Minha intenção com as resenhas para a nossa coluna Depois do Play, vai muito além do exercício crítico, para o bem ou para o mal. Em cada uma delas, por meio das palavras, exerço a prerrogativa e tentativa de apresentar o conteúdo dos álbuns, sobre os quais, em sua imensa maioria, faço audições deleitosas. Traduzi-los, sob o meu ponto de vista, posto que a cada fruidor caberá o usufruto e tradução particular, tem sido um exercício dinâmico por natureza e um tanto pendular. Porém, às vezes, torna-se fácil, além de prazeroso, como é o caso do álbum ‘AM Pros Pés’, que será lançado nas plataformas digitais, pelo Mestre e artista popular alagoano Jurandir Bozo.
Entretanto, por que seria fácil, quando sabemos que resenhar uma construção artística passa longe de tal facilidade? Bem, é que, no caso específico do álbum ‘AM Pros Pés’, Jurandir Bozo intercala as faixas desse trabalho com falas e poesias, que traduzem e apresentam a percepção da obra pelo próprio autor. Então, diante desse farto e rico material, seria insensato não aproveitá-lo, transcrevendo-o aqui, no afã de ilustrar essa resenha muitíssimo melhor do que eu poderia fazê-lo, apenas com as minhas adstritas considerações. Portanto, irei pontuar tão-somente sobre as canções e suas conexões sensórias para comigo. Tenho certeza de que assim teremos e chegaremos muito próximos de um belo panorama sobre esse trabalho importante para cultura popular alagoana, arejada pela visão estética do Mestre Jurandir Bozo, que, sabiamente, conservou a espinha dorsal da tradição e, ao mesmo tempo, manteve os pés na modernidade.
Hibridismo Sonoro
Sendo assim, a primeira fala do Mestre trata logo de definir e mostrar sua visão sobre esse trabalho. Interpelado por uma espécie de apresentador de um programa de rádio, personagem vivida pelo ator alagoano Julien Costa, Jurandir Bozo afirma: ”É um disco que tem uma importância muito grande da coletividade. Pessoas que participaram ativamente do processo ‘Pros Pés’; que foi um espetáculo que a gente fez em 2011. Esse resultado coletivo fica muito claro no disco, acredito eu. Então, preciso citar: Jefferson e Jonathan, Kaw Lima e Arnaud Borges, porque eles, junto à minha ideia, é que dão o resultado do disco. E é um disco no qual trabalho o Coco de Roda em sua vertente mais tradicional, no sentido de preservar o eixo, a coisa mais significativa, a métrica das poesias, a aplicação dos trupes nos lugares mais tradicionais, enfim… Mas que não perde o contato com a contemporaneidade, é uma disco bem contemporâneo, e que a gente procurou colocar coisas que nos agrada, que a gente gosta de ouvir. Então, ele tem esse contato com a coisa mais contemporânea e tem participações especiais, que só abrilhantam e aí vocês precisam ouvir, que vocês vão ver e espero que todos gostem.”
Dito isso, o álbum começa fazendo a abertura da função, com o tema ‘Cheguei Alagoas’ (Jurandir Bozo) que, imediatamente, leva-nos a pôr os pés e a alma no terreiro do Coco de Roda, onde a brincadeira tem sua jornada iniciada, tradicionalmente, pela apresentação. Aqui, Jurandir Bozo pede licença para cantar e apresentar a cultura popular, porém, com uma dose de hibridismo na textura sonora. Tendo como base a levada tradicional do coco, o Mestre propõe ir além do pandeiro, ganzá e trupé, cobrindo com um manto de cordas e uma viola caipira o que antes era tão puro e legítimo que parecia nu. Essa estética sonora e conceitual é repetida, por exemplo, em temas como ‘Mundo Diferente’ (Jurandir Bozo), na dolente ‘Ciclo de Um Destino’ (Arnaud Borges) e na prece-canção delicada e pungente de ‘Oração’, também de Arnaud Borges.
Alma e Verve
Aliás, a parceria laboral entre Arnaud Borges e Jurandir Bozo é de longa data e está mais que fortalecida nesse trabalho. Além de assinar três das composições desse álbum, Arnaud Borges assina os arranjos, junto com Jurandir Bozo, em sete faixas e toca violão em todas as músicas onde foram utilizados instrumentos de harmonia. Então, em mais uma de suas falas no álbum, Jurandir Bozo reconhece quem esteve ao seu lado, para tecer esse belo trabalho: “É um disco que teve a produção do Décio Messias, do Arnaud Borges junto a mim, e os arranjos do Kaw Lima, e participações especiais, que só tenho a agradecer a todos. Foi um disco de amigos tocado com muito carinho, feito com muito carinho e estou muito feliz com o resultado e espero que todos gostem e vamos encher o mundo de conversa e de muito Coco.”
A importância do álbum ‘AM Pros Pés’ vai além do registro fonográfico de belas canções, estruturadas nos alicerces da cultura popular e num segmento tão significativo para a gênese da musicalidade alagoana: o Coco de Roda. Esse trabalho é personalístico, tem a alma e a verve do Mestre Jurandir Bozo, na luta que vem travando em defesa da integridade e sobrevivência desse gênero da nossa expressão popular. Portanto, nesse álbum, suas falas não servem só para o agora, se ouvidas, mas servirão também ao futuro, quando se mostra enfático ao afirmar: “Acredito que a gente, aqui em Alagoas, esteja vivendo um momento muito difícil em relação à preservação da identidade do Coco Alagoano. Nós temos diversos estilos e escolas do Coco Alagoano, que têm se perdido ao longo do tempo e isso não é uma coisa legal.”
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!
SERVIÇO
AM Pros Pés, Jurandir Bozo
Plataformas digitais: Apple Music, Spotify, Deezer, Amazonmusic, YouTube Music