29 de agosto de 2022 11:15 por Mácleim Carneiro
Devo dizer que, do meu ponto de vista, pelo viés comparativo às referências pretéritas da MPB, não vejo como avaliar a música que a rapaziada das gerações y e z têm produzido para as prateleiras da “Nova MPB”, ou seja lá qual for o rótulo escolhido. Se formos observá-la pela ótica das referências musicais da minha geração, por exemplo, entendo que correremos o sério risco da incompreensão ou de algum choque de gerações, que não caberia e jamais seria útil para qualquer abordagem sobre o tema. Portanto, dito isso, prefiro mil vezes um viés mais amplo, guiado tão somente pela simples contemplação, desprovida de preconceitos, saudosismos e opiniões pré-estabelecidas por algum juízo de valor.
Uso dessa introdução um tanto retórica, porque estou diante do álbum de uma legítima representante desse novo jeito ou fórmula de produzir música contemporânea, em suas nuances harmônicas, melódicas e assessórios sonoros, entendidos como arranjos. Pois bem, Lorena Firmino adotou o nome artístico de LoreB e após o lançamento do bem-sucedido EP ‘Etéreo’, deu mais um conciso passo adiante, com o lançamento do álbum ‘Cheio de Vazio’, que também é um “álbum visual” e poderá ser visto acessando o link disponível no Serviço da Depois do Play. Com esse novo trabalho, LoreB demonstra musculatura suficiente para ser uma das referências da nova estética da cena musical que tem se desenhado nos últimos tempos em Alagoas.
Discurso Realista
De acordo com a artista, “cada detalhezinho tem meu dedo, tá a minha cara, mais maduro, mais experimental, mais ousado, como eu queria que ficasse.” Pois, então, sorte de quem tiver a curiosidade para ouvir com a alma leve e a certeza de que estará diante de uma jovem artista que ratifica a condição privilegiada da música produzida em solo caeté. Portanto, é bastante seguro afirmar que em ‘Segurança Eletrônica’ (LoreB), faixa que abre o álbum em slow motion, com uma programação eletrônica que nos remete aos filmes de cenas em câmera lenta, não necessariamente daquelas onde o par romântico corre para o abraço giratório em um longo beijo de The End, o discurso é bem realista: “Todo mundo tá pirando e virando segurança eletrônica.” Abrir o álbum dessa maneira, tem uma enorme vantagem: tudo poderá acontecer no encadeamento seguinte, pois a tendência do gráfico será, certamente, ascendente.
Na sequência, ‘Vazio Moral 2.0’ (LoreB) traz mais uma referência cinematográfica, ao menos para mim. Sua introdução tem um piano arpejante e o som de ondas do mar, o que me remeteu direto para uma das cenas de O Piano, filme da diretora neozelandesa Jane Campion, que ganhou o Oscar de melhor roteiro original em 1993. Além disso, quando a letra diz: “Lá é o lugar cheio de vazio moral”, poderia ser a fala perfeita para a personagem Ada, que se assemelha à afigura de Perséfone, deusa dividida entre o mundo da luz e da escuridão. Musicalmente, como o previsto, essa segunda faixa já aponta para uma atmosfera rítmica um pouco mais elevada, com espaço especial para o Hip Hop, pela participação especial da cantora HUNÁ.
Escola Schlikmann
‘Se Fosse Normal Ser Louco?’ (LoreB e Gustavo Granja) ratifica a ambiência sonora um tanto onírica desse álbum, onde os teclados e sintetizadores de Júnior Bragazion pontuam, com absoluta competência, e traz as participações especiais da Cris Braun e do contrabaixista Fernando Nunes, veteranos avalizando o trabalho de LoreB. Aliás, suponho que aqui temos uma citação de Lilás, implícita no riff melódico muitíssimo parecido ao do mega hit do Djavan. ‘Carne Barata’ (LoreB) é uma bossa sob a ótica dessa nova linguagem e estética formatadas pela “Nova MPB”, onde LoreB soube aplicar bem os conceitos e aprendizados advindos da escola Schlikmann, tão presentes e representativos de um segmento da música aquariana, na atualidade. ‘Não Há Mais Tempo’ (LoreB) revela-se mais atual e factual do que nunca, ao nos dizer que “Não há mais tempo pra chorar / A luta diz que o fim terá que seguir / Ir além sem hesitar / E o bem retomará.” Se seguirmos essa dica da artista, sem dúvida, as mudanças virão em breve e para muito, muito melhor!
Logo após vem ‘Alírica’ (LoreB), como que a festejar um novo tempo, pós-mudanças, cheio de solfejos lúdicos e revestidos pelo timbre etéreo de um DX7, vindo lá do túnel do tempo dos anos 1980. Na faixa seguinte, temos uma referência direta ao ícone maior da musicalidade alagoana, pois LoreB faz uma releitura do samba Avião (Djavan), em Being Cool, que, por sua vez, foi gravada no álbum Puzzle Of Hearts, do Djavan. Aqui, LoreB também canta em inglês, respeitando e preservando a harmonia e melodia, sem limitar a criatividade para mostrar possibilidades de um arranjo cool e climas que a versão original não revelou.
Já estamos chegando ao final da audição e encontramos em ‘Permissão’ (LoreB e Wado) uma pegada mais pop, fazendo a ponte para a última faixa desse muitíssimo bem-resolvido álbum ‘Cheio de Vazio’, cujo ponto final é funkeado em ‘A Parte Que Falta’ (LoreB), sobretudo, pelo punch do contrabaixo de Júnior Bragazion. Como consideração final, percebo um grande paradoxo implícito ao título desse belíssimo trabalho: o ‘Cheio de Vazio’ está repleto e transbordante do talento de uma compositora sensível e inteligente, que sabe muitíssimo bem adequar à música que compõe sua expressão vocal e interpretativa. Portanto, não existe vazio, quando se está repleno de LoreB. Embora, em tempos de tantos excessos, alguns vazios existam exatamente para não serem preenchidos.
SERVIÇO
Cheio de Vazio, LoreB
Plataformas digitais: Apple Music, Spotify, Deezer, Amazonmusic, YouTube Music
Álbum Visual: https://youtu.be/bTzO6kbZ4QE
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!