sexta-feira 19 de abril de 2024

Aos sessenta anos, a vida continua

Confesso não recordar ter pensado na velhice como uma realidade próxima e natural

2 de janeiro de 2021 8:10 por Geraldo de Majella

Confesso não recordar ter pensado na velhice como uma realidade próxima e natural. Hoje, 2 de janeiro, ao completar sessenta anos, me preocupo, na medida do possível, a viver melhor e saudavelmente, cuidando da saúde.

Os hábitos nem sempre são bons ou recomendáveis, mas foram adquiridos. Às vezes, são maus costumes incorporados, e hoje não são prazerosos. As comidas gordurosas e fartas, as bebidas alcoólicas, os doces não fazem parte da minha dieta. A sobriedade à mesa tem sido a minha rotina. Tenho realizado refeições frugais, numa vida quase indígena. Isso é para não dar motivo pra morte, que vive à espreita.

Pai e filha na praia de Tabuba, em Maceió (AL)

O meu pai morreu com apenas 65 anos, minha mãe aos 74. Quando o meu pai morreu, em 1987, eu tinha 26 anos, fiquei sem chão e sem direção na vida. Poucas pessoas perceberam; como não sou de falar, guardo comigo as emoções. Segui em frente, toquei a vida como foi possível. Minha mãe morreu em 2008, eu tinha 47 anos e já era pai. Foram dois momentos distintos e de profundas perdas.

O meu porto seguro era meu pai. Se eu estivesse sob uma intensa tempestade e o barco naufragasse, eu sabia que ele procuraria me salvar. É uma figura de linguagem, mas não encontro outra melhor para definir a nossa relação. Minha mãe tinha o amor pelo filho como todas as mães, a vontade de ajudar e proteger, tudo que uma mãe pode fazer pelos filhos. O amor de mãe é universal e inigualável.

Josias Marques, meu pai
Marinalva Fidelis de Moura, minha mãe

A régua e o compasso eu recebi em Anadia (AL), cidade onde nasci e que aprendi a amar. Os ensinamentos iniciais, como observar e se relacionar com o mundo, meu Velho foi quem me ensinou. Cresci e vivi uma vida mais atribulada do que a dele na pacata cidade do interior. É comum, ainda hoje, eu me lembrar de ensinamentos que são referências para a minha vida. Em muito do que fiz e sou, a base é o meu Velho.

O trabalho era central na vida de meu pai. Jamais soube o que eram férias; trabalhar não era um enfado, era uma necessidade e a vontade de servir à comunidade a partir da sua pequena farmácia: era médico, conselheiro e amigo dos seus fregueses. A política ocupou um espaço significativo em sua vida: a política local interligava-se com a nacional, origem da sua simpatia pelo trabalhismo varguista e janguista e, em Alagoas, motivo da admiração pelo governador Muniz Falcão. Esse talvez fosse o seu perfil político-ideológico, associado ao humanismo cristão.

Majella e Sátva Brandão no túmulo de Nikita Khrushchov, em Moscou. 1984

A política me seduziu desde adolescente e continua a seduzir até hoje. A minha imersão na militância comunista foi o que de melhor poderia ter acontecido. O mundo que se descortinou para mim foi maior que qualquer curso universitário. Vivenciei a reorganização do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em Alagoas, e convivi com homens e mulheres de classes sociais distintas, muitos com histórias de vida fantásticas ‒ não seria exagero dizer: vidas cinematográficas. Ao PCB devo tudo que sou; muito provavelmente, eu não compreenderia o mundo como passei a compreendê-lo se não fossem os anos de militância comunista.

A luta pela transformação do mundo foi a utopia vivida pelas gerações anteriores à minha; tudo que ouvi era como se um sonho fosse se concretizar. A utopia de viver para transformar o mundo injusto num mundo com justiça social e em que todos pudessem alcançar a felicidade, comendo três vezes ao dia e morando sob um teto digno. Era a utopia socialista na forma mais singela possível.

