segunda-feira 25 de novembro de 2024

A economia brasileira em tempos de Covid-19: o antes, o durante e o “depois” (IV)

13 de julho de 2020 9:34 por Redação

Na sabedoria popular há um velho adágio que diz “cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém”. Após período prolongado de isolamento social, mesmo que moderado em muitos casos, é natural que surja nas pessoas o sentimento de esperança de que a realidade se comporte de acordo com seus desejos. Nas últimas semanas, temos assistido no noticiário que o pior da crise já passou e, pelos indicadores da produção industrial, volume de vendas no varejo e nos serviços, mesmo que este tenha vindo abaixo do esperado em maio, a recuperação da economia dar-se-á em um ritmo mais rápido do que o estimado anteriormente pelos economistas e mercado financeiro. Neste artigo, mostraremos que um olhar mais atento sobre os dados para os estados do Nordeste exige que sejamos mais cautelosos na formação de nossas expectativas. Caso contrário,  poderemos estar esquecendo uma outra lição bastante popular: “as aparências enganam”.

Nos gráficos nº 1 e 2, a partir dos dados do IBGE,  os efeitos da pandemia nos índices de volume dos setores varejista e de serviços dos estados do Nordeste estão registrados em seus percentuais de variação, quando comparados a igual período do ano anterior. É preciso destacar de início, que o ano de 2019 foi o que apresentou a menor taxa de crescimento da economia brasileira pós-recessão de 2014 a 2016, 1,1%,  e, mesmo assim, a pandemia, e o consequente isolamento social, levou os índices de volume tanto do varejo como de serviços nos estados do Nordeste a ficarem significativamente abaixo dos observados nos meses de março a maio de 2019 . As exceções são a Paraíba que registrou um zero a zero na variação do índice do volume de vendas quando comparado a março de 2019, e Maranhão com volume de serviços 3,8% acima do registrado naquele período, talvez por ter retardado o início da quarentena para o final de março.

No caso do varejo, conforme gráfico nº 1, o mês de abril de 2020 parece representar o fundo do poço, uma vez que em maio do corrente ano os índices de vendas passaram a apresentar um fosso menor em relação ao nível de maio de 2019. Apesar desta aparente melhora, comparando-se os índices de volumes médios trimestrais de março a maio de 2020 com igual trimestre em 2019, o buraco no varejo continua bastante expressivo, ou seja,    Maranhão está -12,3%, Piauí -15,6%, Ceará -27,1%, Rio Grande do Norte -13,4%, Paraíba -7,9%, Pernambuco -15,1%, Alagoas -18,2%, Sergipe -17,3% e Bahia -18,6%. Isto significa que há ainda uma boa subida na jornada para sair do buraco, o que exige um olhar mais cauteloso sobre a realidade e menos o tão desejável “agora vai”.

Diferentemente do varejo, a variação do índice de volume do setor de serviços para os estados do Nordeste registrou continuidade do mergulho em maio, exceto Paraíba e Bahia, de acordo com o gráfico nº 2. É provável que o relaxamento da quarentena a partir de junho em vários estados da região contribua para o início do processo de subida neste setor, cuja sustentabilidade continua uma questão em aberto como será abordado a seguir. O fato concreto é que o retorno a superfície exigirá um esforço ainda maior quando comparado ao varejo, principalmente na superação de obstáculos de natureza psicológica, desde que enquanto não houver uma vacina as pessoas serão mais cautelosas ao frequentar ambientes fechados e exigirão maior segurança sanitária.

Dado que comércio e serviços respondem por mais de 70% do PIB dos estados do Nordeste, é preciso se refletir e especular sobre as seguintes questões: qual a sustentabilidade da recuperação destes setores supondo-se que maio, no primeiro caso, e junho, no segundo, representem o fundo do poço? Quais os possíveis efeitos estruturais, mais especificamente sobre as MPEs, do tombo sofrido por estes dois setores no trimestre de março a maio de 2020?

Antes de partimos para o exercício de especular quanto a essas questões, é preciso pontuar que o quadro seria muito pior se não fosse o Auxílio Emergencial (AE) que, a despeito dos problemas em sua implementação, está tendo um peso considerável na sustentação da renda dos mais vulneráveis no Nordeste.  Estimativas realizadas pelo IPEA apontam que, em maio, da massa de rendimentos do trabalho efetiva do Maranhão o AE respondeu por 50,6%,  no Piauí por 39,7%, Ceará 36,8%, Rio Grande do Norte 29%, Paraíba 33%, Pernambuco 32%, Alagoas 44,3%, Sergipe 34% e Bahia 40%. Estudos, por sua vez, continuam atestando o importante efeito multiplicador sobre os gastos e a renda da economia do AE, CEDEPLAR e UFRRJ, principalmente no setor varejista da região Nordeste, mas o caráter temporário desta política assistencial enseja certa cautela quanto a sustentação dos seus atuais resultados satisfatórios de minimização da crise.

