Em Alagoas, as 69 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares estão à mercê da própria sorte. E esta não tem sorrido para eles. De acordo com lideranças, o órgão federal vem reduzindo a distribuição de cestas básicas, promovendo fome, exclusão e ampliando a discriminação para favorecer políticos.
“Esse descaso tem se aprofundado com mais fome e exclusão social em nosso meio”, lamenta Manoel Oliveira dos Santos, o “Bié”, dirigente da Coordenação Estadual Ganga Zumba e morador do povoado Mumbaça, em Traipu.
Ele faz uma denúncia grave. “A Ganga Zumba tem sido atropelada no processo de distribuição das poucas cestas que foram entregues às comunidades, por critérios políticos, para enfraquecer as lideranças”.
Trabalhar com as comunidades quilombolas nunca foi fácil diante da discriminação histórica sofrida por este grupo, “mas nesse momento de profunda agonia em que estamos vivendo com a pandemia, onde os nossos irmãos estão morrendo de Covid-19, estão sofrendo muito mais com a fome e com a desestruturação das políticas públicas e pelas ingerências político-eleitorais”, ressalta Bié.
O líder quilombola lembra que, para a vacinação chegar às comunidades quilombolas, foi necessário o Ministério Público Federal acionar na Justiça os governos federal e estadual, além dos municípios.
No último dia 8, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin determinou, em acolhimento à um embargo de declaração protocolado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a vacinação imediata contra a Covid-19 de quilombolas residentes ou não nos territórios tradicionais, independentemente do estágio do processo de regularização fundiária do território.
Além disso, reforça a exclusão o fato de que a Coordenação Estadual e a Coordenação Nacional (Conaq) em Alagoas não receberam nenhum comunicado e nem foi convidadas para participar de discussões a respeito de como atuar na pandemia.
“Os quilombolas continuam sendo discriminados. As comunidades continuam sem água tratada para beber, sem comida e em muitas comunidades as estradas durante a estação chuvosa ficam isoladas pelas péssimas condições das estradas”, diz Manoel.
Pandemia agrava situação de povos “invisíveis”
O Observatório da Covid-19 nos Quilombos (quilombosemcovid19.org) contabilizava, até o último dia 18, 5.654 casos confirmados da doença nos quilombos brasileiros, com 299 mortes e 1.492 pacientes sendo monitorados.
Os números podem ser mais graves, segundo o observatório. “Dados da transmissão da doença em territórios quilombolas são subnotificados, pois muitas secretarias municipais deixam de informar quando a transmissão da doença e a morte ocorrem entre pessoas quilombolas. Tanto as secretarias de saúde como o próprio Ministério da Saúde têm negligenciado uma atenção específica em relação às comunidades negras”, alerta o texto na página principal do portal.
De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que registra o avanço da pandemia entre essas populações em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), em meio a esse grupo, a taxa de letalidade do vírus é de 3,6%. Maior que na população geral, em que a letalidade é de 3,1%.
A advogada Vercilene Dias, assessora jurídica da Conaq e da Terra de Direitos, a letalidade alta é reflexo da desassistência do Estado. “Na maioria das comunidades quilombolas, não há unidades básicas de saúde. Quando há, elas não têm médicos”, afirma.
As dificuldades não se restringem à área da saúde: como a maioria dos quilombos não passou pelo processo de regularização fundiária, são frequentes os conflitos por terra, que continuaram durante a pandemia. Em algumas regiões, conta Vercilene, as pessoas têm dificuldade para acessar água potável.