17 de junho de 2023 10:50 por Mácleim Carneiro
Quero pedir licença aos nossos 14 leitores, que prestigiam às nossas resenhas quinzenais, aqui na Depois do Play, para pôr no papel um pouco do que, mais do que nunca, permanecerá vivo em minhas memórias, no meu coração e, sobretudo, no que o cérebro entende e elabora como saudade da vivência adquirida. É claro, todo esse contexto tem a ver com o meu amigo e parceiro querido Carlos Moura, que nos deixou fora do combinado, justo nesse mês das quadras juninas, cujas festas e músicas são tão caras e identitárias da sua atuação e fazeres artísticos.
Tico e Teco, meus dois únicos e rebeldes neurônios, são péssimos em datas e lembranças pretéritas. Sempre me traem e me deixam a ver navios, principalmente, quando são solicitados a trabalhar e cumprirem suas funções. Portanto, não lembro quando exatamente, nem onde tive o primeiro contato pessoal com o Carlos Moura, que doravante chamarei de Carlinhos, como sempre o tratei carinhosamente. Não sei se foi no aquário ou já no Rio de Janeiro, onde morávamos. O fato é que lembro bem dele como o artista, o compositor que eu admirava e que suas canções chegavam até a mim bem antes de conhecê-lo pessoalmente.
Siri Na Lata
Com absoluta certeza, posso contextualizar a consolidação da nossa amizade na cena do Rio, no começo dos anos 1980. O Carlinhos, desde o início, sempre foi muito afetuoso e generoso para comigo. Sua carreira estava em ascensão na mídia nacional, sobretudo, no Rio de Janeiro, onde ele tinha espaço para divulgação dos seus shows nos principais veículos de comunicação, inclusive a TV Globo. Foi nesse contexto que, generosamente, ele me convidou para abrir alguns shows seus em casas noturnas. Para mim, ainda jovem e imaturo, tentando encontrar algum espaço para a minha música na cidade maravilhosa, foram experiências inesquecíveis de aprendizados e exercício da minha mais absoluta gratidão!
Dessa época, lembro-me de um episódio, no qual eu estava presente e que revelou muito do Carlos Moura fiel aos seus e orgulhoso da sua origem. Pois bem, fui abrir o seu show em uma badalada casa na Barra da Tijuca, estava superlotada e com gente saindo pelo ladrão. Portanto, o cachê daquele show deveria ser compatível à lotação da casa. No entanto, na hora do acerto de contas, o proprietário apresentou um valor completamente desproporcional ao que todos sabíamos ser o valor justo e condizente com a realidade. Ao ser questionado pela Bebel – que naquela ocasião era a empresária do Carlinhos, além de sua esposa –, o sujeito foi arrogante e ainda a destratou. Na mesma hora, o que vi foi o cara, de comportamento sempre doce e amigável, quase zen, virar um siri na lata e dizer:” você está pensando o quê? Eu sou de Palmeira dos Índios! Ato contínuo, aplicou um golpe de capoeira nos peitos do gaúcho de quase dois metros de altura. O tempo fechou e eu pensei que iríamos levar uma surra das grandes. Acontece que os seguranças da casa haviam presenciado todo o imbróglio e perceberam que estávamos sendo roubados. Daí, milagrosamente, fomos protegidos por eles e conseguimos sair do local ilesos e em segurança.
Carisma e Dom
Nessa mesma época, tive a honra e o prazer de participar das gravações do single duplo ‘Estrela Cor de Areia’, no Rancho Estúdio, no Rio de Janeiro, com a rapaziada da Cor do Som, os nossos conterrâneos Beto Batera e Téo Lima e alguns músicos da banda do Alceu Valença. Digo isso, porque, certamente, pelo carisma do Carlinhos, todos participaram sem receber cachê, pela livre e espontânea vontade de dar uma força a ele que, à época, precisava ter algo novo no mercado, para continuar trabalhando e fazendo shows. Aliás, o Carlinhos além do dom e talento musical, tinha também o dom de conquistar amizades e despertar admiração pela sua música e pessoa. Seu jeito simples de ser, quase introspectivo, de poucas palavras e gestos contidos, tinha no olhar expressivo a singularidade de falar mais que mil palavras!
Tempos depois, já aqui no aquário, tive a sorte e felicidade de assinar a produção musical dos seus dois últimos álbuns: ‘Carlos Moura Acústico’, onde ele me presenteou com a gravação de ‘Internet Coco’, e o álbum ‘Quebrando o Coco’, com releituras dos seus grandes sucessos, numa pegada regional, característica das festas juninas. Mais uma vez, ele foi generoso e gravou ‘Baião do Coração’, de minha autoria.
Legados
Carlos Moura nos deixou justo no mês onde se sentia mais à vontade em ocupar os palcos e encantar o público, que sabia acolher sua música regional, porém, de alcance ilimitado, pois acessa facilmente nossa emoção e o aconchego dos corações que impulsionam a alma. Deixou-nos, também, joias raras do cancioneiro popular, prenhas das raízes nordestinas, de onde ele extraia sua essência e tecia melodias que o transformaram num trovador moderno, um cantador singular, de memoráveis canções, que ecoarão eternas no panteão dos ungidos pelos deuses apolíneos. Franz Kafka escreveu: “Tudo que você ama, você eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará de uma forma diferente.” Agora, o meu querido amigo tornou-se uma estrela cor de areia!
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!
1 Comentário
Lindo e emocionante texto!