10 de setembro de 2021 9:37 por Katia Betina
Em toda a minha vida sempre fui boa aluna, daquelas que não ficam em recuperação, até o dia que cheguei em casa com um boletim com uma nota vermelha.
Minha mãe me perguntou a razão daquele resultado e eu respondi: – tive dificuldade de entender o assunto, como a maioria da turma.
Ela sem muita explicação, se arrumou e fez uma visita ao colégio.
A conversa dela com o professor foi que havia estranhado a minha nota e que se tratava de uma queixa da maioria, portanto, ela sugeria que o culpa não era exclusivamente minha e pedia que isso fosse melhorado.
Acho que todos temos uma experiência dessas, de saber que quando uma turma quase toda tem problema, a culpa é do método, não dos alunos.
Essa mesma lógica devemos empregar para olhar o crescente número de obesidade que acomete o mundo moderno, considerar que o OBESO É O ÚNICO CULPADO é de um erro.
Quem constatou isso foi o instituto de pesquisa sobre obesidade da Austrália, propondo que passemos a prestar mais atenção na vida que levamos como sociedade, ao invés de colocar toda a responsabilidade do controle do peso no indivíduo.
Vamos as observações que devem ser consideradas para compreender que o nosso estilo de vida precisa de correção, algumas das quais:
Sono – No mundo atual estamos cada vez dormindo menos, ou pelas distâncias que precisamos percorrer, além do acesso as redes sociais que nos tiram tempo de descanso, práticas que têm dificultando a organização da nossa agenda.
Até certo ponto é compreensível, acontece que o sono é um dos processos fisiológicos importantes para regulação de hormônios, que atuam, inclusive, na taxa de metabolismo, portanto, não dormir, além de aumentar o risco de adoecimento e ainda atrapalha o controle do peso.
Consumo de álcool – É cada vez maior o apelo para que as interações sociais se deem com muita bebida.
O uso abusivo do álcool é mais prejudicial para a saúde que imaginamos, por diversos aspectos, mas como o assunto é obesidade, precisamos saber que 1 g de carboidratos e de proteínas liberam 4 calorias, já 1 g de álcool libera 7 calorias “vazias”, quase o dobro das calorias liberadas por carboidratos e proteínas, que chegam sem aporte de vitaminas e minerais, e quando consumido junto de petiscos, industrializadas ou carregados de gordura, que cada 1 g libera 9 calorias, tornam o controle do peso mais difícil.
Inatividade física – Nosso corpo foi “programado” para continuo movimento e hoje passamos quase todo o tempo sentados ou deitados, sem considerar a necessidade de reservar 30 minutos, cinco dias por semana, para prática de qualquer atividade física, desde as mais simples como caminhar, até outras que necessitam de supervisão.
Essa postura de imobilismo atrapalha muito o controle do peso, tanto na prevenção de obesidade, quanto no emagrecimento propriamente dito e mais ainda, na manutenção da perda.
O incentivo ao movimento precisa ser levado a sério como política pública de saúde, incentivando uma mobilidade mais saudável, disponibilizando espaços para prática de esportes, ou academias públicas nos diversos bairros, com livre acesso da população, mas sobretudo criar nas crianças rotinas de atividades lúdicas com uso do corpo, como forma de prevenção da obesidade infantil.
Uso indevido de medicamentos – A crescente utilização de medicamentos que interferem negativamente no peso tem sido um dos fatores para considerar como coadjuvante na perda de controle sobre a balança.
Além dos medicamentos que tem o efeito colateral direto sobre o aumento de peso, ainda tem vários outros que atrapalham a preservação de uma flora intestinal saudável, porque comprometem o importante equilíbrio da nossa microbiota, que colaboram na regulação fisiológica.
Estados depressivos e de estresse – O crescente aumento de distúrbios psiquiátricos, quer sejam pelas condições atuais de pandemia, desemprego, isolamento ou medo, quer sejam pelas cobranças inatingíveis que passamos a acreditar que somos reféns, tem acarretado um agravamento de rotinas erradas, com alteração de sono, ou com utilização compulsiva da comida como rota de fuga, práticas que aumentam a liberação de hormônio cortisol (de estresse), que colabora no acúmulo de peso.
Alimentação inadequada – Esse é o item que mais poderia falar, mas vou tentar ser suscinta.
O uso excessivo de alimentos processados e ultra processados, tem acarretado vários prejuízos, como:
1 – Mudança de flora intestinal, que atrapalha não apenas a regulação do peso, mas também na diminuição da imunidade e aumento do risco de adoecimento.
2 – Alteração da nossa saciedade, que depende de consumo de alimentos naturais para que seja preservada. Basta que façamos a seguinte reflexão, “é mais fácil consumir um pacote de bolacha recheada, ou 10 maças de uma só vez?” Ambos têm quantidades de calorias muito parecidas, só que a fruta é absorvida mais lentamente e fornece fibras essenciais para controle da fome, já as bolachas “desmantelam” a saciedade.
3 – Consumo excessivo de açúcar ou de sal, com riscos de desenvolvimento de diabetes ou hipertensão, agravadas na obesidade.
4 – Aumento da absorção de energia por se tratarem de alimentos de alta densidade calórica, ou seja, muita caloria em pouco volume.
Vale a pena considerar como mantra “descasque mais e desembale menos”.
Apesar dos erros nutricionais precisarem de abordagem individual, atribuir a culpa da obesidade exclusivamente ao obeso é um (repito) equívoco, hoje já se tem conhecimento que pessoas que emagrecem têm muita dificuldade na manutenção da perda de peso, inclusive porque neste processo há um aumento de produção dos hormônios que regulam a fome, que permanecem elevados no indivíduo mesmo depois de muito tempo após o emagrecimento, fazendo com que essas pessoas tenham mais dificuldade em controlar o consumo e o tamanho das porções de alimentos quando entram na fase de manutenção do peso.
Ou fazemos uma reflexão, a começar pelas mudanças que precisamos adotar na formação de hábitos melhores e mais saudáveis nas crianças, com aumento do consumo de alimentos mais naturais, com preparações caseiras, com rotinas de sono, com diminuição de tempo nas redes sociais, dos jogos de computadores e das TV’s, com uma agenda mais ativa, ao ar livre, com brincadeiras que ajudem a socializar, sem o fomento ao estigma, ou estaremos diante do primeiro retrocesso da longevidade da humanidade, nossos filhos e netos irão viver menos que as gerações anteriores, a despeito de melhoria de acesso à saúde e de outras conquistas.
Se você se interessar por conversar um pouco mais sobre os pontos abordados aqui, já que o fizemos de forma tão resumida, pergunte, sugira, será muito bom se pudermos interagir.
*Katia Betina é Nutricionista e escritora