, 1997, p. 81).
O fenômeno religioso da benzeção, o benzimento em si e os benzedores(as) e rezadores(as) ocupam, portanto, um espaço simbólico ainda expressivo no cotidiano e embora se pretenda aqui analisar tal plausibibilidade, entende-se que tal fato representa uma forma de entender tal fenômeno, ou seja, entender essa possível busca de retorno às raízes naturais do homem, do seu contato com a natureza, o natural, de experimentar o cotidiano e gozar de saúde e estar em harmonia consigo e com todo seu imaginário.
Segundo Levi-Strauss (1967) se a prática religiosa é uma representação que dá significado ao benzido, também o são as feridas ou doença do que procura tal prática achando-se em estado de perturbação na ordem natural de compreensão e vivência do indivíduo.
Em suma, pode-se inferir do exposto que as realidades simbólicas existem, elas estão em constante processo de representação e atuam na construção de nosso imaginário. Sua eficácia depende de todo esse conjunto que funciona não dentro de uma lógica racional, mas, como fenômeno inserido simbolicamente em nosso cotidiano.
REFERÊNCIAS:
ABRIC, J. C. O estudo experimental das representações sociais. In D. Jodelet (Ed.), As representações sociais (pp. 155-171). Rio de Janeiro: UERJ, 2001.
FRANCO, M. L. P. B. Representações sociais, ideologia e desenvolvimento da consciência. Caderno Pesquisa, SP, vol 34, nº 121, Abril, 2004.
JODELET, Denise. As Representações Sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 2001.
LAPLANTINE, F.; TRINDADE, L. O que é Imaginário. SP: Brasiliense, 1997.
LEVI-STRAUSS. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967.
QUEIROZ, M.S.; and PUNTEL, M.A. A endemia hânsenica: uma perspectiva multidisciplinar [on-line]. RJ: Ed. FIOCRUZ, 1997.
SPINK, M.J.P. O Conceito de representação social na abordagem psicossocial. Caderno Saúde Pública, RJ, vol. 9, nº 3, set.,