8 de outubro de 2022 12:57 por Mácleim Carneiro
Lembro-me de que há muito tempo, lá nos idos do século passado, estava eu tomando umas brejas, com um fraterno amigo craque de bola, quando ele me disse uma daquelas verdades filhas do tempo e que só o tempo trata de afiançar, com a rapidez da qual ninguém escapa e o tempo domina, manipula e nos aplica inexoravelmente.
Pois bem, disse-me ele: você está certo em escolher ser músico, pois não terá limites para exercer a sua profissão. Porém, ser jogador de futebol é ter atividade profissional curta e limitada.
Foi uma conversa frugal, mas que retorna à minha mente em determinadas situações reflexivas. Por exemplo, agora, quando tenho o mais recente álbum do mestre Antonio Adolfo, ‘Octet And Originals’ (foto), para resenhá-lo e ilustrar nossa coluna Depois do Play.
Bem, fiz esse preâmbulo todo porque o grande Antonio Adolfo, a cada lançamento de um novo álbum seu, ratifica plenamente a tese do meu amigo jogador de futebol, regada a sei lá quantas brejas.
Antonio Adolfo, que em fevereiro desse ano completou 75 primaveras, tem sido pródigo e generoso para com a humanidade, lançando, com esmero e viço impressionantes, praticamente um novo álbum a cada ano, desde 2013.
E, só para contextualizar melhor o pique e a disposição do mestre, a partir do seu primeiro álbum, ‘Antonio Adolfo & A Brazuca’, de 1969, até o atual, são cerca de 36 títulos, sem contar os singles, EPs e compilações.
Uma impressionante trajetória fonográfica, sobretudo, se levarmos em consideração, que ele cria e grava com o apuro e requinte dos métodos tradicionais, em estúdios de verdade, atuando com músicos de verdade e presencialmente.
Aliás, no texto, que está no álbum físico ‘Octet And Originals’, Antonio Adolfo escreveu: “Sem uma enorme paixão pela música brasileira e a resposta dos fãs, eu não estaria lançando quase um disco por ano, durante as últimas décadas. Entretanto, ideias são essenciais para a criação de cada novo projeto.”
O mestre vai adiante e afirma: “Eu tenho honrado grandes músicos, compositores brasileiros e de jazz, tais como: Tom Jobim, Milton Nascimento, Ernesto Nazareth, Wayne Shorter entre outros.”
Referindo-se especificamente ao ‘Octet And Originals’, Antonio Adolfo revela: “Nesse momento, estou apresentando a minha música em um álbum dedicado exclusivamente a eles.”
São 10 temas, que vão de releituras inesperadas a alguns inéditos e já inesquecíveis! Todas as músicas são composições do grande Antonio Adolfo, bem como os arranjos, tudo maravilhosamente bem urdido pela lavra do mestre.
‘Coração do Brasil’ foi a escolha perfeita para abrir os caminhos de dentro para fora e começa com o contrabaixo acústico de Jorge Helder e a guitarra pica-pau de Ricardo Silveira (insinuando que vai para Maracangalha), o aro de caixa da batera do Rafael Barata e, logo após, os acordes mágicos do piano de Antonio Adolfo, criando a atmosfera e textura sonoras de uma suavidade quase tátil, feito veludo, para que o naipe de metais, formado pelo trompete de Jesse Sadoc, o sax alto de Danilo Sinna, o tenor de Marcelo Martins e o trombone de Rafael Rocha, traduzam a delicadeza e brandura que brotam da poderosa caneta do exímio arranjador Antonio Adolfo, e encontrem tradução perfeita na sensibilidade dos músicos maravilhosos arregimentados por ele e apresentados logo na primeira faixa do álbum!
Aqui, o protagonismo coube aos magistrais improvisos de Rafael Rocha e do próprio Antonio Adolfo, nessa ordem.
Na sequência, faixa por faixa, o mestre faculta aos músicos a possibilidade do protagonismo, uma característica da sapiência e generosidade de quem entende a música como sendo um trabalho coletivo, que chegará ainda mais completo à coletividade individual de cada fruidor, quando realizado por várias mãos.
Por isso, Antonio Adolfo escreveu: “Não existe nada melhor do que contar com um grupo de músicos maravilhosos, que têm gravado comigo em meus mais recentes projetos. Eles são realmente excelentes! Eu também dedico esse trabalho a eles.”
E com eles Antonio Adolfo vai tecendo uma bela trama, por caminhos inéditos, como o ‘Boogie Baião’ e ‘Emaú’, até chegar à clássica ‘Cascavel’, cuja introdução rítmica, da batera de Rafael Barata, de imediato me remete à levada do Boi alagoano. Nela, pela primeira vez, aparece o improviso de Ricardo Silveira, também me fazendo lembrar dos bons tempos do High Life.
‘Cascavel’, de tão bela e emblemática, traz uma nostalgia que me toma de assalto e desconheço de onde venha.
Logo em seguida, ‘Sá Marina’ aparece delicadamente faceira, de arranjo novo, como se a personagem da canção desfilasse insinuantemente perfumada e cortejada pelos solos de Marcelo Martins e Ricardo Silveira, em terças e cachos de uvas.
O arranjo finaliza como que a reverenciá-la, em salamaleques e convenções uníssonas.
‘Teletema’, outro clássico do mestre Antonio Adolfo, também nos apresenta belíssimas novidades em sutilezas na divisão, harmonização e surpresinhas pra lá de agradáveis, que vão desde a interpretação do Antonio, já no início, passando pelos improvisos do trompete e do trombone, até ao timbre onírico da guitarra de Silveira.
E, assim, desfrutamos dos temas ‘Feito em Casa’, ‘Minor Chord’, ‘Zabumbaia’ e chegamos à ‘Toada Moderna’, que encerra com extrema elegância e atmosfera cool mais um belíssimo e imprescindível álbum do grande mestre Antonio Adolfo!
Desfrutar da audição de Octet And Originals’ é como ter a certeza de novos tempos de alegria, harmonia e esperança, que nos serão ofertadas ao final dessas eleições.
Serviço
Octet And Originals, Antonio Adolfo
Plataformas digitais: Spotify, Deezer, iTunes e outras…
Disco físico em: arteriamusic.com.br
Preço: R$ 39,90
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!