30 de julho de 2020 3:11 por Geraldo de Majella
O pernambucano de Ouricuri, Sebastião Marinho Muniz Falcão (1915-1966), governou Alagoas de janeiro de 1956 a janeiro de 1961. Bacharel em direito, funcionário público, era filho de Lídio Marinho Falcão e Floripes da Rosa Muniz Falcão. Em 1939, o ministro do Trabalho, Valdemar Falcão, o nomeou Delegado Regional do Trabalho (DRT) do Piauí; por problemas de saúde, não foi possível assumir o cargo. Assumiu posteriormente a DRT na Bahia, em Sergipe e em Alagoas, onde se fixou e criou raízes políticas e familiares.
Em Alagoas, atuou para que a legislação trabalhista fosse cumprida, o que foi motivo da desarmonia ocorrida entre o empresariado alagoano e o delegado regional do trabalho. Os sindicatos, à época, eram vinculados ao Estado; Muniz Falcão tratou de reconhecer mais de uma dezena de sindicatos de trabalhadores. Fiscalizava as empresas para averiguar se cumpriam a legislação; em caso negativo, aplicava as sanções previstas em lei. O fato de o delegado do Trabalho cumprir rigorosamente a lei foi motivo suficiente para o patronato sentir-se afrontado.
Muniz Falcão se elegeu deputado federal pelo PST, em 1950, cargo que o elevou à condição de líder dos trabalhadores. Foi o início de uma trajetória vitoriosa e única na história de Alagoas. Com origem política na burocracia estatal, estabeleceu relações de confiança como funcionário público empenhado em proteger os trabalhadores.
Na Câmara federal foi membro das comissões de Legislação Social, de Justiça e do Vale do São Francisco. A partir de 1953, foi escolhido vice-líder da bancada do PSP, partido a que se filiou e liderou durante muitos anos, em Alagoas.
A aliança entre trabalhistas e comunistas passou a ser costurada por Muniz Falcão desde 1951. Na prática, os trabalhistas mantinham certo grau de aproximação no movimento sindical. O PCB, nessa época, havia adotado uma política sectária e abandonara a atuação nos sindicatos. Abriu-se um espaço onde os trabalhistas e outros setores passaram a atuar. A realidade alagoana correu na direção oposta: os comunistas permaneceram atuando nos sindicatos e se aliaram aos trabalhistas. A história demostrou o acerto político de não se afastar das massas trabalhadoras.
Os órgãos de informação do governo federal acompanharam a atuação de Muniz Falcão e o seu relacionamento com O PCB, desde 1951, como indica a sua ficha no Serviço Nacional de Informações (SNI). O SNI foi criado pela lei 4.341/64 e recebeu as informações do Dops e de outros órgãos de informações e contrainformações.
Em setembro de 1951, consta em sua ficha: assinou manifesto pró-libertação da militante comunista Elisa Branco, a costureira que se tornaria um dos maiores símbolos da luta dos comunistas contra a entrada do Brasil na guerra da Coreia. Em outubro, manifestou opinião favorável ao reatamento de relações diplomáticas entre o Brasil e a Rússia. Em fevereiro de 1953, assinou memorial dirigido ao presidente do Paraguai, no sentido de ser permitido ao comunista Ordúlio Barthe deixar o país. Em janeiro de 1955, foi signatário de proclamação publicada no jornal comunista Imprensa Popular sobre o Festival da Mocidade Sul-Americana. Em março de 1956, subscreveu o apelo contra a preparação da guerra atômica.
A visita à China e a nomeação do general, Henrique Cordeiro Oest, militante comunista, para secretário de Segurança Pública e chefe de polícia do estado, e mais as candidaturas pela legenda do PSP dos dirigentes comunistas Jayme Miranda e Nilson Miranda, são algumas anotações em sua ficha (Informações nº 324/SNI/ARJ).
Em 1965 é instalada a CPI para apurar irregularidades no Instituto do Açúcar e Álcool (IAA). Sua ficha serve de instrumento de pressão, desta vez com a ditadura militar instalada. Esses pontos ainda pouco conhecidos da biografia do ex-governador podem ser pesquisados no Arquivo Nacional. A habilidade política e a capacidade de unir grupos e pessoas que divergiam de campos ideológicos eram duas das suas qualidades.
Os trabalhadores estiveram presentes na sua agenda política, daí a sua liderança e seu carisma junto aos estratos sociais mais empobrecidos da população alagoana; e em igual nível, o ódio devotado pela maioria do patronato e da elite intelectual a Muniz Falcão.
A construção do núcleo de aliados que o apoiou desde o início foi mantida, com divergências, entre trabalhistas, comunistas, socialistas e suas representações de classe, os sindicatos e federações, até sua morte precoce, aos 51 anos de idade, em junho de 1966, quando deveria ser empossado pela segunda vez como governador de Alagoas.
O impedimento de sua posse foi artifício por não ter conseguido a maioria absoluta dos votos. A pressão dos militares junto aos deputados estaduais e à justiça eleitoral prevaleceu. Em meio à disputa judicial, os partidos políticos foram extintos. De fevereiro a setembro de 1966, assume o governo o interventor federal general João José Batista Tubino; em junho, Muniz Falcão morre, e em setembro o deputado Lamenha Filho assume o governo, escolhido pela Assembleia Legislativa. É o primeiro governador da ditadura militar.
A busca por aliados entre os políticos, deputados, prefeitos, chefes políticos do interior e os empresários foi a outra face da moeda. Havia essa preocupação em Muniz Falcão para ampliar a sua base eleitoral e se inserir nos espaços mais fechados do estado, mas não conseguiu ir muito além. José Otávio Moreira, dono das usinas de açúcar João de Deus e Terra Nova, era o principal nome que o apoiava entre os empresários; era um nacionalista, e em 1958 foi lançado candidato ao Senado. O empresário e professor Maurício Gondim, dono da usina Uruba, fazia parte do pequeno grupo de empresários nacionalistas que apoiava Muniz Falcão.
O mapa eleitoral do ex-governador Muniz Falcão era circunscrito aos centros urbanos; o voto das cidades do interior era também importante. Os grupos oligárquicos e o empresariado exerciam o controle em grande parte do estado, mas a força orgânica e a liderança popular exercida por Muniz Falcão eram uma espécie de dínamo que superava a exuberância financeira e a pressão policial dos adversários. Em Alagoas, isso não é pouca coisa.
Antes de Miguel Arraes organizar a Frente do Recife com a participação da esquerda e de liberais e até conservadores, Muniz Falcão se elegeu com uma frente (coligação) de partidos em que o núcleo urbano era mais orgânico; contava com a participação dos comunistas, dos socialistas e dos trabalhistas, além de alguns setores conservadores. Essa construção político-eleitoral foi vitoriosa em 1955, ao eleger o prefeito de Maceió, Abelardo Pontes Lima, e o governador do estado, Muniz Falcão. Essa eleição é um marco por representar uma ruptura no bloco hegemônico da elite alagoana e a consagração daquele que viria a ser o maior líder popular da história de Alagoas.