8 de setembro de 2020 3:38 por Geraldo de Majella
Os clubes sociais têm origens as mais variadas; são clubes que pertencem a uma indústria, clube esportivo, igreja ou congregação etc. Em Anadia (AL), existia apenas um clube social: a Associação Recreativa e Cultural de Anadia (ARCA). Mas, no dia 1º de janeiro de 1965, foi fundada a Sociedade Beneficente e Recreativa de Anadia (SOBRA).
Essas duas organizações não representavam nem pertenciam à indústria, que não existia na cidade, muito menos uma congregação religiosa ou um clube esportivo. Os clubes são retratos das relações sociais e econômicas e, claro, da vida social da cidade. A maneira como se organizaram (e a origem de cada um) os diferencia.
O Teatro Municipal Olímpia Aragão, inaugurado em 1943, era um espaço público que durante muitos anos foi “privatizado” pelo clube que representou a elite. Os bailes e eventos importantes da cidade eram realizados com pompa e circunstância. A frequência era restrita, os lugares eram previamente marcados: “esta mesa é do doutor juiz de Direito; a outra é do promotor de Justiça; aquela mesa é do prefeito e sua digníssima família”. Os comerciantes e os proprietários rurais adquiriam as suas mesas, e assim por diante.
A divisão do espaço se dava na mesma proporção da separação ou segregação das classes sociais no espaço urbano e rural da centenária cidade. Esse universo dividido “naturalmente” entre as classes sociais mais abastadas subtraía da maioria dos moradores a possibilidade de conviver naquele ambiente que era público, mas que fora apossado pela ARCA.
A Sociedade Recreativa e Beneficente de Anadia (Sobra) decorre de uma iniciativa do fotógrafo Eurico Farias e do carpinteiro e músico Adelmo Bento, que certo dia foram impedidos de participar de uma festa na ARCA pelo fato de serem negros. “O meu pai ‒ relata Olga Chagas, filha de Eurico ‒, conversando com outras pessoas amigas que também tinham sido barradas em bailes e festas na ARCA, começou a trabalhar na organização de uma sociedade em que todos pudessem se divertir. Desses encontros surgiu o nome, Sobra”.1 A ideia do clube surge da discriminação, do racismo.
As dificuldades para a aquisição de um terreno e a construção da sede própria foram superadas pela motivação dos profissionais que fundaram o clube social na cidade. Nele, todos os pobres e excluídos eram bem-vindos. Essa organização da sociedade nasceu sem patrão; mesmo sem terem consciência de classe, aqueles trabalhadores marcaram a sua época com uma iniciativa desafiadora.
A composição social era basicamente de artesãos, carpinteiros, marceneiros, pedreiros, coveiros, seleiros, ferreiros, motoristas, fotógrafos, pequenos comerciantes e alguns poucos profissionais liberais.
A sede foi construída em regime de mutirão, modelo que anos mais tarde tornou-se conhecido com essa denominação. O trabalho acontecia aos finais de semana e nos feriados, quando os pedreiros, os serventes e as famílias se juntavam em torno da obra. As famílias, reunidas, faziam feijoadas; a cachaça e o tira-gosto não faltavam. O clima era de alegria contagiante. Assim foi erguida a sede.
A Sobra, além da parte recreativa com seus bailes e festas, era um centro de formação e qualificação de mão de obra da cidade. Foram criados cursos de corte e costura, bordado e pintura, e também uma escola de educação infantil para alfabetizar os filhos e as filhas dos sócios e das famílias pobres de Anadia. Duas das filhas de Eurico Farias, Olga e Eluzanita Chagas, foram as primeiras professoras. O serviço de alto-falante foi instalado e a boa música era irradiada para os quatro cantos da cidade.
Os invisíveis sociais conquistaram um espaço social. É o caso dos religiosos de matriz africana. O babalorixá Reinaldo com a sua família e seus filhos e filhas de santo eram sócios. As empregadas domésticas e as mães solteiras desfrutavam com liberdade do salão de baile da Sobra. Os bailes e as festas tornaram-se um ponto de concentração e animação da cidade.