sexta-feira 26 de julho de 2024

A economia brasileira em tempos de Covid-19: o antes, o durante e o “depois” (XII)

Começamos o ano de 2021 com a narrativa de que a economia estava em um processo de recuperação em V, a partir do segundo trimestre de V passou para raiz quadrada e agora tudo indica que estamos em recessão técnica e com a economia rodando. Segundo Ricardo Barboza e Braulio Borges (Valor Econômico de 30/12/2021), esta encontra-se “3% abaixo da (fraca) tendência de crescimento de antes da pandemia (2017-2019) e 4,4% abaixo da trajetória projetada pelo consenso de mercado (Focus) em fevereiro de 2020”.

As expectativas do mercado financeiro são de crescimento próximo a zero no quarto trimestre quando comparado ao trimestre imediatamente anterior (com ajuste sazonal). Caso se confirme tal prognóstico, a economia brasileira deverá crescer entre 4% a 4,5% em 2021 ante pronunciada queda de 3,9% em 2020.

Da perspectiva econômica de 2021, o que podemos esperar (especular) para 2022 e como os estados podem fazer a diferença?

Os sinais de enfraquecimento da demanda vão deixando cada vez mais claro o porquê da falta de dinamismo da economia brasileira e de seu recorrente voo de galinha. Ao voltar ao caráter pró-cíclico da política fiscal em 2021, diferentemente da política contra-cíclica adotada em 2020, quando o impulso fiscal positivo foi de 8% contra a perspectiva de contração em 2021 e 2022, a taxa de crescimento do consumo das famílias passa de 7,1% no terceiro trimestre de 2020 para 0,9% em igual período em 2021.

No caso dos gastos do governo e dos investimentos, as taxas passam de 3,1% e 11% para 0,8% e -0,1%, respectivamente. O mesmo ocorrendo com a absorção externa na qual exportações e importações apresentam taxas de -1,1% e – 8,6% para -9,8% e – 8,3%, respectivamente.

Esse conjunto de dados negativos refletem principalmente as altas taxas de inflação corroendo o poder de compra das famílias associado a níveis elevados da taxa de desemprego, que deve fechar o ano de 2021 no patamar de 12%.

Do ponto de vista do investimento, não há como desconsiderar os efeitos negativos do aumento da taxa livre de risco (selic) em uma economia com elevada incerteza, o que aumenta o custo de oportunidade de investimentos privados no setor real da economia. No cenário externo, aumentou a incerteza quanto aos efeitos econômicos das variantes Delta e Ômicron com potencial de impactar negativamente as economias desenvolvidas e, por tabela, as em desenvolvimento.

A combinação demanda débil com choques de oferta, por sua vez, tem reforçado a tendência de queda, na margem, no setor agropecuário, com retração de 8% (efeito seca), crescimento zero na indústria contra 14,1% em igual período no ano anterior (em função da interrupção do auxílio emergencial, dos gargalos no fornecimento de insumos nas cadeias de valor globais e da lenta retomada do setor de serviços). O setor de serviços, apesar de apresentar aumento de 1,1%, também desacelera quando comparado aos 6,2% do terceiro trimestre de 2020.

As expectativas para o crescimento da economia brasileira em 2022 têm sido persistentemente revistas para baixo com a mediana do mercado projetando taxa de 0,42%. Os mais otimistas estimam expansão de 1,8% e os mais pessimistas retração de 2,0%. O tamanho da dispersão das estimativas dá a dimensão da incerteza quanto ao comportamento da economia brasileira no próximo ano, seja no campo econômico seja no político. Em outras palavras, não dá para dizer ou cravar a priori qual será a taxa de crescimento, mas mesmo que seja próximo a 1%, como espera o Banco Central em seu último Relatório Trimestral de Inflação, não deixa de ser um cenário negativo em um contexto de estagnação econômica como vivido pelo Brasil há algum tempo.

No tocante à política monetária, a taxa de inflação (IPCA, no acumulado de doze meses) atingiu o patamar de 10,74% em novembro e aumentou o temor do Banco Central quanto ao risco de desancoragem das expectativas futuras de inflação. Ou seja, uma vez que a inflação de 2021 estourou o teto da meta de 5,25% e poderá ficar acima do definido para 2022 de 5%, o BCB quer assegurar que em 2023 e 2024 o IPCA mantenha-se no centro da meta: 3,25% e 3%, respectivamente. No último levantamento feito pela pesquisa FOCUS, 24/12/21, a mediana das expectativas do mercado financeiro projetava inflação na meta só em 2024, sinalizando que o choque de oferta combinado com mudanças nas regras de política fiscal avançava no processo de desancoragem das expectativas de inflação.

Na Ata da última reunião do Comitê de Política Monetária, o Banco Central deixa claro que em 2022 a taxa básica de juros ficará em um patamar acima de 11%: “quanto ao balanço de riscos, o Comitê ponderou que o risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, derivado dos desenvolvimentos no cenário fiscal, indica que há viés altista para as projeções do seu cenário básico. Como consequência, o Copom avaliou que, considerado esse viés devido à assimetria de riscos, suas projeções se encontram acima da meta tanto para 2022 como para 2023.

