quarta-feira 25 de dezembro de 2024

Funcionários de usina relatam sofrer assédios para votar e apoiar Bolsonaro

Reuniões, adesivos na empresa, e ameaças de demissão em quem vota na oposição são algumas das práticas que funcionários relatam; empresa nega

19 de dezembro de 2022 5:29 por Da Redação

Usina Porto Rico| Divulgação

Por Wanessa Oliveira, da Mídia Caeté

“Lembrem-se que só estamos moendo por causa do presidente”. Esta é uma de várias expressões que funcionários da Usina Porto Rico, em Campo Alegre, relatam ouvir constantemente por parte de suas chefias às vésperas das Eleições de 2022, Além dos “lembretes”, os trabalhadores também denunciam sofrer ameaças de demissão a quem declarar voto em Lula (PT), principal candidato da oposição ao presidente, e uma série de outras ações de coação por parte da empresa. A administração da usina nega todas as acusações.

Nas redes sociais, um cartaz com a foto do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), é estampada em um chamado para uma carreata, que vai acontecer no próximo dia 25 . Já no cartaz seguinte, outra imagem, com a logomarca da usina, indica o local em que os carros poderão ser adesivados: um posto de combustível que pertence também ao grupo familiar que detém a usina.

Reprodução

De acordo com um dos funcionários que falou à Mídia Caeté – mas optou não identificar o nome com receio de retaliação – a convocação para a carreata é o estopim de uma série de outras situações vivenciadas no dia a dia dentro da empresa, diante da proximidade do pleito eleitoral.

“Eles chamam para uma conversa e dizem em qual candidato à presidência devem votar, em tom firme. Dizem que a empresa só está neste patamar por causa do presidente. Aos que tentaram contrato para safra, dizem que se não votarem no 22 não seriam contratados”, relatou um funcionário. Segundo ele, todos os carros da empresa estão adesivados. “Alguns setores de trabalho também tem adesivos”.

Ainda em seu relato, acrescenta que as determinações partem de chefes responsáveis por cada setores, acionistas e diretores. “Na contratação, este tipo de pedido era feito no pátio, na frente de todos que estavam presentes. Também são feitas reuniões convocando grupos de pessoas para isso”.

Nesta semana, o diretor da empresa, Carlos Monteiro, divulgou a presença do deputado federal aliado a Bolsonaro, e também candidato, Arthur Lira (Progressistas), no interior da empresa para falar sobre “suas propostas”. O evento aconteceu no clube da usina que, como pode ser verificado na imagem publicada nas redes sociais, está decorada com adesivos de Lira e Bolsonaro. O evento foi publicado na página de rede social do vice-prefeito de Campo Alegre, e filho de Carlos Monteiro, Leonardo Monteiro.

Fotografia mostra vice-prefeito de Campo Alegre – e filho do diretor da Usina Porto Rico -Leonardo Monteiro ao lado de Arthur Lira, dentro do clube da usina | Divulgação/redes sociais

Durante a descrição da atividade, o filho do diretor da usina diz que: “Ontem foi um dia muito importante. Estive junto do deputado @oficialarthurlira em reunião com colaboradores da Usina Porto Rico. Falamos da importância de reeleger nosso presidente @jairmessiasbolsonaro, dos avanços alcançados mesmo diante de uma pandemia e uma guerra que afetou todo o mundo (…). Estiveram presentes o Diretor Carlos Monteiro, conselheiros do grupo, e uma das proprietárias da Usina, Dona Isabel Tenório, e o nosso candidato a deputado estadual @fernandopeireira oficial”.

Reprodução

Administração da Usina nega acusações: diz que campanhas não partem da empresa e conversas, se existirem, ‘são amigáveis’

A reportagem da Mídia Caeté procurou a Usina Porto Rico, que negou a acusação de qualquer tipo de coação inferida a funcionários. A coordenadora de Recursos Humanos da empresa, Elaine Ferreira, alegou que os atos não partem da empresa e que todos têm liberdade para votar e apoiar quem quiser.

“Não temos informações de situações como essa. Se existe algo, são conversas que acontecem ‘amigavelmente’ entre funcionários, e ninguém é obrigado a nada”, diz.

Sobre a presença de Arthur Lira nas instalações do clube, afirmou: “essa visita aconteceu a pedido do deputado, e não partida da usina. Inclusive, aconteceu no clube que é administrado por uma pessoa que nem é do partido do deputado, mas mesmo assim o recebeu. Para se ter ideia do quanto há uma liberdade de escolha, sim”.

