quarta-feira 12 de março de 2025

Maceió, onde não se tem onde cair morto: descaso, necrochorume e covas rasas

Segundo estudos, a prática de sepultamentos em covas rasas é uma das principais responsáveis por contaminação de lençóis freáticos
Cemitérios São José | Secom Maceió

Por Neirevane Nunes*

Nos últimos anos, a contaminação do solo e do lençol freático nos cemitérios públicos de Maceió tem gerado preocupações sobre os impactos ambientais e riscos à saúde pública. O necrochorume é um líquido proveniente da decomposição dos corpos enterrados, contém substâncias tóxicas que podem causar doenças. Estas substâncias se infiltram no solo, comprometendo a qualidade da água e colocando em risco a saúde das comunidades do entorno dos cemitérios.

Um estudo realizado pela mestra em Recursos Hídricos e Saneamento da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Florilda Vieira dos Santos, entre 2009 e 2010, revelou que os cemitérios de Maceió estavam contaminando os lençóis freáticos da parte baixa da cidade. Por meio da coleta de amostras de água, foi investigada a contaminação de fontes subterrâneas em dois cemitérios de Maceió: Nossa Senhora Mãe do Povo, em Jaraguá, e São José, no Trapiche da Barra.

A pesquisa identificou a presença de bactérias indicativas de contaminação fecal e necrochorume, proveniente de sepultamentos em covas rasas, e seu impacto na contaminação das águas subterrâneas e na saúde da população. O estudo foi um alerta sobre os riscos ambientais e a necessidade urgente de ações para mitigar os danos causados.

Em 2013, especialistas recomendaram a interdição dos cemitérios públicos de Maceió devido à falta de medidas adequadas de fiscalização e monitoramento. Segundo estudos, a prática de sepultamentos em covas rasas é uma das principais responsáveis por essa contaminação.

Reprodução

Em novembro de 2014, os sepultamentos em covas rasas foram suspensos no Cemitério de São José, porém, em 2015, foram retomados, mesmo sem o problema ter sido resolvido. E, até hoje, a população não sabe como está sendo feito o monitoramento da qualidade da água.

Nesse ponto, o Ministério Público Estadual poderia requerer a Prefeitura de Maceió que, através da Autarquia de Desenvolvimento Sustentável e Limpeza Urbana (Alurb) e da Vigilância Sanitária municipal, que apresente todos os relatórios de monitoramento realizados até o momento sobre a qualidade do lençol freático nas regiões dos cemitérios públicos de toda Maceió, se é que esse monitoramento esteja sendo feito. Caso não venha sendo executado, que seja exigida sua realização imediata e contínua desse monitoramento.

Crime da Braskem agrava situação

Em 2023, a situação dos cemitérios públicos de Maceió se agravou devido à escassez de vagas para sepultamentos. Uma reportagem da Agência Tatu revelou que, dos 1.065 sepultamentos realizados nos oito cemitérios administrados pela prefeitura, 861 foram feitos em covas rasas, ou seja, 80% dos mortos foram sepultados de forma precária e indigna. Essa prática ocorre nas estreitas ruas entre túmulos e jazigos, refletindo a falta de infraestrutura e planejamento adequado para atender à demanda crescente por sepultamentos.

A interdição do Cemitério Santo Antônio, localizada no bairro do Bebedouro, devido ao afundamento do solo causado pela mineradora Braskem, agravou ainda mais a situação funerária na cidade. Com a interdição, as famílias que possuíam jazigos no local se viram obrigadas a buscar sepultamentos em outros cemitérios, enfrentando longas esperas de até três dias para realizar o sepultamento e, em sua maioria, em covas rasas. Essa realidade tem gerado indignação e sofrimento para as famílias enlutadas, tendo seu direito violado.

Foto: Divulgação

A Defensoria Pública do Estado e a Associação do Movimento das Vitimas da Braskem vêm, através de ações na justiça, buscando garantir a reparação das famílias lesadas pela Braskem em relação ao Cemitério Santo António e também para garantir que a população de Maceió tenha acesso ao sepultamento da forma correta. É necessário, ainda, zerar as filas de sepultamento da demanda diária como também zerar o numero de corpos que esperam no IML também por sepultamento.

Diante desse cenário do colapso do sistema funerário de Maceió, é urgente que as autoridades adotem medidas eficazes para resolver essa situação. Isso inclui a criação de um Plano Municipal de gestão de Cemitérios e Serviços Funerários, a construção de novos cemitérios públicos e de um crematório público, o monitoramento da qualidade água na região dos cemitérios públicos e a implementação de práticas de sepultamento ambientalmente responsáveis e a garantia de que todos os cidadãos de Maceió tenham acesso a um sepultamento digno e seguro. Para a garantia da saúde pública e o respeito aos direitos humanos, a população de Maceió exige da gestão municipal atitudes urgentes e efetivas.

*Bióloga, doutoranda do Sotepp-Unima

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