domingo 19 de maio de 2024

O crime da Braskem

O que parece o roteiro de uma distopia, na verdade é a maior tragédia urbana em andamento no Brasil.

9 de março de 2022 4:33 por Da Redação

 

 

Foto: Igor Carvalho

 

Por Josemée Gomes de Lima

Publicado no GGN em

A ocorrência de um afundamento gradativo da superfície da terra, provocado pela abertura de minas de Sal-gema, sem o cumprimento das medidas de segurança, ocasionou a determinação de desocupação imediata, até agora, de cinco bairros em Maceió: Bebedouro, Mutange, Bom Parto, Pinheiro e parcela do Farol. São mais de 15 mil imóveis, sendo 5 mil empresas. Estima-se que 60 mil pessoas foram diretamente atingidas, o que equivale a 6% da população da cidade. Ilustrativamente, dos 102 municípios do estado de Alagoas, apenas sete possuem população em número superior ao citado. Como consequência, a Braskem, empresa responsável, realizou um acordo com o Ministério Público Federal, homologado pela Justiça, em que se compromete a “compensar financeiramente” as vítimas. Em outras palavras, a Braskem recebeu a chancela do MPF e da Justiça para ter o monopólio de oferta e compra dos imóveis das vítimas do dano por ela causado no valor que entender ser devido. Ao fim, tornando-se dona de ao menos 4 bairros inteiros e parcela do quinto bairro.

Uma curiosidade necessária de ressaltar é que, para receber a “compensação financeira”, a vítima precisa se comprometer contratualmente a não denunciar a empresa criminalmente. Em suma, o contrato também prevê a compra do silêncio da vítima. E mais: tais negociações ocorrem por iniciativa da empresa que apresenta um valor pelo imóvel e, caso haja qualquer discordância, a Braskem se compromete a analisar. Em alguns casos, houve a diminuição dos valores anteriormente ofertados. Aliás, o acordo que a Braskem realizou com o MPF permite a utilização da área, inclusive para fins residenciais novamente, depois da estabilização/preenchimento das cavernas de Sal-gema. O que parece o roteiro de uma distopia, na verdade é a maior tragédia urbana em andamento no Brasil.

Se por negligência ou ganância se deu a destruição de parcela do solo habitável na capital alagoana, o certo é que, passados quase quatro anos dos primeiros sinais da destruição coletiva, não houve sequer responsabilização criminal ou cível. A sociedade, como vítima, continua à margem da discussão acerca da necessidade de reparação. Como arquiteta e urbanista, além de moradora da área atingida, venho observando o desaparecimento desses bairros, o descaso das autoridades e a impunidade da responsável, ao mesmo tempo em que acompanho o desespero das vítimas e a gradual destruição de parcela de umas das capitais do País.

É importante mencionar que a falta de iniciativa para a resolução do problema continua a causar vitimizas. O afundamento também vem sendo observado em outros bairros como Chã de Bebedouro e Flexal. Seria irresponsabilidade abordar esse caso sem mencionar que pessoas adoeceram, perderam empregos, fontes de renda, referências familiares e tudo enquanto a pandemia de Covid-19 assola o mundo e desestabiliza as pessoas. Há notícias de suicídios e problemas graves que acometeram os moradores em virtude do estresse causado pela ação da empresa e pela inação do poder público.

Estamos diante de uma situação em que a omissão tem sido tão prejudicial quanto a ação criminosa. A falta de assistência e o constante desrespeito pela dignidade dos moradores e empresários afetados têm contribuído na mesma proporção para o adoecimento de pessoas e da população. As vítimas não têm a quem recorrer. Ao contrário, o que se nota é uma tentativa de algumas autoridades de diminuição da gravidade do ocorrido sob o manto cruel e falso do argumento de que a “empresa está prestando o auxílio necessário e as pessoas serão devidamente indenizadas”.

Discurso incabível quando se trata de uma tragédia de tamanha proporção.

Há, ainda, aqueles que, apesar de representantes do povo, pretendem passar despercebidos e se colocam à margem da problemática ou floreiam discursos na tentativa de ludibriar o eleitorado. A sociedade civil organizada tampouco teve sucesso. Não possui voz e nem fôlego para atravessar a lama da burocracia e da falta de interesse. O tempo não está a seu favor.

Diante da necessidade de desocupação de seus imóveis, os moradores e empresários, caso não aceitem a “proposta” da Braskem, veem-se obrigados a custear novos imóveis enquanto lutam por justiça que, infelizmente, não costuma marchar na velocidade da necessidade de quem bate à sua porta.

E, aqui, é necessário analisar um problema acessório: a inserção dos valores da chamada “compensação financeira” contribuiu para a especulação imobiliária, desvalorizando os imóveis circunvizinhos e supervalorizando em outras áreas da cidade. É a “bivitimização monetária” do morador atingido. E, no caso Braskem, acessórios não faltam. Seus atos afetaram a mobilidade de toda a cidade, criando ou aumentando bolsões de trânsito. São bairros inteiros que se transformaram em bairros fantasmas.

Os poucos moradores que resistiram à desocupação precisam lidar com a violência e falta de policiamento, além da ausência de prestação de serviços básicos como água, energia elétrica, gás e serviço de internet. Aqui, a omissão assume a roupagem de vertente capitalista e a falta de interesse se esconde no argumento de que o custo da prestação do serviço não compensa ante a ausência de demanda no local.

E não é só!

Dentre os bairros atingidos, dezenas de imóveis compunham o patrimônio histórico da cidade, transcendendo, mais uma vez, a esfera individual para a coletiva. E mais: as perdas imateriais alcançam os folguedos, especialmente os mais antigos como Guerreiro e Pastoril que naturalmente nasceram e se fortaleceram pela convivência de grupos de pessoas, as quais, hoje, estão dispersas e com dificuldade de adaptação.

Por fim, é necessário apontar outra vítima da Braskem: a Lagoa Mundaú. Uma de suas margens está em processo de afundamento, acarretando o aflorando da margem oposta, atingindo comunidades ribeirinhas, inclusive de outros Municípios, o que potencializa a tragédia para proporções metropolitanas, além de desestabilizar todo o seu ecossistema. Não podemos tratar os atos e omissões apontadas como infrações ocorridas em face de particulares. Toda a sociedade é vítima da Braskem.

E nos resta somente uma certeza: os moradores e empresários das áreas atingidas perderam tudo – moradia, mobilidade, cultura, empregos e dignidade. Sobrou a eles somente o silêncio, comprado por trocados.

Mas a pergunta que emerge é: a que devemos atribuir o silêncio das autoridades?

Josemée Gomes de Lima é Arquiteta, urbanista, vice-presidenta do IAB/AL e Conselheira Estadual do CAU/AL, moradora do Pinheiro e colaboradora da Rede BrCidades.

Jornal GGN – GGN

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1 Comentário

  • Um crime sob a tutela das autoridades!!!

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