23 de março de 2020 9:14 por Marcos Berillo
Luciana Caetano
Professora de Economia da UFAL
Doutora em Desenvolvimento Econômico
A Medida Provisória nº 927/2020 expõe a classe trabalhadora ao ônus de uma crise econômica que antecede o COVID-19 e com a qual o presidente Jair Bolsonaro nunca soube lidar. No primeiro ano de governo, Bolsonaro publicou a Lei 13.874/2019, determinando que novas ocupações cumpram jornada de 12 horas por 36 de descanso, incluindo finais de semana e feriados. Em seguida, Medida Provisória 905/2019 que institui a Carteira de Trabalho Verde e Amarela com a promessa de criar mais empregos, reduzindo o recolhimento do FGTS e o valor da multa rescisória, além de tributar o seguro desemprego dos desempregados. O emprego não foi recuperado e as novas ocupações são compatíveis com precarização e baixos salários, comprometendo a poder de compra da classe trabalhadora e a capacidade de recuperação da própria economia, posto elevar o desequilíbrio da balança entre lucros e salários.
A MP 927/2020 eleva o ônus sobre classe trabalhadora, em especial, sobre os profissionais da saúde. Em seu Art. 26 defende que os estabelecimentos de saúde, mesmo para atividades insalubres e jornada 12 por 36, possam prorrogar a jornada de trabalho e adotar escalas de horas suplementares entre a décima terceira e a vigésima quarta hora do intervalo interjornada, sem penalidade administrativa ao empregador. Em um quadro de elevado desemprego, ao invés de incentivar novas contratações, o governo sugere a elevação da exploração do trabalho e do risco aos profissionais da saúde.
Ampliando o grau de precarização, a MP 927 prevê: a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; a suspensão do recolhimento do FGTS para os meses de março, abril e maio/2020; antecipação de férias sem o pagamento de 1/3 de férias no prazo previsto na CLT, prorrogado até 20/12/2020 junto com a gratificação natalina; e remuneração das férias em desacordo dom o prazo previsto na CLT, podendo ser prorrogado até o quinto dia do mês subsequente. Para finalizar o cavalo de Troia, o Art. 28 da MP determina que, por seis meses, a partir de sua publicação, os prazos processuais para apresentação de defesa e recurso no âmbito de processos administrativos originados a partir de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS ficam suspensos, esvaziando ainda mais a Justiça do Trabalho.
Além de redução das obrigações contratuais previstas no que restou da CLT, após reforma trabalhista, Lei 13.874, MP 905/19 e MP 927/20, o BNDES destina um pacote de R$ 55,5 bilhões de reais para ajudar empresas, mas nenhum plano de emergência é apresentado pelo governo para socorrer desempregados, trabalhadores informais, moradores em situação de rua e trabalhadores por conta própria, isolados pela suspensão de várias atividades produtivas. Países com El Salvador, Reino Unido, Espanha, Venezuela e Itália têm adotado medidas de preservação da classe trabalhadora nessa fase crítica em que muitos perderam, parcial ou integralmente, a renda de subsistência, com suspensão de aluguéis e faturas de telefone, energia, água e gás. Na Venezuela, as empresas estão proibidas de demitirem trabalhadores até dezembro/2020. No Brasil, incentivo à demissão e precarização, sem contabilizar os impactos socioeconômicos. Considerando a queda das exportações, o corte de gastos governamentais e a redução dos investimentos privados, o pacote de Bolsonaro acaba de dar um tiro de misericórdia na classe trabalhadora e na economia brasileira.
O consumo das famílias é a principal variável de demanda agregada, 60% aproximadamente. Se a capacidade de consumo da população não for recuperada com urgência, não haverá saída para a economia brasileira e não é culpa do COVID-19, mas da incapacidade do governo e de sua equipe econômica em compreender a realidade. A subordinação do governo aos interesses do mercado não lhe permite enxergar o que está em jogo. As empresas não vão sobreviver se não existir mercado consumidor, importante mecanismo desse sistema capitalista de produção e acumulação de capital. Os salários precisam ser preservados, os governos das três esferas de governo precisam ter um pacote de emergência de segurança alimentar para os mais vulneráveis, desprovidos de emprego e renda. Não precisa ser socialista para reconhecer a importância da distribuição de renda como instrumento de recuperação da economia nacional. Esse mercado consumidor de 210 milhões de pessoas precisa ser reativado e só o governo pode reorganizar o sistema.
2 Comentários
Excelente discussão! Muito clara, não deixa dúvidas sobre o que precisa ser feito e sobre a responsabilidade de todos em exigir que o Governo assuma suas responsabilidades com a população.
Exatamente, Maria. Esse presidente não tem condições de liderar o país. É um inepto.