Já a respeito da carreata, a coordenadora de RH afirmou que a direção da Porto Rico não está na organização da carreata e a logomarca da empresa foi utilizada “indevidamente” por algum funcionário. Questionada sobre o fato de que até mesmo o “adesivaço” aconteceria nas instalações de um posto de combustível pertencente ao grupo, Elaine Ferreira declarou que as propriedades são administradas por grupos diferentes. “A usina é administrada por uma pessoa, o posto por outra, e o clube por outra. Não é um grupo econômico só”, contou.

Entretanto, em consulta aos CNPJs do posto de combustível Campo Alegre, e o da usina , é identificado o vínculo do estabelecimento ao grupo da Usina Porto Rico em seu quadro societário. As informações podem ser encontradas em diversos portais de consulta empresarial.

Quadro societário do Posto Campo Alegre, conforme consulta em CNPJ

Já no quadro societário da Usina, que hoje passa por processo de Recuperação Judicial, é possível identificar nomes em comum também:

 

Quadro societário da Usina Porto Rico, conforme consulta em seu CNPJ

Combate ao “Assédio eleitoral”, coronelismo e medo de denúncia

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Combate ao “Assédio eleitoral”, coronelismo e medo de denúncia

Recentemente, publicamos uma reportagem sobre a pesquisa “Violência e Democracia: Panorama Brasileiro Pré-Eleições 2022”. O estudo, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), revelou que 67,5% das pessoas abordadas afirmam ter medo de serem agredidas em razão de suas escolhas políticas ou partidárias. Clique aqui para baixar a publicação.  

Ainda na apresentação da pesquisa, os pesquisadores contextualizam o momento de regime vivenciado pelo país. Utilizando um relatório da segundo relatório da think tank Varieties of Democracy (V-DEM), assinalam que, longe de ainda estarmos numa democracia liberal – que por si só já é permissiva e reprodutora de desigualdades sociais, mas preserva os chamados direitos civis – fomos enquadrados desde 2019 numa categoria inferior de “democracia eleitoral”. Esta definição já se  caracteriza pela redução do aspecto democrático à possibilidades de eleger representantes. A participação civil e política do povo já é mais restrita ainda dos processos decisórios.

Entretanto, os estudos desta mesma organização internacional vêm demonstrando que a condição brasileira desce mais um degrau democrático se aproximando da autocracia, um regime que já se caracteriza pelo autoritarismo e uma série de ameaças às instituições inclusive diante de ameaças verbais e explícitas ao processo eleitoral, que é a base num regime representativo. Clique aqui para ler a reportagem completa.

As movimentações políticas que definem o grau de democracia não se descolam destes ambientes onde a política coronelista é definidora das relações de trabalho e de garantir meios de sobrevivência em municípios. Perduram, portanto, o “voto de cabresto”, as ameaças em conversas particulares, onde pouco ou nada pode ser feito pelos funcionários – seja para comprovar a denúncia, seja para sequer reunir coragem de fazê-la ou entender quais ferramentas se pode ter para fazer isso, sem passar por algum tipo de exposição.

E, assim, enquanto são numerosas as denúncias de crimes eleitorais trocadas entre coligações e partidos que se opõem – sejam elas verídicas ou não –  este número de demandas cai vertiginosamente, quando se trata de denúncias dentro do campo do trabalho, principalmente produzida diretamente por trabalhadores afetados e que não possuem qualquer segurança de fato que garanta a manutenção no trabalho. Assim, até a reunião de provas é dificultada pelo medo.

De acordo com o Ministério Público do Trabalho em Alagoas, até esta quinta-feira, 23, apenas duas denúncias chegaram a ser encaminhadas à Procuradoria Geral do Trabalho da 19ª Região (PRT-19). Ambas ainda não foram publicizadas, em razão de serem recentes e ainda sob processo de apuração no órgão. Segundo o procurador-chefe do MPT, Rafael Gazzaneo, ao tomar conhecimento de um fato, o órgão abre imediatamente procedimento investigatório.

“É fundamental destacar que a prática do assédio eleitoral não tem qualquer respaldo em nossa legislação, pois não é dado ao empregador fazer qualquer pressão no sentido de influenciar o voto dos seus empregados. Como é sabido, o voto, felizmente, ainda é livre no Brasil e qualquer cidadão tem que ser garantida essa liberdade, que está inserida como um direito fundamental assegurado na constituição”, informou.

