3 de setembro de 2021 7:09 por Mácleim Carneiro
O tempo não é linear! “A linearidade do tempo é uma invenção Ocidental”, de acordo com a saudosa Lina Bo Bardi. E, como tal, invenção não significa descoberta. Por isso, as lembranças são cristalinas, a sensação é a mesma. Lembro-me, como se fosse hoje, da alegria de ter sido selecionado para fazer a abertura de um dos shows do Projeto Pixinguinha, em 1986. Naquela época, a participação de artistas locais, quando da passagem das caravanas do Pixinguinha, chamava-se “janela”. E como era apropriado esse nome… Por ela, vislumbrei inúmeras possibilidades. Quase todas de foro íntimo, quase sempre validadas pelas percepções intuídas em mim, que careciam de uma janela para se mirar. E lá estava ela, aberta de fora para dentro e, principalmente, de dentro para fora. A janela do Projeto Pixinguinha não era para ser pulada nem tomada de assalto. Era apenas uma bela janela, por ser ela, ao mesmo tempo, sala que se iluminava em convidados e anfitriões.
Shows no Teatro Deodoro, sempre lotado, foram os meus primeiros contatos ao vivo, com artistas brasileiros e suas criações maravilhosas. Hoje, grande parcela deles é referência da musicalidade deste país, catapultados que foram pela criatividade, talento, conteúdo poético-musical e, por que não, pelo Projeto Pixinguinha. Desde 1977, com um hiato de 7 anos, a essência do Projeto Pixinguinha foi mostrar ao Brasil, ‘que não conhece o Brasil’, o seu genuíno e melhor produto tipo exportação. Em paralelo, e isso não pode ser dimensionado, fomentou em músicos, intérpretes e compositores, aquela imprescindível vontade e certeza, às vezes adormecidas, de que é possível sim, de que através do Projeto Pixinguinha as possibilidades de fato existiam. E o que era melhor: na contramão da mediocridade.
Workshop de Sonhos
Da minha primeira participação, como janela, até a caravana de 2006 (a última do Projeto Pixinguinha), com o grupo vocal Nós Quatro e o músico mineiro Ezequiel Lima, percebi claramente que só um projeto como o Pixinguinha era capaz de proporcionar a inversão dos papeis. Dessa vez, era eu quem provava ser possível. Como aconteceu em São Leopoldo (RS), por exemplo. Lá, após o show, fizemos um workshop. A Celinha Vaz, com o Nós Quatro, fez uma bela demonstração de como se constrói arranjos vocais maravilhosos. O Ezequiel deu uma aula sobre contrabaixo, seu instrumento. Eu, falei sobre minha trajetória, minha construção diária, tijolinho por tijolinho. E depois… Bem, depois, aconteceu um momento que traduz com clareza uma das façanhas do Projeto Pixinguinha. Dois jovens me disseram que seus pais viviam pegando no pé deles, por causa da música, e que eles estavam dispostos a largar tudo e abandonar seus sonhos. Porém, depois do que viram e ouviram, não iriam mais abrir mão do que queriam ser. Iriam ser músicos, sim senhor!
Desconstrução
No entanto, aconteceu a desconstrução de tudo isso. Desafiando a lógica, de onde menos se esperava sair algo inútil, inutilmente aconteceu. Custou-me crer que a mediocridade de rapina não tinha mais limites. Desconsiderando toda uma história de acertos, construída por muitos, avançou com a gula pegajosa da mesmice e tomou de assalto a Funarte. Em 2008, o edital do Projeto Pixinguinha teve tradução, com exatidão, no texto do Paulo César Feital, que transcrevo e partilho-o com você, pedindo permissão para fazer do que ele escreveu, a minha sincera e absoluta forma de protesto, sempre!
“Consternado, testemunho o assassinato com resquícios de crueldade do Projeto Pixinguinha. O corpo jaz abandonado no hall da Funarte, velado pelos próprios sicários. Em paga pela vergonha, oferecem dois CDs por estado e alguns “capilés”. É triste! É deprimente e melancólica a quase nula reação da classe musical do país. Salvo a matéria do Hermínio, no Globo, a crônica do Claudio Jorge no próprio blog e algumas reações isoladas, ouve-se em cada esquina a insatisfação de músicos, cantores e compositores, mas, nada que se efetive concretamente.
Os matadores, após desovarem o corpo, hipocritamente, ainda roubaram à identidade do morto e conservaram o nome do projeto na vergonha que inventaram.Esse defunto ainda é Lázaro: pode ser ressuscitado!
É o momento de abandonar o silêncio.”
Se o grande Paulo César Feital afirmou que o defunto ProjetoPixinguinha ainda era Lázaro, esqueceu de um ponto crucial: no Brasil, Lázaros culturais não ressuscitam.
No +,MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!
2 Comentários
Muita falta o projeto Pixinguinha……
Esse foi o maior projeto de circulação cultural que esse país já teve, grande Fábio. É uma pena ter tido um fim.
Grande abraço e, no +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!???