A resposta ao questionamento que trata do impacto setorial da crise passa pelo controle da epidemia, não só o achatamento como a redução de sua taxa efetiva de reprodução (Rt), no momento da escrita deste artigo, 12/07/20, de acordo com o site Covid-19 Analytics, a exceção da Paraíba com (Rt=1),  os demais estados do NE tem Rt>1, o que exige cautela na política de relaxamento da quarentena sob pena de ter que voltar a endurecer mais à frente. Mas, além da eficácia das políticas públicas de coordenação sanitária, a sustentação de uma possível retomada da economia também dependerá da continuidade das políticas macroeconômicas  de auxilio às famílias, empresas e Unidades da Federação (que serão em breve abordadas em outro artigo neste espaço), não só na fase crítica (políticas de mitigação) como no pós-pandemia (políticas contracíclicas). A falta de consenso quanto a natureza dessas políticas poderá ser uma pedra na escalada da recuperação e mais um fator a exigir cautela nos nossos prognósticos e expectativas futuras.

Quanto a questão estrutural, à que trata da segunda questão mencionada, não dá ainda para se saber o número de MPEs que sobreviverão a pandemia, mas podemos especular que o seu impacto poderá surpreender negativamente, a partir de alguns indícios. De acordo com o Sebrae, o maior contingente de MPEs vulneráveis encontra-se nos setores de comércio e serviços,  85% na média dos estados do Nordeste. Como mostrado acima, o impacto do Covid-19 nestes dois setores foi expressivo, mesmo com a região sendo a maior beneficiada pela política AE. Ou seja, a demanda não foi suficiente para evitar o tombo. E que tombo! Associada a isto, continua crítico o acesso das MPEs às linhas de crédito para a preservação da capacidade destas empresas de ofertar bens e serviços.  Pesquisa recente do Sebrae (G1) mostra que em maio quase 50% dos pequenos e microempresários solicitaram crédito aos bancos, mas só 18% tiveram sucesso. Mais uma razão para sermos cautelosos quanto ao “agora vai”. O legado de destruição na estrutura produtiva que poderá ser deixado pela pandemia, em um ambiente onde os canais de crédito continuam bastante obstruídos para as MPEs, não só comprometerá a recuperação, na medida que estas empresas geram 30% da riqueza do país, como terá implicações importantes na geração de emprego, uma vez que os pequenos negócios respondem por mais de 50% do emprego.

O pior pode até já ter passado, todavia não há como negar que o seguinte  paradoxo persiste: o fato da melhoria estar associada ao relaxamento da quarentena , em ambientes onde o vírus continua se propagando em escala ascendente, poderá exigir  em algum momento medidas mais duras de isolamento social, com frustração das expectativas da sociedade. A insegurança provocada pela possível intermitência da quarentena, e a incerteza engendrada pela mesma, poderá desencadear um processo de comportamento precaucional, devido ao medo do que reserva o futuro, por parte das famílias e empresas, com consequente aumento das reservas de dinheiro (sob a forma de poupança ou moeda). O Banco Central vem detectando aumento significativo dos depósitos líquidos de poupança desde março, o que pode ser um indicador da cautela das famílias.  Assim, a despeito  da renda emergencial contribuir, temporariamente, para minimizar os efeitos de retração dos níveis de emprego e renda, principalmente no Nordeste, o comportamento defensivo das empresas e famílias poderá enfraquecer ainda mais a retomada da economia, uma vez que diminui a magnitude da parcela dos gastos na economia, até mesmo os das famílias de rendas mais baixas. As MPEs, por sua vez, teriam que enfrentar simultaneamente as dificuldades de acesso a crédito associada a menor demanda por bens e serviços, o que diminuiria as suas chances de sobrevivência, hoje já consideradas críticas para um contingente significativo delas, diminuindo ainda mais as oportunidades de emprego.

Ante tudo isso, a “aparente melhora” poderá ser o prenúncio de dificuldades reais mais à frente, se continuarmos insistindo na falta de cautela na análise das informações e negando as nossas reais limitações para o enfrentamento da pandemia.  Afinal, como escreveu Ariano Suassuna no alto de sua sabedoria e irreverência: “O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”.

Reynaldo Rubem Ferreira Jr (Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – FEAC – da UFAL)

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