18 de fevereiro de 2022 2:21 por Marcos Berillo
Pe. Gilvan Gomes das Neves. Mestre e doutor em Ciências da Religião na UNICAP
Cristão-Novo é o mesmo que marrano¹ . Em 1497, pouco antes do descobrimento do Brasil, o rei dom Manuel só admitia a permanência dos judeus se eles se convertessem e aceitassem o batismo. Nasceu então, o criestão-novo, em contraposição ao “cristão-velho”. No século XVII, cristão-novo já era sinônimo de homem de negócios.
A Igreja proibia os cristãos de obrigarem a batizar os judeus a ser batizados. Entretanto, ao impedir de celebrarem suas festas e fazê-los pagar impostos superiores aos dos demais, acabava por pressioná-los ao batismo.
Mais tarde, o fanatismo de D. João III desencadeou a perseguição inquisitorial. Enquanto isso, o padre Antônio Vieira defendia abertamente os cristãos-novos, pleiteando a abolição da distinção entre cristãos-novos e velhos. Depois de tempos de terrível perseguição, a proposta do padre Vieira, curiosamente foi realizada pelo Marquês de Pombal num alvará de 2 de maio de 1783.
Cristãos-novos hereges eram reconhecidos como tal por causa de seus costumes judaicos: não comiam carne de porco, não usavam sangue de aves nas suas refeições, punham toalhas limpas em camas e mesas na véspera dos sábados e praticavam o jejum no “Yom Kipur”, o dia do perdão. Ronaldo Vainfas (2000) traz exemplos de certos procedimentos fúnebres:
Comer em mesa baixa, amortalhar o defunto com camisa comprida, enterrá-lo em terra virgem, cortar-lhes as unhas e guardá-las, colocar uma pérola ou moeda de ouro ou prata em sua boca para pagar a primeira pousada, jogar fora toda água de potes e vasos da casa. Vários cristãos novos foram denunciados na Inquisição, por causa disso (p. 412).
Os cristãos-novos tiveram grande influência na história e na cultura brasileiras (BARBOSA, p. 243ss). Por exemplo no resguardo pós-parto, o tempo de 40 dias que a mulher deve ficar em casa. Na Igreja, havia uma bênção especial para as mulheres após o resguardo. Talvez os costumes sobre resguardo tenham sido influenciados pelos cristãos-novos, pois, lemos na Bíblia:
Se a mulher conceber e der à luz um menino, ficará impura durante sete dias, como por ocasião das suas regras. No oitavo dia, se fará a circuncisão do menino, e durante trinta e três dias, ela ficará ainda purificando-se do seu sangue. Não tocará coisa alguma consagrada (…). Quando tiver cumprido o tempo de sua purificação, o sacerdote fará por ela o rito de expiação e ela ficará purificada (Lv 12, 1-4;8).
Havia muitos cristãos-novos em Pernambuco, no século XVI; viveram um período de glória durante a dominação holandesa (1630-1654); fundaram uma sinagoga em Recife; dominavam o mercado financeiro; alguns possuíam engenhos e eram mercadores, outros trabalhavam na cobrança do dízimo e outros impostos e faziam empréstimos. Havia os que se dedicavam ao tráfico de escravos da costa da África.
Em 1910, chegou um outro grupo, da Rússia² . A influência judaica na Religiosidade popular pode ter tido vários canais: (1) os cristãos novos em Portugal e no Brasil; (2) o uso da Bíblia no cristianismo; (3) a presença dos portugueses em cruzadas e peregrinações na Terra Santa. Diversos historiadores afirmam que já haviam judeus estabelecidos em Portugal por volta dos séculos VI ou VII da nossa era. Valdemar de Almeida Barbosa escreveu que, em Portugal, surgiu “certa apreensão contra os judeus, alimentada por campanha dos dominicanos e acusações diversas, algumas verdadeiramente fantásticas”. Como que açoitavam a imagem de Cristo e profanavam hóstias consagradas, tinham parentesco com o diabo; crucificavam crianças cristãs (…). Assim, foi se criando, ao longo dos séculos um tipo ideal de judeu intrinsicamente mau e fisicamente repugnante (BARBOSA, p. 244).
NOTA:
1- Na Espanha e em Portugal, designação injuriosa que se dava outrora aos mouros e especialmente aos judeus batizados, suspeitos de se conservarem leais ao judaísmo.
2– DUARTE, Dina. Rota de passagem. In.: VEJA, 07/04/1999.
REFERÊNCIAS:
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Judeus na formação histórica de Minas. In.: REVISTA do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, v. 21, p. 244.
DUARTE, Dina. Rota de passagem. In.: VEJA, 07/04/1999.
VAINFAS, Ronaldo. (Dir). Dicionário do Brasil Colonial: 1500-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.