O capitalismo foi incapaz de distribuir riqueza e ofertar condições materiais básicas para todos. É impossível a humanidade obter esses direitos no capitalismo. A concentração de riqueza e a destruição dos empregos formais fazem parte da nova ordem mundial.

O sonho de viver numa sociedade com justiça social retorna à pauta com o aprofundamento do fosso das desigualdades sociais em escala planetária. Inclusive nos países ricos com alto grau de desenvolvimento, as chagas da miséria aparecem em quantidade, estendidas nas calçadas dos conhecidos centros financeiros.
A liderança espiritual e política alcançada pelo Papa Francisco é o ponto fora da curva de nossos dias; a voz do Papa é a voz dos excluídos de todo o mundo. A sua postura como líder religioso é um exemplo a ser seguido, até mesmo pelos que não são católicos, mas são cristãos e desejam viver em sociedades justas e fraternas.

O triunfo da sociedade de consumo no estágio atual não é, nem deve ser, entendido como se fosse imutável. Tudo isso tem início com a expansão do sistema capitalista, no exato momento em que às sociedades produtoras de bens básicos é imposto um modelo mediante o qual o fetiche consumista transformou as pessoas em presas de produtos supérfluos. Como nada é imutável, essa fase da história será contestada e superada através da luta dos trabalhadores.

A vida é para ser vivida e para lutar por causas sociais. Se isso não acontece em nossas existências, se a vida for reduzida a acumular riqueza material como fez o Tio Patinhas, será a derrota anunciada. Caetano Veloso já tratou desse assunto lindamente, quando disse: “não me amarra dinheiro, não”.

O ex-presidente uruguaio Pepe Mujica disse certa vez que pertencia “a uma geração que quis mudar o mundo; fui esmagado, derrotado, pulverizado, mas continuo sonhando que vale a pena lutar para que as pessoas possam viver um pouco melhor e com um maior senso de igualdade”.

A liberdade é um objetivo do ser humano; mais que objetivo, é uma utopia. Nos últimos anos, tive a exata consciência de haver conquistado a minha liberdade como cidadão. Hoje, não tenho agenda, compromissos, não obedeço a nenhum chefe imediato e não tenho patrão.

Aos sessenta anos me considero um homem livre. Esse o meu estado de espírito; o meu tempo eu disponho da maneira que me convém. Vivo a minha utopia: se não vivo numa sociedade onde não há patrão, procuro viver sem a sua presença.

Vânia, Majella e Isabela

As ordens que recebo e cumpro são das minhas mulheres: a companheira (Vânia) e a filha (Isabela), nada mais. A minha rotina quem define é o olho do sol, que é quando saio de casa para queimar glicose e colesterol nas caminhadas matinais.

O mestre Paulinho da Viola escreveu, tantas obras-primas, mas o samba “Meu mundo é hoje” de Wilson Batista e José Batista gravado pelo mestre me diz muito. É um choque de realidade.

Eu sou assim
Quem quiser gostar de mim, eu sou assim
Eu sou assim
Quem quiser gostar de mim, eu sou assim
Meu mundo é hoje
Não existe amanhã pra mim
Eu sou assim
Assim morrerei um dia

Não levarei arrependimentos
Nem o peso da hipocrisia
Tenho pena daqueles
Que se agacham até o chão
Enganando a si mesmos
Por dinheiro ou posição
Nunca tomei parte desse enorme batalhão
Pois sei que além de flores
Nada mais vai no caixão.

Aos sessenta anos, a vida continua.

Vânia e Majella nas prévias carnavalescas de Maceió

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4 Comentários

  • Parabéns Majella! Feliz 60! Bela crônica

    • Obrigado, Maria. Vida que segue

  • Parabéns, Camarada. Só podemos viver o hoje porque “o ontem já foi e o amanhã ainda não chegou”, mas sabemos que o nosso hoje é fruto do que plantamos ontem e o amanhã está sendo gestado no nosso hoje. Assim, não há sorte ou azar, mas vamos colhendo o que plantamos nas nossas andanças. Continue arruando, Camarada. Abraço comunista

  • Exatamente< Fátima. Amanhã será outro dia.

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