5 de março de 2020 4:20 por Marcos Berillo
O pesquisador e colecionador Claudevan Melo é alagoano nascido em Rio Largo, no dia 2 outubro de 1951, filho de Claudenor José de Melo e Elza Cavalcante de Melo, antes de migrar para São Paulo, em 1970, “não mais voltando para residir, tenho voltado à minha terra em férias”.
As suas raízes familiares são de Rio Largo, outrora importante polo industrial têxtil de Alagoas, “a minha avó paterna Eudocia Afonso de Melo era irmã de Arnon de Mello, ambos nascidos no engenho Duas Bocas no município de Rio Largo, mas foram registrados em Santa Luzia do Norte por ser à época a comarca”.
Em Alagoas fez o curso primário, hoje ensino fundamental no Seminário Metropolitano de Maceió, a pretensão era seguir a carreia religiosa entre 1960 a 1964, o curso médio, hoje, segundo grau, estudou em São Paulo.
A mudança operada em sua é radical de seminarista onde estudou para ser padre, em pouco tempo entrava na linha de montagem como operário metalúrgico da fábrica da Ford, no bairro do Ipiranga, em 1972.
Mas a vida como operário era incompleta e por esta razão procurou como um “desterrado” em São Paulo conectar-se com o que há de mais significativo no indivíduo que são as raízes culturais mais profundas.
Claudevan Melo costuma dizer que não se nasce em Alagoas impunemente, “é uma simbiose do inconsciente coletivo alagoano, o indivíduo se aventura a outras plagas mas uma estética o persegue por todo tempo, tudo aquilo que se fundamentou em sua primeira infância: as mazelas, o misticismo em família, o esperar das festas votivas anuais e a geografia contundente e única quer seja a paisagem árida, sertaneja ou litorânea são todas consequências de lembranças que se fundem no nativo de Alagoas ad aeternum”.
O início do colecionismo aconteceu em 1976, no momento em que conheceu Roberto Gambardella, proprietário da Casa Lomuto (Rua Quintino Bocaiuva, 176, sala 504), uma famosa casa de discos, livros biográficos de músicos, partituras e afins, esta casa funcionou durante trinta e seis anos, de 1976 a 2012. Gambardella é um colecionador de música antiga, muito conhecido, a sua coleção abrange as décadas de 1910 a 1950, para ele a música no seu complexo modo tinha começo e fim, devido sua forma de conceito de letras, acompanhamentos, forma interpretativa e instrumentação.
“A minha primeira escola, diz Claudevan, foi a de Roberto Gambardella que me possibilitou conhecer nomes de autores alagoanos totalmente desconhecidos em Alagoas, e se eventualmente, alguns hoje o são conhecido, isto se deve a internet. Ao despertar interesse passei a estudar música durante quatro anos seguidos no Conservatório Villa Lobos, apenas como o objetivo de aprender o conceito básico sem me aprofundar em instrumentos contudo foi o cello ou o violoncelo o instrumento de minha ligação nos estudo”.
“Devo ainda ressaltar, conta Claudevan Melo, uma outra referência na minha formação de colecionador, é Wanderley Monteiro, ao me tornar frequentador assíduo da Casa Lomuto fui me relacionando com outros colecionadores, além do Wanderley Monteiro.
A constituição de um monumental acervo com mais de 2 mil documentos é motivo de prazer pessoal, afetivo e também fonte de pesquisa e informação para músicos, historiadores, jornalistas e escritores de São Paulo, Alagoas e de outras partes do Brasil. Os jornalistas Ruy Castro e Franklin Martins são dois dos inúmeros pesquisadores que recorreram ao meu acervo.
“Há em meu acervo joias raras, são por exemplo: as gravações em disco original realizadas na França e Inglaterra quando o maestro Fon Fon esteve em turnê de 1948 a 1951, ano em que faleceu numa turnê pela Grécia”, fala com orgulho, Claudevan Melo. O maestro Otaviano Romero Monteiro [1908-1951]nasceu em Santa Luzia do Norte, Alagoas.
Faz parte do acervo um disco de cera de 1904 com a canção “Casa Branca da Serra” oriunda do poema do poeta e jornalista alagoano Sebastião Cícero Guimarães Passos [1867-1909]. Outra raridade é o discurso de Jânio Quadros em disco de cera de 78rpm em que então candidato a presidente da República, em 1960, se dirige aos eleitores alagoanos.
O maestro e compositor alagoano Hekel Tavares [1896-1969], é entre outras relíquias, a que Claudevan Melo mais admira, faz parte do seu acervo a primeira composição erudita “André de Leão e o demônio de cabelo encarnado”, em disco original do maestro de 1935, bem como a sua primeira composição popular de 1925.
A família de Hekel Tavares transformou Claudevan Melo no fiel depositário de todo o acervo do maestro, em seu acervo é o único lugar no Brasil e no mundo onde se pode realizar pesquisas sobre esse importante maestro e compositor conhecido e tocado em grande parte do mundo.
A partitura da histórica ópera Calabar do compositor paraense Elpidio Pereira [1872-1961], é mais uma relíquia, esta ópera foi iniciada em 1914, mas só foi apresentada o terceiro ato quando os reis da Bélgica visitaram o Rio de Janeiro em 1920, então capital federal e anos depois na França quando Elpido Pereira esteve como bolsista do teatro Amazonas, a ópera foi escrita originalmente em francês é apresentada em Paris, mas em forma de recital concerto.
Claudevan Melo vem ao longo dos anos se transformando numa instituição que mantém com recursos próprios um galpão de 200 m² onde estão acondicionado algo como duas toneladas de discos de cera, long play, gramofones, livros, fotografias, partituras e objetos pessoais de artistas e compositores alagoanos e de outros partes do país.
As coleções que constituem o acervo abrangem o período de 1904 a 1970, são documentos de maestros, cantores, compositores, atores adquiridas em leilões especializados, comprados de outros colecionadores e em sebos no Brasil e no estrangeiro.
Os acervos públicos de um modo geral prestam serviços com certa precariedades, a cultura no Brasil tem sido muito maltratada pelos governantes nos três níveis de poder. Mas existem alguns acervos de institutos e fundações privadas que tem feito a diferença no acesso ao público e nos cuidados com os acervos.
Claudevan Melo tem divulgado a música e os trabalhos produzidos pelos astros alagoanos em suas palestras e em workshop em São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente. O seu acervo particular é uma joia rara ainda desconhecida dos alagoanos.