Diante desse resultado, o Copom concluiu que o ciclo de aperto monetário deverá ser mais contracionista do que o utilizado no cenário básico por todo o horizonte relevante”. Isto significa que se a inflação em 2022 ficar em 5%, como hoje aposta grande parte do mercado, a taxa básica real de juros poderá atingir o patamar de 7%aa, praticamente o dobro da taxa neutra estimada atualmente por vários analistas.

A narrativa de que esse aperto da política monetária se deve ao risco fiscal não encontra respaldo do ponto de vista do déficit estrutural brasileiro. Segundo a FGV, tirando os efeitos dos cíclicos econômicos e das despesas e receitas não recorrentes, a situação fiscal brasileira é de relativo equilíbrio desde 2017, o que não justifica o nervosismo do mercado. Ademais, a inflação e o congelamento de despesas como salário do funcionalismo têm contribuído para reduzir a relação dívida/PIB. Todavia, pode-se argumentar que o risco eleitoral e a incerteza quanto à política macroeconômica a ser adotada no País a partir de 2023 têm deixado o mercado bastante apreensivo, contaminando as expectativas de inflação de longo prazo.

Ocorre que o aumento de juros não terá nenhuma eficácia quanto a este risco, como apontado por Volpon no Valor Econômico de 23/11/2021, podendo, inclusive, aumentá-lo em função dos seus efeitos negativos sobre o nível de atividade econômica e a dívida pública. O curioso é que o BCB sustenta em sua Ata que o risco fiscal tem puxado o balanço de riscos para cima, mas a sua política de juros tem sido um fator importante para o aumento do risco fiscal no tempo.

Por essa razão, forçar a mão na taxa de juros não parece ser a melhor estratégia para enfrentar os fatores que estão por trás da taxa de inflação corrente, que deve fechar 2021 próximo a 10%. Dado seu caráter temporário, a política monetária de juros altos parece pouco eficaz para fazer frente a choques dessa natureza.

Ademais, a expectativa para 2022 é de melhor desempenho do setor agropecuário e redução dos preços das commodities ambos puxando o preço dos alimentos para baixo, assim como de normalização da oferta de energia elétrica com a recomposição dos reservatórios, que foram os grandes vilões da inflação de 2021 junto com a taxa de câmbio. Em síntese, no balanço de riscos, o BCB deve ponderar que a política monetária fortemente restritiva adotada atualmente terá efeitos negativos sobre a dívida pública, assim como sobre o nível de atividade econômica em um cenário de tendência de queda da inflação propiciada pelo esgotamento dos choques de oferta.

Em meio a um contexto de tanta incerteza para 2022 gestado, como discutido acima, com a deterioração do quadro econômico em 2021, os estados podem fazer a diferença e atenuar os efeitos econômicos restritivos das políticas fiscal e monetária em nível nacional. De acordo com o Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO) para o 5º bimestre de 2021, os estados brasileiros apresentam poupança corrente em relação à RCL positiva demonstrando autonomia para realizar investimentos com recursos próprios. No caso dos estados do Nordeste, os percentuais são: Alagoas de 34%, Bahia de 25%, Ceará de 24%, Paraíba de 23%, Pernambuco e Piauí de 22%, Maranhão de 19%, Rio Grande do Norte de 16% e Sergipe de 14%.

A canalização desses recursos para investimentos em infraestrutura física e social e políticas de preservação ambiental poderá, dado os efeitos multiplicadores destes gastos sobre a renda e o emprego, não só pavimentar estruturalmente a retomada das economias dos estados como contribuir para um cenário mais favorável em 2022. Para tanto, é preciso a percepção, nos diferentes níveis da federação, de que políticas de desenvolvimento sistemicamente bem desenhadas, a partir de alianças estratégicas entre os setores público e privado, são cruciais para fazer frente aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável elencados pela ONU.

Mesmo ciente das dificuldades de concertação política para a implementação de tal agenda em nível estadual, em um contexto de políticas fiscais e monetárias restritivas praticadas pelo Ministério da Economia e Banco Central (até o momento de pouca eficácia no combate à inflação, mas bastante eficaz para levar a economia à estagnação), o espaço fiscal obtido pelas Unidades da Federação, se bem aproveitado, pode ser uma janela de oportunidade ante expectativas econômicas nada animadoras em nível nacional.

Ante a perspectiva de mares politicamente revoltos e epidemiologicamente desafiantes para 2022, deixo à reflexão o seguinte trecho do Poema “Tempo de Travessia” de Fernando Teixeira de Andrade: “É o tempo da travessia; e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. Feliz Ano Novo!

Reynaldo Rubem Ferreira Jr é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – FEAC – da UFAL

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