20 de abril de 2022 8:49 por Mácleim Carneiro
Ao concluir e lançar o álbum Esses Poetas, em 2012, no qual estão musicados 13 poemas de alguns dos mais expressivos poetas alagoanos, ludicamente, pensei que o meu próximo projeto poderia ser musicar a mesma quantidade de artistas plásticos alagoanos, fazendo uma leitura musical de suas respectivas obras. É evidente que sempre achei completamente possível e viável essa leitura de uma obra de arte, de uma pintura, pois a musicalidade sempre estará implícita nas cores, nos traços, nos temas, na perspectiva, textura ou relevo de cada obra. Cheguei até a pensar em uma metodologia, que me possibilitasse sistematizar e criar não apenas sensorialmente ou de maneira abstrata, mas, também, pelo critério cognitivo, como, por exemplo, a sobreposição das cinco linhas do pentagrama, sobre a tela ou fotografia da pintura, onde a marcação dos pontos sugeridos pela obra – pontos superiores, médios e inferiores – determinaria a melodia, nas regiões graves, médias e agudas do pentagrama. Nesse caso, a questão rítmica, evidentemente, seria sugerida pelo o que a obra indicasse em movimento, ou não.
Enfim, não sei se ainda terei tempo e disposição para tal empreitada, principalmente, levando-se em consideração que para o Esses Poetas foram 12 anos de dedicação, entre o primeiro poema musicado e o lançamento do álbum. O fato é que as ideias estão soltas no ar e disponíveis para quem as capta e as transforma em realidade e produtos. Certamente, essa ideia que eu tive, lá em 2012, não era original, como quase tudo que apenas se transforma. Portanto, para minha felicidade, recebi o álbum “Sons Sobre Tons, criações musicais sobre ideias visuais”, onde os compositores contemporâneos Alexandre Lunsqui, Valéria Bonafé, Paulina Luciuk, Yugo Sano Mani e Wellington Gonçalves realizaram a mesma ideia, e criaram belíssimas peças, executadas pela Orquestra de Câmara da ECA/USP – OCAM, sob a batuta dos regentes Gil Jardim – que também assina a direção musical –, Filipe Fonseca e Enrico Peceguini Ruggiere.
Seiva Conceitual
As seis peças executadas pela OCAM e que compõem o álbum, são de extrema seiva e beleza conceitual, expressionistas e envolventes, tanto pela tensão quanto pelo lirismo. Variam entre 6 e 11 minutos por peça, com uma média de 8 minutos de duração na maioria delas. Não ousarei descrevê-las, pois cada uma transforma-se em sentimentos imensuráveis, e esse é um privilégio e uma prerrogativa exclusiva de cada fruidor. Porém, o encarte do álbum é precioso e, nele, os próprios compositores descreveram e discorreram sobre suas peças, ao lado da fotografia da tela que lhes serviu de inspiração. Portanto, será muito mais fiel e seguro trazer, para os nossos 14 leitores, o que está escrito no encarte, sobre as obras e sob a ótica dos seus criadores.
‘Fibers, Yarn And Wire’ (Alexandre Lunsqui) é a peça que abre o álbum. Alexandre Lunsqui é paulista e seus trabalhos já foram tocados por diversos grupos ao redor do mundo. Ele já foi premiado pela Harvard University e pelo Ministério da Cultura da França, por exemplo. De acordo com o encarte, “dois foram os pontos de partida da composição: teares mecânicos e manuais, bem como a imagem de uma escada coberta de mosaicos multicores, dentro de uma habitação marroquina. Essas duas imagens revelaram padrões rítmicos, texturas e um jogo de movimentos, que direcionaram a confecção da peça.” A segunda faixa do álbum, ‘Carretéis’ (Alexandre Lunsqui), também de Alexandre Lunsqui,” foi inspirada na série de telas do pintor brasileiro Iberê Camargo (1914-1994) chamada Carretéis. As pinturas sugerem linhas e cores em movimento. A peça tem um caráter bastante fluido, onde os sons são manipulados como objetos, movendo-se no tempo e no espaço. O sexteto instrumental torna-se a tela de pintura do compositor.”
Densidade Dramática
Valéria Bonafé é compositora, professora e pesquisadora do Núcleo de Sonologia da USP. Além disso, é ativista da rede Sonora – Músicas e Feminismos e autora da faixa 3 do álbum, ‘A Menina Que Virou Chuva’ (Valéria Bonafé). De acordo com o texto do Gil Jardim, que abre o encarte, esta é “uma obra sublime e de grande densidade dramática – um pequeno réquiem dedicado à sua sobrinha, que viveu apenas por poucos minutos.” Portanto, como está no texto de apresentação, “A peça é dedicada à Heloísa Bonafé de Andrade, a menina que virou chuva.”
‘Afterimage. Homage To Tomie Ohtake’ (Paulina Luciuk) é a quarta faixa do álbum e foi a composição vencedora no Concurso de Composição Musical Tomie Ohtake 2019, na categoria Orquestra de Câmara. A própria compositora escreve que “uma afterimage é um tipo de ilusão de óptica na qual uma imagem continua a aparecer brevemente, mesmo após a exposição à imagem real ter terminado. Essa ilusão inspirou a construção e o caráter de Afterimage. Também considero o trabalho como uma forma de pós-imagem da pintura de Tomie Ohtake.” Paulina Luciuk é graduada e Mestre em Composição pela Academia de Música de Cracóvia.
Mitose Partilhada
A penúltima faixa, ‘A Escuridão, o Corpo Vermelho e o Fascínio’ (Yugo Sano Mani), também é uma composição vencedora no Concurso de Composição Musical Tomie Ohtake 2019, na categoria Orquestra de Cordas. Yugo Sano Mani é compositor e violonista paulistano, bacharel em Composição pelo Departamento de Música da Universidade de São Paulo, além de autor de músicas para peças teatrais e produções audiovisuais. De acordo com ele, “podemos ver a obra Sem Título,1987, acrílica sobre tela, de Tomie Ohtake, por vários prismas: é uma lua fascinante, um jogo entre cores e contrastes, um espaço repleto de sensações. Em ‘A Escuridão, o Corpo Vermelho e o Fascínio’, busquei algo que abarcasse essas diferentes camadas de interpretação simultaneamente.”
Por fim, ‘Dinâmica dos Fluidos’ (Wellington Gonçalves), que também foi uma composição vencedora no Concurso de Composição Musical Tomie Ohtake 2019, na categoria Ensemble (conjunto), de acordo com o compositor, que é graduado em Composição pela Unesp, “’Dinâmica dos Fluidos’ nasce da abstração imagética da obra Sem Título,1994, acrílico sobre tela, de Tomie Ohtake. A concepção poética e estrutural da composição se entrelaça intrinsecamente com a pintura e descreve uma espécie de processo de mitose.” Por tudo descrito, tenho certeza de que, assim como eu, após a audição desse belíssimo trabalho, acontecerá ao fruidor um processo de mitose, no afã de partilhar o que de bom deve ser partilhado!
SERVIÇO
Sons Sobre Tons, OCAM
Plataformas digitais: Spotify, Deezer, Amazon Music e Youtube Music …
Plataforma física: Em CD, pelo e-mail ocam@usp.br e pela Arterial Música e Arte
Preço: 30,00
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!