“Caso efetivamente fique comprovada qualquer pressão ou coação, o empregado deverá denunciar o seu empregador aos órgãos competentes, além de ter a possibilidade de acioná-lo individualmente, com a finalidade de obter do Poder Judiciário Trabalhista uma indenização pelos prejuízos morais decorrentes dessa condenável conduta”.

Há cerca de um mês,  a Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da
Discriminação no Trabalho, do Ministério Público do Trabalho da União, em Brasília, publicou uma recomendação destinada às empresas, apontando por uma série de providências a serem adotadas. O documento, que você pode visualizar clicando aqui, orienta às empresas:

“1. ABSTER-SE de conceder ou de realizar qualquer promessa de concessão de benefício ou vantagem a pessoas que buscam trabalho ou possuem relação de trabalho com sua organização (empregados, terceirizados, estagiários, aprendizes, entre outros) em troca do voto de tais pessoas em candidatos ou candidatas nas próximas eleições;
2. ABSTER-SE de ameaçar, constranger ou orientar pessoas que possuem relação de trabalho com sua organização (empregados, terceirizados, estagiários, aprendizes, entre outros) ou mesmo aquelas que buscam trabalho a votar em candidatos ou candidatas nas próximas eleições.”

O documento conclui advertindo que o não cumprimento pode ensejar adoção de medidas administrativas por parte do MPT, o que não elimina a possibilidade de responsabilização criminal também através de ordens competentes. Você pode baixar o documento na íntegra aqui: outrasprovidencias_11539-2022_gerado-em-26-08-2022-12h34min35s

O procurador-chefe em Alagoas corrobora: “As consequências da coação eleitoral poderão atravessar o período das eleições porque a denúncia demanda a produção de provas, a exemplo da coleta de depoimentos dos trabalhadores e de outras pessoas que presenciaram a prática do assédio eleitoral”, informa.

“Nada obstante essa possibilidade, nada impede que o MPT, após concluir pela veracidade da ilicitude cometida pela empresa, ajuíze ação perante a Justiça do Trabalho com o objetivo de obter um provimento que ordene a empresa a se abster de tal conduta no futuro. O MPT deve, ainda, pedir a sua condenação no pagamento de dano moral coletivo, cujo valor deverá ser estabelecido em favor da sociedade ou dos próprios trabalhadores vítimas dessa condenável prática”, acrescentou.

Como denunciar: e, sim, pode ser em anonimato.

De acordo com o MPT, o trabalhador poderá denunciar a prática de assédio eleitoral ao Ministério Público do Trabalho em Alagoas, pelos telefones 2123-7900 (Maceió) ou 3482-2900 (Arapiraca); pelo site prt19.mpt.mp.br; pessoalmente na sede do MPT, em Maceió, ou na Procuradoria do Trabalho em Arapiraca, de segunda a sexta-feira; ou pelo aplicativo de celular MPT Pardal. Em qualquer desses canais, a denúncia pode ser feita de forma anônima.

Combate ao “Assédio eleitoral”, coronelismo e medo de denúncia

A pesquisa “Violência e Democracia: Panorama Brasileiro Pré-Eleições 2022”, produzida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), revelou que 67,5% das pessoas abordadas afirmam ter medo de serem agredidas em razão de suas escolhas políticas ou partidárias. Clique aqui para baixar a publicação.  

Ainda na apresentação da pesquisa, os pesquisadores contextualizam o momento de regime vivenciado pelo país. Utilizando um relatório da segundo relatório da think tank Varieties of Democracy (V-DEM), assinalam que, longe de ainda estarmos numa democracia liberal – que por si só já é permissiva e reprodutora de desigualdades sociais, mas preserva os chamados direitos civis – fomos enquadrados desde 2019 numa categoria inferior de “democracia eleitoral”. Esta definição já se  caracteriza pela redução do aspecto democrático à possibilidades de eleger representantes. A participação civil e política do povo já é mais restrita ainda dos processos decisórios.

Entretanto, os estudos desta mesma organização internacional vêm demonstrando que a condição brasileira desce mais um degrau democrático se aproximando da autocracia, um regime que já se caracteriza pelo autoritarismo e uma série de ameaças às instituições inclusive diante de ameaças verbais e explícitas ao processo eleitoral, que é a base num regime representativo. Clique aqui para ler a reportagem completa.

As movimentações políticas que definem o grau de democracia não se descolam destes ambientes onde a política coronelista é definidora das relações de trabalho e de garantir meios de sobrevivência em municípios. Perduram, portanto, o “voto de cabresto”, as ameaças em conversas particulares, onde pouco ou nada pode ser feito pelos funcionários – seja para comprovar a denúncia, seja para sequer reunir coragem de fazê-la ou entender quais ferramentas se pode ter para fazer isso, sem passar por algum tipo de exposição.

