11 de fevereiro de 2020 6:14 por Redação
Os saltos, piruetas e pliés deram lugar ao vazio e às marteladas barulhentas na sede do Ballet Eliana Cavalcanti, no bairro do Pinheiro, em Maceió. Quando a reportagem chegou à sede de um dos mais tradicionais balés alagoanos, um profissional desmontava o piso especial de uma das salas de 100 metros quadrados, construído em madeira nobre, para reaproveitá-lo na nova sede da escola, que ficará no bairro da Gruta, em uma casa menor, alugada.
Foi a primeira vez que a bailarina e professora de dança Eliana Cavalcanti chorou, desde janeiro de 2019, ao ter que deixar a academia construída com muito sacrifício – ela vendeu um imóvel e um veículo para concluir a obra – por conta do afundamento do bairro. “Fui forte durante um ano, mas, ao ver a sala sendo desmontada, não aguentei”, disse.
Neste período de um ano, as noites são insones. Eliana não consegue dormir, mesmo passando a noite entre a cama, o sofá e uma rede que tem na casa para onde se mudou. Segundo a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), o problema no bairro se deve a um colapso nas minas de sal-gema exploradas pela Braskem.
A mutinacional nega a responsabilidade, contratou estudos por conta própria para comprovar que não tem nada a ver com a tragédia, mas admitiu indenizar as famílias que vivem na área de risco, selando um acordo bilionário com a Prefeitura de Maceió, o Judiciário e o Ministério Público Federal e Estadual.
É um processo que gera revolta. “E os empresários, como vão ficar?”, questiona a bailarina que, mesmo com toda a indignação, não perde a postura adquirida em quase cinquenta anos de carreira como professora. Ela iniciou as atividades em 1973, no Centro, e se mudou para sede no Pinheiro em 1983.
O prédio tem uma estrutura formidável, com cerca de 500 metros quadrados, sendo duas salas de 100 metros quadrados. Cada uma tem quatro metros de pé direito, deixando os alunos à vontade para os saltos. O piso, feito com madeira da melhor qualidade, foi montado sobre sulcos que absorvem impactos para preservar a saúde física dos bailarinos e bailarinas.
É no local que estão quase quatro décadas de uma vida, uma obra avaliada por escritórios especializados em R$ 1,5 milhão, mas, que, hoje, está sem uso. O prejuízo não é apenas financeiro. Eliana Cavalcanti teve que adiar a aposentadoria por conta da tragédia que assola os bairros do Pinheiro, Mutange e Bebedouro. Ela não pode mais vender a estrutura para uma grande empresa de saúde e nem pode parar de ensinar. “Meus planos eram vender o prédio, comprar um apartamento e aplicar o que sobrasse”, lembra.
Prestes a completar 70 anos, um dos maiores ícones da cultura alagoana perdeu a tranquilidade. As dívidas se acumulam, com aluguel e pessoal, principalmente. Há professores que trabalham com ela há duas décadas. O número de alunos caiu já que, devido à crise econômica, muitos pais cortam as aulas de dança.
Enquanto isso, na vizinhança, ela conta perdas irreparáveis. “Já soube de vizinhos que tiveram infarto e AVC depois disso aqui. Nenhum deles sobreviveu”, lamenta.
Para Eliana Cavalcanti, a Braskem é responsável pela tragédia que atinge ela e milhares de moradores dos bairros afetados pelos afundamentos. “Espero que a empresa pague pelos prejuízos e que isso ocorra o mais rápido possível”, afirma, enquanto se despede da reportagem.
Em sete décadas de vida e quase cinco dedicadas à arte de ensinar a dança, a bailarina Eliana Cavalcanti foi forçada por um desastre ambiental a se reinventar.
2 Comentários
Tudo isso é muito triste. Que a solução não tarde.
Obrigado pela leitura.