15 de abril de 2022 7:27 por Mácleim Carneiro
O amadurecimento proporcionado pela constante procura em priorizar o intelecto, aliado ao fator cronológico inerente à existência, desembaçam o ponto de vista libertário que, aliás, só o entendemos como tal após conquistá-lo. Este, por sua vez, possibilita um novo enfoque e avaliação de velhos dogmas e tradições, quase sempre arraigados à nossa cultura cristã-milenar. A conquista dessa nova visão, geralmente, acontece de dentro para fora e de forma bastante particular, posto que resultante da ótica pessoal de cada indivíduo. Portanto, acho que envelhecer, de forma lúcida, tem suas vantagens. Mesmo que este processo teime em trazer a reboque, como apêndice, certa nostalgia do passado.
Embora eu não tenha mais nenhuma sintonia com as tradições católicas e suas restrições, proibições e deveres, que celebram a morte e a ressurreição de Cristo, a lembrança de um tempo onde praticávamos uma saudável subversão a esses dogmas ainda me deixa reflexivo à época. Era divertido, em plena Sexta-feira Santa, irmos jogar futebol às escondidas e conscientes de que estávamos fazendo algo proibido para aquele dia. Nos divertíamos com a caretice (tudo bem, nessa época nem existia essa gíria) das pessoas que, compenetradas e com cara de jejum, caminhavam aos bandos rumo ao alto do Cruzeiro (em Murici) e, ao nos verem jogando futebol, nos repreendiam com impropérios, que iam de pecadores a maloqueiros! Ainda dessa época, era a sensação deliciosa de escutar pelo rádio a encenação da Paixão de Cristo. Eu viajava na interpretação dos atores radiofônicos e em toda aquela dramaticidade. A sonoplastia, com trovões, portas rangendo, o som cruel das chibatadas em Jesus e a voz de Deus, cheia de reverber, parecia realmente vir do além, com todo poder que lhe era conferido. Tudo isso tinha um fascínio especial sobre mim!
Porres Homéricos
Mais tarde, na adolescência ou pré-adolescência, a grande provocação era tomar porres homéricos, garrafões e mais garrafões de vinho de péssima qualidade, numa maratona que começava na sexta-feira e só terminava no Domingo de Páscoa, com toda ressaca passível de arrependimentos. Claro, para compensar, o tira-gosto era, evidentemente, peixe. Pelo menos, até que aparecesse o Zito (um caçador afamado de Murici) com algum tipo de caça. Aí, qualquer tatu, paca ou veado, que caísse na rede, digo, na panela, era peixe. Engraçado… Não me lembro existir todo esse apelo comercial das lojas e fábricas de ovos e coelhos de chocolate, que invade os lares e toda a mídia, no afã de vender cada vez mais e torna-se assim o principal motivo e objetivo da Páscoa.
Na verdade, tudo está contextualizado. Cristo e sua história são, na era moderna, cada vez mais, produtos com alto poder de faturamento comercial. Tudo é uma questão comercial no planeta americanizado. Quer faturar no cinema? Filma-se a crucificação de Cristo, com o derramamento de litros de hemoglobina (como disse Franco Zefirelli) e têm-se lotações esgotadas nas salas de exibição. Quer faturar com a encenação da Paixão de Cristo? Contratam-se atores globais e: plin-plin no caixa da bilheteria. Porém, aconteceu um fato que eu não consegui entender e pôs em xeque uma velha assertiva: se o Brasil é mesmo um país abençoado por Deus, por que os traficantes da Rocinha roubaram a cena em plena Sexta-feira Santa de 2004, ano em que este escrito foi escrito? E por que, agora, temos um desgoverno dessa magnitude, tempo em que esse escrito foi revisado?
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!