18 de outubro de 2021 11:32 por Mácleim Carneiro
A Lei Aldir Blanc (Lei 14.017/20), criada como auxílio emergencial ao setor cultural, gerou diversos Editais que contemplaram várias categorias da produção cultural nos Estados da Federação. Em outubro do ano passado, os Editais foram lançados em Alagoas e, a partir de meados de 2021, os resultados práticos começaram a aparecer, com a conclusão e lançamento de projetos contemplados pela Lei. Na seara da música aquariana, alguns álbuns ainda estão no forno, em processo de construção ou acabamento, e outros tantos já estão no mundo, ganharam asas e sabe-se lá onde chegarão, que ciclo irão cumprir, quais mentes e corações acalentarão.
Em Alagoas, foram vários os artistas contemplados pelo Edital Prêmio Zailton Sarmento, da Lei Aldir Blanc, especificamente para a produção de fonogramas. Porém, o músico e compositor Basílio Seh se destaca entre os demais, pois, ao invés de produzir um único álbum, foi além e acaba de lançar a coleção ‘Janelas’, com três álbuns distintos: ‘Isca de Urubu’ (instrumental), ‘Cantoria na casa de Zé’ (junino) e ‘Cantiga de Roda’ (infanto-juvenil), cada um com 7 faixas, porque, como afirmou Pitágoras, sete é o mais importante dos números sagrados. Além disso, são 7 os pecados capitais a também as maravilhas do mundo. De acordo com o próprio Basílio, a opção pelo triplo lançamento acontece como forma de corrigir um pouco a carência de publicações suas no passado.
Janelas
Os que conhecem Basílio Seh e seu trabalho, sabem tratar-se de um artista cuja singularidade idiossincrática lhe cabe como referência. É, certamente, um dos artistas mais originais e autênticos da cena musical contemporânea em nossa latitude. Portanto, admirado por muitos e incompreendido por tantos. O fato é que a coleção ‘Janelas’ reflete todas essas possibilidades e assertivas sobre a obra e seu artífice. “Debruçada sobre o horizonte histórico, a temporalidade expondo a lua cheia, abrindo um buraco no imenso céu negro do sertão, ou um vulcão nervoso jorrando brasas pelas narinas, ou ainda a humanidade assustada com um monstro invisível, enfim, as janelas são infinitas e abertas à percepção tênue de nossos olhos.” Assim, conceitua Basílio Seh as suas Janelas abertas para o mundo, e ninguém melhor do que ele mesmo para defini-las sob a sua ótica.
Urubus
‘Isca de Urubu’ é o primeiro dos três álbuns e, segundo o texto promocional, “liga-se a um passado lúdico de admiração ao urubu. A este é remetido a ponte entre música e sensibilidade criativa, surgindo daí a concepção de voo melódico (performance musical). Sua estreia, na cena instrumental, revela-se como objeto de desejo auditivo, ou melhor, isca para os que interpretam a vida com olhar lúdico.” Basílio Seh tem no trompete o instrumento que lhe habilita à condição de instrumentista. No ‘Isca de Urubu’ ele faz uso desse instrumento em cinco das sete faixas do álbum e mostra que está com a embocadura em dia. Nas demais faixas, usou de um recurso bastante presente em seus trabalhos anteriores: os vocalizes e scats, nos quais arrisca saltos sem rede de segurança e pratica voos basilianicamente exitosos. Particularmente, também sou fã dos urubus, os planadores mais fantásticos do planeta! Por isso, quando Basílio Seh afirma que: “Quando criança gostava de observar urubus no céu, bicho bendito à sensibilidade criativa, o qual acabou contribuindo para uma performance musical caracterizada como melodia em voo livre”, tal conceito virou chave que abriu inúmeras possibilidades, como fruidor.
Cantoria
O segundo álbum tem o título bastante imagético de ‘Cantoria na Casa de Zé’. São sete belas possibilidades de “repentes, emboladas e aboios, com suas dores, alegrias, paixões etc., numa grande aula a céu aberto (a feira), que chamavam a atenção do menino Basílio.” Aliás, coisa de quem é do interior e, assim como eu, vivenciou a riqueza e beleza de cores, aromas, sabores e sons de uma feira interiorana. Portanto, como bem pontua Basílio Seh em seu texto, esse álbum “surge dessa escola sonora, como desejo do autor em realizar sua própria cantoria. Nesta festa de compadrio, os amores, as paixões, os cotovelos, as saudades e romarias são contados à base de xote, toada, coco e maracatu.”
Cantigas
No terceiro álbum, ‘Cantiga de Roda’, todas as faixas são de domínio público e foram recolhidas do livro Cem Melodias Folclóricas, de Alceu Maynard Araújo e Aricó Júnior, resultante de uma pesquisa sociológica realizada na foz do rio São Francisco, na cidade de Piaçabuçu, Alagoas, nos anos de 1952 e 1953. Diga-se aqui, que esta é uma bela e singela homenagem do artista à sua terra natal, ao berço embrionário de suas canções e, portanto, de sua obra. De acordo com o próprio Basílio Seh, “Cantiga de Roda visa contribuir no despertar de educadores, quanto à importância da cultura popular no ambiente escolar e pode ser um material relevante para planejamentos didáticos.” Para tanto, Basílio foi minimalista musicalmente, apenas com violão e percussão leve, respeitando a singeleza das cantigas e a força da tradição popular, que não carecem de firulas para serem belas. Porém, contou com o auxílio luxuoso e participação especial de sua sobrinha Clarice Basílio, na leveza de sua voz pueril, nas faixas Rosa Vermelha e Tororó.
Os três álbuns da coleção Janelas, além de serem um belo exemplo de como empregar bem e com ótimo resultado os recursos públicos da Lei Aldir Blanc, propõem o amalgama de canções e pessoas que, em suas diversidades fortalecem a trajetória de um artista comprometido com a sua arte, ciente de que os cacoetes comerciais passam ao largo, sem comprometer o trabalho e a contribuição de músicos e artistas, como os que constam da ficha técnica dessa belíssima trilogia musical, emoldurada e embalada, delicadamente, pela interessantíssima comunicação visual de Cícero Rodrigues.
SERVIÇO
Coleção janelas, Basílio Seh
Plataformas digitais: Spotify, Deezer, Apple Music
Contato: http://trato.red/basiliosehiscadeurubu