E, assim, enquanto são numerosas as denúncias de crimes eleitorais trocadas entre coligações e partidos que se opõem – sejam elas verídicas ou não –  este número de demandas cai vertiginosamente, quando se trata de denúncias dentro do campo do trabalho, principalmente produzida diretamente por trabalhadores afetados e que não possuem qualquer segurança de fato que garanta a manutenção no trabalho. Assim, até a reunião de provas é dificultada pelo medo.

De acordo com o Ministério Público do Trabalho em Alagoas, até esta quinta-feira, 23, apenas duas denúncias chegaram a ser encaminhadas à Procuradoria Geral do Trabalho da 19ª Região (PRT-19). Ambas ainda não foram publicizadas, em razão de serem recentes e ainda sob processo de apuração no órgão. Segundo o procurador-chefe do MPT, Rafael Gazzaneo, ao tomar conhecimento de um fato, o órgão abre imediatamente procedimento investigatório.

“É fundamental destacar que a prática do assédio eleitoral não tem qualquer respaldo em nossa legislação, pois não é dado ao empregador fazer qualquer pressão no sentido de influenciar o voto dos seus empregados. Como é sabido, o voto, felizmente, ainda é livre no Brasil e qualquer cidadão tem que ser garantida essa liberdade, que está inserida como um direito fundamental assegurado na constituição”, informou.

“Caso efetivamente fique comprovada qualquer pressão ou coação, o empregado deverá denunciar o seu empregador aos órgãos competentes, além de ter a possibilidade de acioná-lo individualmente, com a finalidade de obter do Poder Judiciário Trabalhista uma indenização pelos prejuízos morais decorrentes dessa condenável conduta”.

Há cerca de um mês,  a Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da
Discriminação no Trabalho, do Ministério Público do Trabalho da União, em Brasília, publicou uma recomendação destinada às empresas, apontando por uma série de providências a serem adotadas. O documento, que você pode visualizar clicando aqui, orienta às empresas:

“1. ABSTER-SE de conceder ou de realizar qualquer promessa de concessão de benefício ou vantagem a pessoas que buscam trabalho ou possuem relação de trabalho com sua organização (empregados, terceirizados, estagiários, aprendizes, entre outros) em troca do voto de tais pessoas em candidatos ou candidatas nas próximas eleições;
2. ABSTER-SE de ameaçar, constranger ou orientar pessoas que possuem relação de trabalho com sua organização (empregados, terceirizados, estagiários, aprendizes, entre outros) ou mesmo aquelas que buscam trabalho a votar em candidatos ou candidatas nas próximas eleições.”

O documento conclui advertindo que o não cumprimento pode ensejar adoção de medidas administrativas por parte do MPT, o que não elimina a possibilidade de responsabilização criminal também através de ordens competentes. Você pode baixar o documento na íntegra aqui: outrasprovidencias_11539-2022_gerado-em-26-08-2022-12h34min35s

O procurador-chefe em Alagoas corrobora: “As consequências da coação eleitoral poderão atravessar o período das eleições porque a denúncia demanda a produção de provas, a exemplo da coleta de depoimentos dos trabalhadores e de outras pessoas que presenciaram a prática do assédio eleitoral”, informa.

“Nada obstante essa possibilidade, nada impede que o MPT, após concluir pela veracidade da ilicitude cometida pela empresa, ajuíze ação perante a Justiça do Trabalho com o objetivo de obter um provimento que ordene a empresa a se abster de tal conduta no futuro. O MPT deve, ainda, pedir a sua condenação no pagamento de dano moral coletivo, cujo valor deverá ser estabelecido em favor da sociedade ou dos próprios trabalhadores vítimas dessa condenável prática”, acrescentou.

Como denunciar: e, sim, pode ser em anonimato.

De acordo com o MPT, o trabalhador poderá denunciar a prática de assédio eleitoral ao Ministério Público do Trabalho em Alagoas, pelos telefones 2123-7900 (Maceió) ou 3482-2900 (Arapiraca); pelo site prt19.mpt.mp.br; pessoalmente na sede do MPT, em Maceió, ou na Procuradoria do Trabalho em Arapiraca, de segunda a sexta-feira; ou pelo aplicativo de celular MPT Pardal. Em qualquer desses canais, a denúncia pode ser feita de forma anônima.

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