5 de junho de 2022 8:13 por Fátima de Sá
Dia Mundial do Meio Ambiente 2022
De fato, estamos em “Uma só Terra”? O que a realidade nos mostra são diversos e diferentes espaços, e a maioria da população parece ocupar uma outra Terra diferente da que é habitada pela minoria que detém a riqueza material, haja vista o que ficou escancarado durante a pandemia! E, mais recentemente, os alagamentos de cidades mostraram – e continuam mostrando – a face cruel da desigualdade no Brasil.
Será possível “uma ação coletiva e transformadora em escala global para celebrar, proteger e restaurar nosso planeta” se continuarmos sob os mesmos sistemas de governo que estão aí e que têm cada vez mais se esmerado em piorar a vida dos que não detêm o capital?
De que Terra estamos falando? A proposta inclui mudanças na gestão dos recursos, nas prioridades a serem pensadas na economia, na atenção à saúde, educação e habitação?
Precisamos falar do Racismo Ambiental
Precisamos considerar que as questões ambientais e os direitos humanos se entrelaçam tanto que surgiu o conceito de racismo ambiental.
O termo foi cunhado em, 1981, pelo líder afro-americano de direitos civis, o químico Benjamin Franklin Chavis Jr, quando pesquisava a relação de resíduos tóxicos e a população negra norte-americana, em um contexto de manifestações do movimento negro. E é simples o que afirmou: “Racismo ambiental é a discriminação racial nas políticas ambientais”. [ii]
Por outro lado, Stella Legnaioli[iii] detalhou: o termo faz referência “às formas desiguais pelas quais etnias vulnerabilizadas são expostas às externalidades negativas[iv] e a fenômenos ambientais nocivos como consequência de sua exclusão dos lugares de tomada de decisão”. Também explicou que o racismo ambiental vai além, referindo-se “às relações ecológicas desfavorecidas entre o norte e o sul global, como consequência do colonialismo, neoliberalismo e globalização”.
E o Povo Brasileiro?
A leitura do livro O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro (e tantos outros autores que mostram a origem dessa sociedade) pode nos ajudar a entender que o racismo ambiental é um produto da colonização tradicional, que exerceu controle sobre territórios já ocupados, com uso de poder militar e político, subtraindo direitos e bens dos que já ocupavam o território.
Ainda mais, a abolição inconclusa da escravatura levou os negros “libertos” a viverem o que mostra o cantor e compositor baiano Lazzo Matumbi:
“No dia 14 de maio, eu saí por aí / Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir / Levando a senzala na alma, eu subi a favela / Pensando em um dia descer, mas eu nunca desci / Zanzei zonzo em todas as zonas da grande agonia / Um dia com fome, no outro sem o que comer / Sem nome, sem identidade, sem fotografia / O mundo me olhava, mas ninguém queria me ver (…)”
A ampliação do racismo ambiental contemporâneo
Portanto, o racismo ambiental tem continuidade no neocolonialismo, uma forma de controle colonial exercido por outros meios. Esses processos de colonialismo e neocolonialismo promoveram a escravidão, a injustiça e o racismo ambiental, dando origem a ambientes tais como as favelas e tantas áreas de risco habitadas pelas comunidades (pretas ou não, mas sempre pobres) da periferia.
E mais: “O dia 14 de maio de 1888 é o dia mais longo da nossa história, porque nos atinge hoje nas ruas, nas esquinas, nas cadeias e nas 6,5 mil favelas que se tem no Brasil”[v], ressaltou o professor Hélio Santos, ativista contra o racismo e atual presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil.
Culpa de eventos climáticos?
E, como consequência, temos o exemplo mais recente da tragédia que se abateu (e não acabou ainda porque o período das chuvas está apenas começando) sobre a Região Metropolitana do Recife. Nessa semana, os principais afetados estão sendo moradores de comunidades localizadas em áreas de riscos. E essas são as únicas opções que lhes são dadas nesta sociedade que os querem tornar invisíveis e os obrigam a morar bem distante dos centros das cidades.
Conforme afirmou o reitor da UFRPE – Marcelo Carneiro Leão – em artigo publicado hoje em um jornal da cidade (JC): Colocar a culpa na “coitada” da chuva é de uma superficialidade e simplificação inacreditáveis.
Mas, é o que se vê todos os anos. Nos jornais, as informações sempre dão conta de que “a chuva castigou a cidade, o Estado…”. Até quando isso? Não, a chuva não castiga ninguém. Essa é uma atitude bem comum àqueles e àquelas que escolhem se isentar de suas responsabilidades, como um determinado governante da atualidade.
O professor Carneiro Leão, em seu artigo, destacou duas principais causas a serem abordadas no enfrentamento do problema. São elas: 1. “agressões ambientais que nossa sociedade e nossos sistemas de produção têm feito com onosso planeta”; 2. “o modelo de sociedade que cada vez mais amplifica as desigualdades sociais”.
É preciso agir com urgência
Em um texto que circulou durante a semana passada nas redes sociais, a engenheira Edneia Alcântara, docente do Intituto Federal de Pernambuco (IFPE) – Garanhuns, escreveu: “Não podemos mais culpar a natureza pelo nosso despreparo para lidar com eventos sazonais e previstos. Eles tendem a se acentuar. É o que as mudanças climáticas preveem e já está acontecendo”[vi].
Em conclusão, precisamos agir com urgência e não aguardar o próximo evento climático e culpá-lo pelas mortes evitáveis. Esperemos que um dia possamos, de fato, habitar “UMA SÓ TERRA”.
[i] https://www.worldenvironmentday.global/pt-br
[ii] MATHIAS, M. O que é racismo ambiental. Disponível em: https://racismoambiental.net.br/2017/03/14/o-que-e-racismo-ambiental/. Acesso em: 04 jun. 2022.
[iii] LEGNAIOLI, S. O que é racismo ambiental e como surgiu o conceito. Disponível em: https://www.ecycle.com.br/racismo-ambiental/. Acesso em: 04 jun 2022.
[iv]As externalidades podem ser definidas como eventos nos quais as ações de um agente econômico afetam outros agentes, impondo custos ou gerando benefícios sobre eles. Assim, as externalidades podem ser negativas ou positivas para a sociedade.
[v] Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/05/13/helio-santos-o-dia-14-de-maio-de-1888-e-o-dia-mais-longo-da-nossa-historia. Acesso em: 04 jun 2022.
[vi] Recomendo o vídeo/Entrevista Trilhas da Democracia, que foi ao ar hoje (04/06/22) na TV 247, em que ela e a Professora da Universidade Federal de Pernambuco, Ana Cristina Fernandes são as entrevistadas: https://www.youtube.com/watch?v=yarvpnR89eY
2 Comentários
Como fico feliz quando leio um artigo seu. Sou sua fã e amiga admiradora, aguardando todos esses artigos num livro, para sempre consultar e relé. Acredito que aprendemos ainda mais com a releitura. Um grande abraço amiga!!!
Grata pela leitura e pelo retorno, Noêmia. Se vc compartilhar em suas redes sociais, será também grande ajuda na expansão dessa rede de reflexões e ações. Abraço ?