28 de julho de 2020 11:46 por Geraldo de Majella
José Delfino Barbosa nasceu em Mar Vermelho, à época, um dos distritos de Anadia, no dia 5 de maio de 1891. Era filho de Delfino de Souza Barbosa e Benvenuta Maria Barbosa. Estudou apenas o antigo curso primário com o professor Thomaz Alves Jatobá; era o que existia como ensino público. Aos treze anos parou com os estudos e foi trabalhar para ajudar a família. Inicia então as suas atividades como vendedor ambulante, comercializando miudezas.
Ao atingir a maior idade conquista uma representação da perfumaria francesa Guerlain, famosa marca de fragrâncias e cosméticos criada, em 1828, por Pierre-François Pascal Guerlain, em Paris. Passa, também, a representar o bacalhau norueguês. Naquela época, o pescado não era um prato típico da classe média e da elite, mas dos pobres, dos assalariados.
O homem com idade avançada, maior do que a de meus pais, vestia-se impecavelmente para trabalhar numa sala pequena, com apenas uma porta e sem janela. Era o seu escritório, tudo muito simples; além das mercadorias havia uma biblioteca, com os seus livros de consulta, revistas e gibis, talvez pouco observada pelos clientes. O cheiro forte de bacalhau em caixas de madeira contrastava com o cheiro agradável dos perfumes parisienses.
A sua pequena biblioteca me fascinava. Eu era uma criança e tinha oportunidades tão singulares ‒ na cidade não existia banca de revistas e jornais ‒ em minhas mãos como os gibis para ler emprestados por aquele senhor. Era um encantamento de criança, nunca esquecido.
Mas havia outra preciosidade: a coleção de selos. Tentei, quando cresci, imitá-lo, mas não fui capaz; jamais tive condições de manter uma boa coleção de selos. Eu e meu primo, Carlos Roberto, em algum grau nos tornamos filatelistas amadores. Ainda hoje tenho alguns poucos selos, mas não é uma coleção, são lembranças. É a marca deixada pelo velho colecionador de selos de Anadia.
José Delfino, em 1912, foi trabalhar nos Correios como agente postal, o primeiro do então distrito de Mar Vermelho. Talvez esta seja a chave para entender o prazer e a satisfação que ele sentia em colecionar selos e estimular, sem forçar a barra, crianças e adolescentes a se tornarem colecionadores. Os gibis e os selos fizeram-me viajar sem ter de sair de Anadia; viagens imaginárias por um mundo encantado onde as crianças e os velhos não encontram fronteiras.
O tempo corre, e as descobertas a respeito do “seu” José Delfino, o vizinho amigo de meus pais, vão aparecendo décadas após a sua morte. Em 1943, recebeu um convite para trabalhar na Cooperativa Agrícola de Anadia – que não existe mais, e eu nem sabia de sua existência. Transfere-se do distrito de Mar Vermelho para residir na sede do município; além do trabalho regular na cooperativa, colaborava como ghost writer do intendente (o prefeito) da cidade.
Em 1947 se aposenta e continua a viver em Anadia. Em 1961 vê Mar Vermelho ser elevada à condição de cidade. Morre em 1970, com 78 anos de idade.
4 Comentários
Que história bonita, Majella. Embora eu tenha vivido poucos anos na cidade em que nasci, tua prosa me fez lembrar de lá.
Já no início, veio a lembrança do meu pai que estudou até o 4º ano primário e desempenhou várias profissões, tendo sido a primeira, sempre nos relatava, vendedor de almocreve.
Muito bom voltar à infância!
é bom saber que história de gente simples atraem os leitores e faz rememorar os anos de infância e adolescência. Gostei de saber que você gostou.
Muito bom conhecer mais ainda as histórias do meu avô! Não o conheci pessoalmente pois ele já tinha falecido quando nasci, mas em compensação ouço tantas histórias dele q o torna vivo em minha mente.
Obrigado pela reportagem e por trazer mais riquezas as minhas memórias!
Rodrigo, o seu avó foi um personagem na cidade de Anadia. É bom saber que você leu e gostou.